Em tempos de tablets, smartphones e videogames que dispensam joysticks, os jovens ainda podem ter a mesma familiaridade que seus pais tiveram com os jogos de Atari. A cultura digital, com todas as suas ferramentas, permite isso. Aplicativos para celulares simulam games desenvolvidos para Atari desde 1972, e exposições como a “Games dos Anos 70”, realizada durante a Virada Cultural deste ano, em São Paulo, possibilitam explorar o consoles que foram “febre” há mais de 40 anos.

Essa familiarização da sociedade com os games em diversos espaços tem levado a uma discussão sobre a “gamificação” da sociedade, que não significa o uso dos games em doses ainda maiores do que no século passado, mas a aplicação da dinâmica dos games em diversas áreas.

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“É mesmo muito clara essa ‘invasão’ em áreas onde antes ela antes não estava. Nas pesquisas a que tenho acesso, vejo pessoas relacionando game e teatro, game e arte e até games e fisioterapia, pois, com esses consoles que permitem usar o corpo para jogar, é realmente uma possibilidade lúdica para tratamentos”, afirma Lynn Alves, doutora em educação e comunicação pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisadora da área de games há mais de dez anos.

Divulgação

Roger Tavares, a direita, apresenta videogames dos anos 70 na Virada Cultural

Games e cultura

Além de envolvida em projetos de desenvolvimento de games que vão dos grupos de pesquisas na universidade à escola, Lynn organiza eventos, como o 7º Seminário de Jogos Eletrônicos, que vai acontecer na Bahia em junho. A pesquisadora conta que, exatamente por perceber a tendência de ampliação do interesse pelos jogos, foi criada no evento em 2007 a seção Cultura, a fim de concentrar pesquisas sobre games em áreas como antropologia, história e educação física. “Esta seção cresceu tanto que hoje fica atrás apenas da de Computação”, comenta.

Não por acaso, o seminário deste ano tem como tema “Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação”. Um dos objetivos é discutir as novas possibilidades pedagógicas e comunicacionais da cultura dos games potencializada pela cultura digital, cada vez mais estabelecida. Para Lynn, a dinâmica dos jogos que contempla a imersão, a interatividade e a interconectividade é a bola da vez, e os educadores podem tirar bastante proveito disso para os processos de aprendizagem.

Geração Atari

Diversos setores começam a olhar os videogames de outra forma

Para Roger Tavares, doutor em videogames pela PUC-SP e fundador do portal Gamecultura, a mudança significativa na forma pela qual os games são encarados se deu porque as primeiras gerações impactadas pelos videogames estão hoje na academia, formando famílias e dando aulas. “No Brasil, ainda há dificuldade para tratar do assunto game, pois muita gente olha torto, mas, sim, evoluiu, pois já temos linhas de pesquisas e financiamentos para a área.” A pesquisadora Lynn Alves concorda que houve uma evolução em relação à percepção da sociedade sobre os valores dos games, inclusive para a educação. Ela destaca que, a partir de levantamento realizado pela equipe em que trabalha, na Universidade do Estado da Bahia, entre 1994 e 2000, apenas quatro trabalhos de mestrado ou doutorado foram publicados no Brasil, enquanto entre 2000 e 2008 o número ultrapassou a primeira centena.

 

Competências “gamers”

Apesar dessa proliferação dos games em diversas áreas, Roger Tavares se coloca crítico à forma como os jogos educativos, em sua maioria, são feitos. Para ele, os jogos ainda se baseiam em disciplinas, sendo que a tendência da educação é caminhar rumo ao desenvolvimento de competências que, de forma geral, são interdisciplinares. Neste sentido, ele aponta que qualquer jogo pode ser utilizado dentro de uma proposta pedagógica desde que com a metodologia adequada.

“A educação de crianças, por exemplo, começa por meio de jogos e brincadeiras. Com o tempo, organiza-se o conhecimento em disciplinas e programas, o que retira o caráter lúdico da aprendizagem”, avalia Roger Tavares. Esse cenário, acrescenta, contribui para a exclusão dos games dos projetos educacionais. “Isso está mudando. A sociedade começa a enxergar que essa forma de educação não corresponde às reais necessidades de, por exemplo, um futuro profissional”, diz ele.

O jogo Tríade, desenvolvido pela equipe de Lynn Alves, alia diversão e conteúdo histórico

Na linha defendida por Tavares, educadores e desenvolvedores vêm trabalhando e utilizando jogos comerciais para a educação, como o The Sims. A pesquisadora Lynn Alves apenas alerta para a cautela quando se fala em “substituição” de jogos educacionais para comerciais. Ela afirma que os primeiros não estão fadados ao completo desuso. “Desde que sejam desenvolvidos com a mecânica do jogo comercial, prezando por desafios, missões e recompensas, esses jogos podem sobreviver e funcionar muito bem.” Exemplos disso são o City Rain, jogo de simulação inspirado na mecânica do próprio The Sims, que trata de planejamento com foco na sustentabilidade, e o Tríade, desenvolvido pela equipe de Lynn Aves.

Ouça podcast com Roger Tavares

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