Oficinas de escuta e interpretação de músicas podem ser utilizadas para trabalhar saúde mental com adolescentes. O recurso foi adotado pela psicóloga e mestra em Educação, Iule Lourraine da Silva Landinho com estudantes do primeiro ano do ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IF-TO).
“A música está presente na história da humanidade, contribuindo para contemplação, reflexão e introspecção. Na educação básica, ela ocupa um lugar de identidade: crianças e adolescentes querem ouvir o mesmo que os colegas para se sentirem pertencentes. Assim, usar esse recurso para promover saúde mental é excepcional”, defende.
Landinho realizou com a turma duas oficinas, respectivamente sobre depressão e resiliência. Ela iniciou apresentando as características da depressão, com o objetivo de desestigmatizar o transtorno mental.
“Podem ser usadas perguntas disparadoras para sondar o conhecimento prévio dos estudantes, como: ‘você sabe o que é depressão?’, ‘conhece alguém que teve?’”
Nesse momento, ela considera importante destacar que a depressão é um transtorno psicológico sem cura, mas com possibilidade de remissão de sintomas. “Quem desenvolve precisa estar alerta para não ter recaídas. Além disso, deve-se diferenciar a depressão do luto e da tristeza. Isso ajuda a identificar quando se deve procurar ajuda em saúde mental, seja de psicólogo ou médico psiquiatra”, aponta.
Já a resiliência auxilia a lidar com sintomas da depressão e a se adaptar a mudanças. “A noção de resiliência advém das ciências exatas e trata de conseguir lidar com as situações adversas impostas pela vida e extrair lições das circunstâncias vivenciadas”, aponta a docente.
A seguir, confira quatro músicas que podem ser trabalhadas com os alunos do ensino médio para abordar depressão e resiliência.
A via láctea, Legião Urbana
Segundo Landinho, a diferença entre tristeza e depressão pode ser abordada a partir do trecho “Quando tudo está perdido, sempre existe um caminho / Quando tudo está perdido, sempre existe uma luz. Mas não me diga isso / Hoje a tristeza não é passageira”.
“É importante explicar a tristeza como uma emoção natural, que ocorre diversas vezes na vida e por diferentes razões. Já a depressão é um transtorno persistente, com características como desesperança, desânimo, ideação suicida etc.”
Outros sintomas e sentimentos que podem ser destacados a partir da letra da canção são: o autor saber que há solução para suas dores; o choro intenso e frequente; a ausência de prazer na vida (anedonia); a esperança interna reprimida; dor e angústia que parecem não passar; não se reconhecer ou sentir a identidade alterada (despersonalização); desesperança; recusa em buscar e receber ajuda; e a gratidão interna por saber que existem pessoas dispostas a ajudar, mesmo que não se aceite ou busque por isso.
Landinho também aponta uma luta pela alegria no trecho: “Só me deixe aqui quieto, isso passa. Amanhã é um outro dia, não é?”.
Os alunos foram, então, convidados a compartilhar impressões sobre a música e se, em algum momento da vida, precisaram de ajuda e não procuraram.
“O objetivo deste momento consiste em estimular os adolescentes a procurar ajuda sempre que forem identificados sintomas compatíveis com a depressão”, aponta,
Eles também responderam às perguntas: O que você sente quando escuta essa música? O que diria a um amigo nessa situação?
“O ser humano tem o que nós chamamos de tendência biófila, ou seja, de realizar-se e viver por algo além dele. Mesmo em momentos infelizes, há uma chama pulsando, desejando sair daquela situação. Por isso a importância tão grande de se procurar um profissional de saúde mental quando for preciso”, completa a psicóloga.
Há tempos, Legião Urbana
Para a psicóloga, a canção remonta a uma dor intensa que pode ser comparada à de alguém que passa por um processo depressivo. “A música retrata, poeticamente, o peso e profundidade de uma dor ao falar: ‘Disseste que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes / Teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira’”, explica a psicóloga.
Para completar, o adoecimento mental de jovens e o sentimento de desesperança vivenciado por muitos pode ser discutido a partir do trecho: “E há tempos são os jovens que adoecem / E há tempos o encanto está ausente / E há ferrugem nos sorrisos / Só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção”.
“Viktor Frankl (1905-1997), um psicólogo judeu que viveu na Segunda Guerra Mundial, discorre que em todos nós há uma vontade de sentido, que deve ser satisfeita por meio de três possibilidades: amar algo ou alguém, dedicar-se a uma causa e aceitar o sofrimento que não pode ser evitado. Considero essa teoria um bom norte para buscas de sentido e preenchimento para as nossas vidas”, associa Landinho.
AmarElo, Emicida
De acordo com Landinho, essa canção pode ajudar a trabalhar tanto depressão quanto resiliência. No primeiro caso, ela destaca o trecho: “Mano, rancor é igual tumor, envenena raiz / Onde a plateia só deseja ser feliz, saca? / Com uma presença aérea, onde a última tendência é depressão com aparência de férias”.
“A ideia de o transtorno depressivo não ser ‘visível’ a olho nu, como outras doenças, é enigmático e complexo. A tristeza é o sintoma que usualmente associamos à depressão, mas que também pode se manifestar por meio da raiva e culpa”, aponta a psicóloga.
Para abordar resiliência, Landinho aponta o trecho do Belchior e utilizado na canção: “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. “Expressa o desejo de fazer diferente, de não se limitar a dores e erros passados. Destaca a capacidade de aprender com as próprias falhas”, indica.
Mais uma vez, Renato Russo
No projeto de Landinho, os alunos foram questionados sobre o que imaginam que seria resiliência, aprenderam sobre o conceito e, na sequência, escutaram a música
“Ela ajuda a destacar pontos como saber lidar com situações adversas e aprender com as circunstâncias vivenciadas”, explica Landinho.
Para completar, a professora indica perguntas disparadoras para promover o debate sobre a canção. “No trecho ‘Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã’, você acredita que a escuridão pode representar quais situações? Esta canção trata de esperança? O que você faz quando se vê com pouca esperança? Quais são os seus sonhos?”, lista a docente.
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