Em 2015, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) chega aos vinte e cinco anos. A Convenção é um tratado aprovado em assembleia geral nas Nações Unidas e assinado pelo Brasil, que tem como objetivo a proteção de crianças e adolescentes e seu reconhecimento como pessoas e sujeitos de direito.

A Convenção também rege a atuação da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que, a cada ano, publica um relatório sobre a Situação Mundial da Infância, com dados coletados pelo Comitê dos Direitos da Criança, um grupo de especialistas que monitora a implementação da CDC em países que a assinaram.

A edição de 2015 do relatório foi a primeira a ser publicada em meio digital e interativo. Isso permite que leitores complementem os dados e as iniciativas listadas no relatório com novas informações. O relatório, em inglês, pode ser lido aqui. Uma versão em pdf, em portugês, também pode ser lida, aqui.

O documento expõe a situação contraditória do mundo atual: por um lado, totalmente globalizado e conectado, capaz de gerar inúmeras oportunidades de aprendizado, colaboração e mudança; por outro ainda bastante desigual e cruel com as populações menos favorecidas. Por exemplo: cerca de um terço das crianças no mundo nao possui documento de identidade por não ter sido registrada no nascimento, e a probabilidade de uma mulher pertencente à parcela da população 20% mais pobre do mundo ser atendida por profissionais habilitados na hora de seu parto é 2,7 vezes menor que para mulheres pertencentes à parcela dos 20% mais ricos.

Nesse cenário, é necessária, segundo o relatório, uma interconectividade e comunicação que permitam que soluções inovadoras e acessíveis cheguem àqueles que mais precisam delas. Pensando nessa situação, o documento propõe a ideia de “inovação para a equidade”: novas ideias e soluções que permitam que todas as crianças tenham chances iguais de desenvolver seu potencial, e não apenas aqueles que podem pagar por isso.

São elencadas iniciativas e ideias que já existem no mundo e operam com esse objetivo. Elas são divididas em seis categorias, de acordo com o seu principal objetivo: Engajando os jovens, Despertando a criatividade, Trabalhando com comunidades, Adaptando soluções, Alcançando cada criança, e Repensando estruturas.

Entre elas, destacam-se, por exemplo, a iniciativa do jovem belga Shubham Banerjee, de apenas 13 anos, que desenvolveu uma impressora em Braille feita com Lego que custa apenas US$ 350 (as impressoras tradicionais desse tipo custam em média US$ 2000). A jovem Diana Marusic de 16 anos, da Moldávia, também recebe destaque: deficiente visual, ela desenvolveu um aplicativo que permite que pessoas com deficiências desse tipo utilizem computadores simplesmente por meio de comandos de voz. Isamar Caragena, colombiana de 18 anos, aparece por ter desenvolvido com uma colega um aplicativo chamado Vibrasor, que auxilia na mobilidade urbana de pessoas com deficiência auditiva, traduzindo os ruídos das ruas em vibrações e luzes nos smartphones.

A situação dos direitos das crianças no Brasil

Mario Volpi, coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes da Unicef do Brasil, considera que a desigualdade, que é um tema central do relatório desse ano, é uma situação bastante presente no caso brasileiro dos direitos da Criança e do Adolescente. Segundo ele, a mortalidade infantil é três vezes maior entre as populações indígenas que entre o restante dos brasileiros, e a probabilidade de um adolescente negro ser assassinado no país é quatro vezes maior do que de jovens de demais etnias. A dimensão racial, no entanto, é apenas uma das quatro dimensões de desigualdade que a Unicef identifica no Brasil. Além delas, existem também as dimensões de renda, de local de moradia e de deficiência. As crianças que têm seus direitos mais ameaçados são aquelas portadoras de deficiências nascidas no semiárido brasileiro em familias de baixa renda.

Outra ameaça a esses direitos são as discussões sobre a redução ou eliminação da maioridade penal na legislação brasileira. “A Unicef vem tratando desse tema com muita preocupação”, diz Volpi. Para ele, trata-se de uma “discussão sem sentido” em vistas dos dados sobre criminalidade no Brasil. Em um levantamento feito em 2011, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) concluiu que os menores de 16 a 18 anos são responsáveis por apenas 0,9% dos crimes no Brasil, sendo que crimes patrimoniais, como furto e roubo, constituem mais de 70% dos delitos praticados por esse grupo.

Volpi argumenta que essas “propostas demagógicas” não poderiam resolver o problema da violência. “O adolescente acaba sendo culpado por uma série de falhas da política pública”, diz. Para ele, “o jovem de 16 anos que for preso precisará sobreviver na cadeia”, e para isso teria que se associar a facções e se envolver em redes de criminalidade que dificultariam sua recuperação.

No entanto, Volpi considera que a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) no ano passado representa um dos avanços mais importantes da educação brasileira. Isso, segundo ele, porque trata-se de um plano do Estado e não do governo: foi discutido e aprovado pela Câmara, pelo Senado e pelo poder executivo, o que lhe dá mais legitimidade e densidade que uma política pública de educação mais restrita.

Volpi destaca também o fato de que as 20 metas pelo PNE no ano passado são monitoráveis. Com isso, torna-se mais fácil acompanhar seu desenvolvimento ao longo do tempo, uma vez que dados rígidos sobre o progresso dessas metas podem ser obtidos. Como as metas foram estudadas e discutidas por bastante tempo antes de sua aprovação, Volpi acredita que há uma boa probabilidade de que elas sejam cumpridas.

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