José Carlos Dornelas, professor universitário e consultor especializado em empreendedorismo, responde, nesta entrevista, às dúvidas mais freqüentes sobre atitudes empreendedoras, dando dicas – para educadores e outros profissionais – sobre como emplacar um projeto, desde da ideia até a oportunidade, passando pelo plano de negócios e pela captação de recursos. E ressalta que não é preciso arriscar de uma forma brusca. “É possível empreender mantendo as atividades do presente e olhando para o futuro. Um passo é começar a empreender nos finais de semana e depois evoluir para algo mais constante”.

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Para Dornelas, plano de negócios é plano de vida

Diminuindo riscos e seguindo um planejamento, Dornelas acredita que todas as atitudes empreendedoras possuem algum risco, mas que o grande risco são as tomadas de decisões da noite para o dia, pois essas atitudes têm grandes chances de fracassar. Para ele, fazer uma autoanálise permite a criação de uma diretriz importante para planejar e ir atrás dos objetivos e ter sucesso. “O grande segredo é saber o que você quer para você. Como você se vê nos próximos anos? Qual o seu plano de vida? É a causa pessoal e o planejamento que vão fazer a grande diferença na hora de decidir mudar algo, criar um projeto e fazer ele acontecer”.

Autor de dezenas de livros, entre eles, o best-seller “Empreendedorismo, transformando ideias em negócios”, Dornelas é o criador da Empreende, uma consultoria especializada em empreendedorismo. No site Plano de Negócios, o especialista oferece conteúdos na área do empreendedorismo para instituições de ensino e interessados em geral. Estão disponíveis jogos e vídeos ligados ao empreendedorismo, artigos e cursos a distância que ensinam os alunos e professores a desenvolver um negócio, analisar cada perfil de empreendedor e elaborar relatórios e planos de negócios, além das versões digitais dos seus livros do especialista.

Como o educador pode “fazer acontecer” uma idéia sem ter que abandonar suas atividades profissionais do presente?

No meu blog recebo muitas perguntas de professor, por exemplo, que tem muitas ideias e não sabe como fazer para colocá-las em prática. Porque ele tem que cumprir um horário semanal e não pretende abandonar a sala de aula para começar a desenvolver novas ferramentas para o aprendizado, usando tecnologia, por exemplo. E eu sempre respondo que é possível. Usar os finais de semana para empreender em um determinado momento é interessante e muitas vezes a única opção. Aprender a transformar uma idéia em uma oportunidade é não querer fazer as coisas sozinho, é montar uma equipe, é gerir o seu tempo da melhor maneira e negociar o tempo com a família até o momento certo onde esse negócio de final de semana passe a ser algo que ganhe escala e se torne um negócio de todos os dias.

Mas, para alguém que quer realizar uma idéia, um sonho e não tem condições financeiras para montar uma equipe por exemplo, como fazer?

Tem que ter um poder de persuasão para convencer as pessoas a abraçarem a sua idéia junto com você. Quem tem um perfil empreendedor, um perfil de atitude, sabe fazer muito bem isso, montar times. Mas, a partir do momento que você convence e forma uma equipe, é muito importante também que as participações sejam bem definidas desde o inicio. O papel de cada um, os valores a receber, pois quando o projeto der certo não pode haver problemas com isso. Isso é uma das coisas que pode acabar um projeto bom, por exemplo.

E quando se consegue montar a equipe, mas as idéias necessitam de uma infraestrutura para sair da imaginação e ir para o mundo real, como fazer?

Quando falamos em empreender sem dinheiro é para mostrar à pessoa que primeiro ela precisa se identificar com a oportunidade. Depois você tem que buscar as melhores alternativas para alocar seu projeto. Empresas ligadas ao conhecimento, tecnologia, que necessitam muito mais do seu tempo, têm maior facilidade de serem criadas. Precisam de um investimento muito pequeno e muitas vezes os ganhos são enormes. Pela natureza do meio, das tecnologias de informação e comunicação, têm de ampliar os acessos, o alcance. Agora, é importante não pensar em montar um negócio só porque o investimento será pequeno. Porque esse negocio também pode ter um retorno pequeno. O dinheiro não pode ser o fim. A grande pergunta é: isso é realmente o que você quer? Sua idéia, seu sonho? E se você é capaz de dedicar tempo suficiente para isso.

Então as oportunidades que têm mais chances de sucesso são os projetos que têm as causas pessoais como pano de fundo?

Esses projetos têm mais chances de dar certo. Porque quem criou acredita no projeto e não vai desistir tão fácil. Claro que tem que ser uma boa idéia, uma boa oportunidade, mas precisa essencialmente de uma ferramenta para fazer acontecer e se for uma causa pessoal, com certeza haverá uma persistência e uma dedicação certa.

Mas uma boa idéia precisa de um planejamento. Onde encontrar orientação para montar um plano de negócios para essa idéia?

Não existe um caminho fácil. Você tem que procurar e persistir. A internet hoje ainda é o local onde você acha mais fácil e rápido essas orientações. O site que criei, o Plano de Negócios, por exemplo. A própria Empreende disponibiliza treinamento, suporte gratuito; o Sebrae e os diversos livros que trazem dicas e testemunhos. Mas não existe algum local específico, que você bata na porta e as pessoas te atendam facilmente. Temos recursos dos ministérios para desenvolver apoio aos empreendedores de idéias inovadoras.

Como identificar um projeto inovador?

Tem que se perguntar se o seu projeto tem diferencial, se não há nada parecido no mercado. Se ele tem potencial de crescimento, se há possibilidade de ele ganhar escala e ser algo diferente do que já existe. Posso patentear isso?

Você falou que as idéias inovadoras têm investimento mais fácil. Quais são esses investimentos?

Temos muitos recursos para projetos inovadores no Brasil. Temos várias formas de colocar eles em prática a partir de editais. Temos disponíveis recursos públicos, recursos não reembolsáveis, que chamamos de fundos perdidos, via Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), via MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), iniciativas de apoio às pesquisas nos estados, vias que você pode utilizar e não precisa ter muitos recursos. O outro caminho, que serve para qualquer idéia, inovadora ou não, é ter sócios, que podem ser capitalistas, que pode auxiliar nessa iniciativa no novo empreendimento. Também temos investidores, que são pessoas físicas, os chamados anjos, que vêm crescendo muito no Brasil. Mas, repito, o processo não é fácil. Tem que ter um projeto bom e muito comprometimento.

O que é um projeto bom? E como detectar o potencial desse projeto?

Um projeto bom mostra um potencial de sucesso a médio ou a longo prazos. E você tem que começar com o plano de negócios para que ele possa identificar se esse potencial existe. E a partir daí você vai atrás de interlocutores. Isso não está disponível em uma lista na internet. Vai muito do seu relacionamento para abrir portas e chegar até as oportunidades. Isso é algo muito importante no empreendedorismo. Os jovens precisam desde cedo desenvolver a sua capacidade de relacionamento. E com isso as portas vão se abrir e quando elas se abrem você tem que estar preparado para aproveitar as oportunidades.

Que dicas você daria de como o jovem pode adquirir esse capital social desde cedo?

Participar de iniciativas na faculdade extraclasses, de centro acadêmico, empresa júnior. Tudo isso vai abrir muitas opções para conhecer pessoas. O empreendedor tem que ser um ser sociável . E as pessoas que são tímidas têm que desenvolver esse lado. E ao longo do tempo vamos apreendendo a utilizar esse capital social da melhor forma.

Como as redes sociais digitais contribuem para criação desses relacionamentos?

As redes sociais, por exemplo, acabam sendo um caminho para conhecer mais pessoas. Mas não se pode ficar na superficialidade, tem que aproveitar esses contatos. Eu ainda vejo o contato pessoal como a melhor ferramenta, principalmente como falamos de empreendedorismo. Então podemos utilizar a rede social digital como o início para captar esses contatos.

Existe uma hora certa para decidir ser dono de seu próprio nariz? Existe algum momento oportuno?

O momento oportuno é complicado de definir. Há pessoas que decidem no inicio da carreira, outros demoram anos. É um plano empreendedor pessoal. Na verdade a grande questão, o grande risco é decidir isso da noite para o dia. O plano de fundo é saber o que você quer para você. Como você se vê nos próximos anos? Cada um tem seu plano de vida. Se não tem, deveria ter. O que percebemos nas atitudes de sucesso é o planejamento a partir de uma autoanálise, saber o que você busca. Saber para aonde quer ir. E isso tem que ser feito sempre, porque a cada dia mudamos. O caminho mais adequado é, aos poucos, tentar conciliar o que você quer para o futuro com o que você faz no presente. E aí você transforma isso em metas e em objetivos. O planejamento pessoal é o início de tudo e para isso tem que ter estratégias.

Existe mais facilidade em colocar uma idéia em prática antes ou depois dos 30 anos? Quais são as vantagens de cada tempo?

O empreendedor jovem tem um risco muito pequeno. Você tem menos compromisso, depende mais de você, e geralmente tem uma família para contar financeiramente. Mas, por outro lado, o jovem tem menos experiência prática. Os que estão acima dos 30 têm a vantagem da maturidade, da experiência prática, mas já tem comprometimentos financeiros. Depois dos 30, por exemplo, é recomendável começar empreendendo nos finais de semana. Menos arriscado. Não existe um momento ideal, sempre está faltando algo. O grande desafio é balancear o risco e a recompensa, equilibrar, esse é o caminho. Risco sempre vai existir, quando conhecemos esses riscos, talvez facilite na tomada das decisões. Mas o foco tem que ser o objetivo de cada um.

Você realiza muitos treinamentos e consultorias. Estimular o empreendedorismo corporativo, ou seja, as motivações e as visões do funcionário na empresa, não faz com que todo funcionário queira realizar a sua própria idéia, montar o seu próprio negócio?

Empreendedorismo corporativo, ou intraempreendedorismo, é tratar o tema empreendedorismo dentro de empresas já estabelecidas. Dois tópicos importantes para ser tratados: pessoas e processos. Quando falamos em pessoas, falamos de comportamento, em atitude, em fazer acontecer, ter objetivos e ir atrás para conseguir. Esse comportamento empreendedor é da pessoa e isso é desenvolvido independentemente do lugar que a pessoa se encontra ou do fim, social, educativo etc. Os processos têm a ver com a facilitação das pessoas para empreenderem e a organização precisa querer isso para a sua equipe. O corporativo vem muito da demanda das organizações de inovar, de crescer, de buscar novos mercados, de buscar novas alternativas de receita. As pessoas têm visto a necessidade cada vez maior de ter colaboradores com perfil empreendedor dentro das organizações. Conhecer ferramentas para inovar, para criar recompensas, para elaborar ações para motivar e novas formas de pensar.

Adotar essa postura é horizontalizar os processos? Investir na liberdade?

Cada organização tem uma cultura. Tem umas que são mais livres, tem menos burocracia. Nem sempre modelos de sucesso livres e admirados por muitos, como a Apple, 3M, Google, são o que deve ser seguido. Eles podem dar errado para sua organização. Não existe fórmula. Existem umas principais restrições para o empreendedorismo sim. A cultura, o valor. O primeiro passo é realmente tirar a fotografia de como a organização é, como ela está estruturada, o que ela quer do ponto de vista, enquanto objetivo.

Esse “fazer acontecer” é habilidade ou competência?

As duas coisas. Você vai adquirindo conhecimento e desenvolvendo suas habilidades. Esse conjunto de características que leva a pessoa a ter mais ou menos chances de sucesso. Não adianta achar que nasceu pronto e que tem características natas que vai fazer mais empreendedor do que o colega, por exemplo. Isso não é verdade. Existem perfis muito diferentes, ecléticos e as pessoas acabam tendo resultado. Vai muito da complementariedade com os colegas também. Mas, proatividade, atitude, iniciativa, vontade de fazer acontecer são essenciais no perfil empreendedor, na hora de fazer acontecer.

Quem fracassa é o projeto ou o empreendedor?

Os dois. Mas o empreendedor precisa aprender com o fracasso. O projeto mal estruturado já está falando que vai fracassar. O empreendedor quando for executar pode contornar isso. Tem que errar para aprender. Mas o problema é continuar errando e continuar diminuindo suas chances de sucesso.

Existem casos de empreendedores que têm vários projetos ao mesmo tempo e que uns fracassam, outros são bem sucedidos.

Tem vários casos. Inclusive tem projetos que parecem ter tudo perfeito e na prática não procedem de forma interessante. Se fosse simples prever se vai dar certo, não teríamos tanto desafio. O que temos que fazer é diminuir as chances de erro. Melhorar o conhecimento, a capacitação, juntar nos times pessoas de qualidade e complementares e pensar de uma forma grandiosa. Apostar em grandes apostas. Já que vai “ralar” mesmo é melhor que seja com coisas grandes.

Quais são as características em um planejamento que devem ser seguidas para colocar uma idéia na prática?

Olhar o planejamento, o plano de negócios, como ferramenta. Identificar a oportunidade, o nicho de mercado que está mal assistido, as pessoas certas para compor a equipe e ver o orçamento do projeto. Isso tudo é essencial para ver se o projeto vai dar certo. O planejamento é um momento de análise e só se deve seguir em frente se tudo indicar que vai dar certo.

Montar algo por oportunidade ou por necessidade, como você enxerga isso?

O problema do empreendedorismo de necessidade é que ele não tem longevidade. São pessoas que estão fora do mercado e criam algo para suprir a sua necessidade. Quando o país começa a ter um desenvolvimento econômico interessante, o empreendedorismo de oportunidade começa a aumentar. Quando as necessidades básicas estão sendo atendidas, as pessoas começam a querer tomar atitudes, montar negócios pelas oportunidades. Antes, o empreendedorismo de necessidade superava o de oportunidade. Hoje, esse índice se inverteu. Mas, ser ou não empreendedor de necessidade não é uma questão do empreendedor, e sim o plano de fundo social do país. Isso melhorou muito no Brasil nos últimos anos. Há muita iniciativa, mas ainda a maioria dos negócios deixam de existir em dois, três anos. Precisamos além de criar empresas, criar empresas que tenham longevidade.

A longevidade está ligada à experiência com a Educação Empreendedora?

Sim. A Educação Empreendedora é um pré-requisito para entender as condições necessárias. Percebemos que o Brasil cada vez mais tem investido em empreendedorismo na educação, no ensino médio e no universitário. Quanto mais cedo o jovem entender o que é empreender, mais vai antecipar as suas decisões e aumentará as chances de sucesso e longevidade dos seus negócios.

A Empreende trabalha as tecnologias como ferramentas voltadas para a educação?

Já temos jogos de tabuleiro ligados ao empreendedorismo, um site com diversos conteúdos aplicáveis, cursos a distância – que o professor tem como ferramenta a criação e o desenvolvimento de negócios -, teste de perfil empreendedor, elaboração de relatórios. Tudo isso pode ser usado na sala de aula. Produtos em vídeo que ensinam como desenvolver planos de negócios e livros nas versões digitais também auxiliam professores e alunos nessa experiência empreendedora. Em 2011, pretendemos lançar um programa que se chama “Fazendo Acontecer”, um programa de empreendedorismo para treinar jovens estudantes de 14 a 18 anos. Será feito em parceria com empresas e com escolas de uma forma muito vivencial e lúdica, a partir de uma plataforma online e com dinâmicas presenciais. As atividades serão realizadas com jogos e ao final o aluno chega com um plano de negócios concluído. Esse plano de negócios é focado em resolver um problema, que é Salvar o Mundo com uma equação de sustentabilidade, usando materiais recicláveis, e depois filmar, criar uma rede, e colocar tudo na internet. A idéia é ganhar escala com esse projeto e fazer acontecer, como o nome já diz.

Confira abaixo vídeo em que Dornelas discute o que é “criatividade”.

https://youtu.be/BISWi7TV7Sc

 

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