“Eu acredito é na rapaziada”, cantou há décadas o poeta Gonzaga Jr. Mas a juventude “que não corre da raia a troco de nada” nem sempre tem apoio forte de familiares e amigos quando quer ser inovadora e dona do próprio destino. Não é todo mundo que acredita quando um indivíduo decide sair da universidade e gerar seu sustento através de uma idéia própria, às vezes sem jamais ter tido um patrão. A visão da sociedade brasileira está mudando, mas o jovem empreendedor ainda encontra falta de orientação na sala de aula e resistência dentro e fora de casa.

Tito Oliveira

O apoio dos pais é fundamental, ressalta Eduardo

Há pouco mais de 20 anos convivemos com a idéia da educação para o empreendedorismo. E a busca ainda se dá pela escola de negócios. Seria esse “quadro recente” responsável pela resistência da sociedade com os jovens? Especialistas apontam que a falta de orientação dentro da sala de aula implica a falta de qualificação do empreendedor brasileiro e, muitas vezes, na falência de grandes idéias. “O campo de atuação do empreendedorismo no Brasil, comparado aos dos nossos vizinhos, por exemplo, possui os piores índices. O empreendedorismo ainda está concentrado na área de administração e tecnologia de informação”, afirma Juliano Seabra, diretor de Educação e Pesquisa da Endeavor.

Segundo Seabra, o quadro da educação para o empreendedorismo ainda é recente e por isso o jovem empreendedor ainda encontra dificuldades. “Encontrar resistência por parte da sociedade, como um todo, é comum quando estamos diante de algo relativamente novo. Quando um jovem decide não ter patrão e montar seu próprio negócio, as pessoas ainda veem essa atitude como uma atitude de alto risco”, afirma.

Apesar dessa resistência, Seabra acredita que o quadro está mudando. “A cada dia temos mais exemplos de êxito nas atitudes empreendedoras por parte dos jovens. Isso contribui para a quebra da resistência, além de incentivar a educação empreendedora dentro da sala de aula”, afirma.

Novas realizações

E se Gonzaguinha canta que a mesma juventude não corre da raia “a troco de nada”, vale perguntar o que ela ganha ou perde ao ser tão inovadora. Quais são os critérios que o jovem leva em conta na hora de decidir ser empregado ou empreendedor? O que o leva a optar por um caminho diferente dos colegas, a correr altos riscos e não optar por um emprego seguro? Para Seabra, “os jovens estão buscando cada vez mais a realização profissional plena. E um emprego que proporcione uma estabilidade financeira já não é suficiente para atraí-los.”

Esse foi um dos motivos que levou o empreendedor Eduardo Henrique a buscar, aos 18 anos, uma incubadora da Unicamp para desenvolver o seu projeto de software para publicidade no celular. Filho de médico e professora, Eduardo fazia duas faculdades ao mesmo tempo. Ciência da computação em Campinas e publicidade em São Paulo. “Meus amigos achavam que eu era meio louco. Falavam para eu fazer algo normal”, lembra. Ele conta que encontrou dificuldades, mas que a perseverança e a experiência na incubadora foram muito importantes.

Para o pai de Eduardo Henrique, Eduardo Lins, esse espírito empreendedor do filho é inato. “Ele fugiu uma vez de casa, ainda criança. Pegou a bicicleta e foi para casa do avô sozinho, sem avisar a ninguém. Sempre quis ser auto suficiente”, relembra.

Na família de Eduardo Henrique, temos também o exemplo do avô que montou seu próprio negócio na área de materiais de construção e cresceu com a experiência da sua empresa. Mesmo com um exemplo de empreendedorismo na família, o pai, Eduardo Lins, conta que, quando o filho decidiu ser empreendedor, ficou preocupado. “No início a gente sempre fica com um pouco de receio, porque é um risco. Muitos jovens se empolgam demais com a coisa e terminam gastando mais do que deveriam, o que leva, muitas vezes, à falência do negócio e até da família”. A alternativa que ele achou foi incentivar as atitudes empreendedoras do filho e acompanhar, sempre de perto, todas as etapas do processo.

“Acho que a melhor escolha é ficar perto e incentivar. Quando começamos a ver independência financeira e o crescimento do negócio vamos ficando mais confiantes e orgulhosos. Hoje, temos a certeza que ele estava no caminho certo.” Para o filho Eduardo, é compreensível que a família aconselhe a busca por um emprego tradicional, mas o apoio não pode deixar de existir. “No início a preocupação dos pais é normal, mas é fundamental o apoio. Para que o jovem empreendedor consiga superar as dificuldades durante o processo, é importante ter incentivo.”

Tito Oliveira

A Movile oferece TV pelo celular através da tecnologia 3G

Atualmente, com 33 anos, Eduardo Henrique é sócio de uma das maiores empresas em aplicativos para celular, a Movile. Sua empresa inicial foi absorvida pelo grupo de investidores MIH, que detém também a empresa Buscapé e 30% da Editora Abril, entre outros negócios. “Hoje desenvolvo a prática e o conhecimento adquirido nas duas faculdades, publicidade e tecnologia, além da educação empreendedora da incubadora”. Ele está desenvolvendo um produto para as classes C e D. No momento, esse produto está em fase de teste e o nome do aplicativo não pode ser revelado. Ao perguntar se haveria possibilidade de transmitir essa entrevista para vários celulares naquele momento , ele me responde. “Com esse novo aplicativo, isso será possível”.

“Na Movile precisamos parar as nossas ideias para conseguirmos cuidar do desenvolvimento delas. Se uma empresa dependesse só de ideias, a cada cinco minutos temos uma boa.” Ele analisa que é necessário um tempo de dedicação para a ideia dar certo. Eduardo Henrique conta que a Movile busca investir no intraempreendedorismo. “Temos um departamento que cuida só de inovação. Sempre temos reuniões para discutir novas idéias e novas formas de gestão”, declara. Uma das ações da Movile foi a votação do Reality Show, Big Brother, onde a pessoa enviava um sms dizendo quem era o escolhido para sair do programa. Além disso, a empresa oferece serviços através do site ultramob. Nesse portal, o internauta encontra uma oferta completa de jogos, músicas e vídeos para baixar através do celular.

“Acreditem na rapaziada!”

Para Juliano Seabra, da Endeavor, é preciso acreditar no jovem empreendedor, pois é na juventude que o momento é mais propício. “A grande maioria dos jovens ainda não tem compromissos financeiros familiares e eles podem se arriscar com maior facilidade em uma idéia empreendedora. Diferente de quem já tem compromisso com despesas de filhos, esposa etc…”, afirma. Segundo ele, o desenvolvimento do ensino empreendedor tem que crescer no Brasil e, para isso, há dois caminhos possíveis. “Seja pela necessidade da universidade de formar o jovem para um mercado de trabalho empreendedor ou pela necessidade dos jovens em buscar uma formação empreendedora, que a universidade não ofereceu”, declara.

Miguel Perosa, psicoterapeuta e professor de Psicologia da Adolescência da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, credita essa atitude empreendedora dos jovens às mudanças ocorridas no mercado de trabalho brasileiro. “De vinte anos para cá, as horas extras foram abolidas em função do sistema de metas, se investiu mais na aculturação do funcionário à filosofia da empresa e diminuiu-se muito o salário. Isso fez com que o jovem, que aspira a uma determinada faixa de consumo, percebesse que demoraria muito tempo para conseguir ascender a ela, se fizesse esse caminho”.

Tito Oliveira

O portal da Movile oferece jogos, músicas e vídeos para baixar através do celular

Paralelo a isso, Perosa afirma que as empresas de tecnologia se tornaram grande alvo para jovens empreendedores pelo baixo custo na hora de investir. “As pessoas necessitam de muito pouco para fundar uma empresa de tecnologia. Com um bom computador e uma boa cabeça, o jovem pode tornar-se um empreendedor”, afirma. Para ele, as notícias de muitos jovens empreendedores que, em pouco tempo, ficaram milionários também estão servindo como estímulo para o jovem se aventurar numa empresa pessoal ou feita junto com colegas de faculdade.

Para Perosa, é normal que os pais fiquem preocupados, pois vieram de outra geração, para a qual existia estabilidade no emprego e bom salário. “Eles querem algo que dê segurança para os filhos. É normal que haja um receio de que a iniciativa do filho fracasse.” No entanto, o psicólogo afirma que filhos bem criados são formados para a autonomia, para dar conta da realidade em que vivem, do tempo em que estão inseridos.

“Os pais precisam aceitar o papel de retaguarda e incentivar, pois decidir pelo negócio próprio exige que o jovem aceite sair da segurança e aceitar um mundo cada vez mais incerto, exige uma educação. Então os pais não devem dizer ‘esse mundo está louco’, mas procurar entender o movimento do mundo, sua dinâmica política, econômica, social, cultural etc. Exige portanto, que o jovem tenha em casa e na escola o incentivo ao desenvolvimento de um espírito crítico, baseado em fatos e não em dogmas. Esse é o papel da educação dentro da sala de aula e dentro de casa na formação de jovens independentes”, aconselha o psicólogo.

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