Manoel de Barros (1916-2014) foi um poeta mato-grossense que buscava revelar a beleza do cotidiano. “Ele mostrava que a vida é poesia e que as ‘pequenices’ do dia a dia são fonte de inspiração”, resume a mestra em educação e professora da rede municipal de Petrópolis (RJ) Ana Paula Echternacht Fernandes.
“Ele transforma o simples e o corriqueiro em matéria de encantamento, por meio do que chamava de ‘linguagem de criança’, uma forma inventiva de olhar o mundo”, acrescenta o doutor em educação e professor de filosofia Felinto Gadêlha Segundo.
De acordo com Fernandes, a obra de Manoel de Barros pode ajudar os estudantes do ensino fundamental a perceber a poesia nas coisas simples do cotidiano, incentivando uma escrita espontânea. “A poesia vai se tornando familiar, e isso mostra que eles são capazes de escrever”.
“Outro benefício é que sua obra foge do estereótipo de que a poesia precisa ter rima, versos e estrofes contados. Isso é libertador e desmistifica a necessidade de literalidade e coerência excessiva. Em tempos de inteligência artificial, isso valoriza a inspiração e a essência em detrimento da perfeição”, destaca.
Doutor em literatura comparada e professor de língua portuguesa do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), André Luís Mourão de Uzêda afirma que a obra de Barros também pode ajudar na alfabetização. “A sonoridade, a construção rítmica e o brincar com as palavras vão letrando a criança”.
Principais características
Os professores destacam algumas características marcantes na obra de Manoel de Barros:
- Fantasia
Uzêda explica que Barros pode ser situado no modernismo tardio. “Ele contraria a noção de realismo e de representação de realidade por meio de uma liberdade criadora, com jogos de palavras e inventividade”. - Relação com a natureza.
Nascido no Pantanal, Barros fez dos animais da região tema presente em sua obra. “Não é o Pantanal ‘real’, mas o criado por imagens poéticas, como a garça que ‘abraça’ o amanhecer”, exemplifica Uzêda. - Novo olhar para além da realidade
“Ele dizia: ‘O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo’, o que é um exercício ligado ao universo da criança”, descreve Uzêda. - Objetos cotidianos
Segundo lembra que o poeta resgatava o valor das coisas que, para o olhar comum, “já não prestavam”, elevando-as à condição de poesia. “O pente que não era mais pente, era folha desdentada”, exemplifica Uzêda. “Assim, também nos faz refletir sobre o senso de estética, pois tudo pode ser bonito e servível caso façamos o exercício de ‘transver’”, opina Fernandes. - Infância
“Para Manoel de Barros, ‘o que ele foi é o que ele ainda é’. Então, não há funcionalidade em dividir a vida em antes e depois da infância, ou infância versus agora”, explica Fernandes. “Seus poemas são como memórias inventadas”, aponta Uzêda. - Neologismos
Manoel de barros criava ‘paradoxos semânticos’. “Ou seja, relações de imagens poéticas inusitadas que fazem referência ao mundo concreto. Por exemplo, ‘o prego que farfalha’”, exemplifica Uzêda. - Sinestesia
Uzêda explica que Barros criava imagens que pareciam absurdas a partir de sensações diferentes. “Por exemplo, ‘parafuso de veludo’”. - Metalinguagem
“Aborda constantemente como o poeta busca fazer poesia”, explica Uzêda.
Poemas para apresentar
Fernandes sugere iniciar a apresentação do autor pela exibição do documentário “Só dez por cento é mentira”. Na sequência, alguns poemas ajudam a exemplificar diferentes características da obra dele.
- “O Fotógrafo”, de “Ensaios fotográficos”
O poema fala sobre fotografar coisas invisíveis, o nada. “O poeta captura o olhar sensível da poesia sobre aquilo que é além do real”, aponta Uzêda. - “Bernardo é quase uma árvore”, de “O fazedor de amanhecer”
O icônico personagem Bernardo foi um trabalhador de fazenda que Barros conheceu quando menino. “Bernardo possui uma relação com a natureza, e o poeta passou a associá-lo a ela”, afirma Uzêda, que recomenda a versão de “O fazedor de amanhecer” ilustrada pelo cartunista Ziraldo. - “Os dois”, de “Poemas rupestres”
Ajuda a apresentar a noção de eu lírico. “Barros diz que o poeta convive com dois seres: o filho de João e Alice, de carne e osso e biografável, e outro inscrito na poesia”. Assim, sua obra é excelente para apresentar noções de poesia antes de trabalhar outros poetas”, indica Uzêda. - “Poema Nove”, de “Sabiá com trevas”.
Ajuda a discutir a ‘inutilidade’ do poema e a importância do ócio criativo. “Vivemos tempos em que tudo precisa estar a serviço de algo para prestar. Já Barros chamava o local onde escrevia na sua casa de ‘lugar de ser inútil’. Ou seja, reivindicava outra forma de relacionar com o mundo”, diz Uzêda.
Atividades lúdicas
Atividades ligadas ao lúdico ajudam a apresentar Manoel de Barros ao longo do ensino fundamental.
- Propostas de ‘transver’
Atividade similar a tentar enxergar formas em nuvens, como flores, borboletas e animais. Fernandes relata projeto sobre Manoel de Barros desenvolvido na Escola Paroquial do Loteamento Samambaia, em Petrópolis (RJ), quando era diretora, em que os alunos foram incentivados a ‘transverem’ os buracos e as manchas encontradas no pátio da escola, criando uma poesia a partir da imagem que identificavam. - Novas funções para objetos
Fernandes relata projeto com a obra de Manoel de Barros em que a professora levou objetos diversos e pediu para que os alunos os transformassem em brinquedos. “Na sequência, eles se inseriam em uma história com esses objetos fantasiados”. - Brincando com os neologismos.
Assim como o poeta utilizou bastante os prefixos ‘des’ e ‘trans’, Fernandes indica atividade para trabalhar derivação de palavras. - Glossário poético
Atividade indicada por Uzêde similar ao Glossário de transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) ou menos, de Manoel de Barros. Nele, os termos são aplicados a partir de textos poético. Poeta, por exemplo, é o ‘indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu’.
Interdisciplinaridade
Além das aulas de língua portuguesa e literatura, a obra de Manoel de Barros pode ser utilizada junto a outras disciplinas:
- Geografia
Uzêda desenvolveu um trabalho em parceira com a disciplina de geografia a partir da figura do trabalhador rural Bernardo. “Eu trabalhei o sujeito poético; o docente de geografia, o sujeito carnal. Os alunos identificaram o meio de produção onde Bernardo se situava e estudaram o trabalho do campo e a perspectiva agrária”, compartilha. - Educação ambiental
Uzêda recomenda associar a obra de Manoel de Barros à educação ambiental ou ao conteúdo de ecologia, em biologia. “Pode-se trabalhar a exuberância da natureza, nossa integração a ela e a necessidade de ela ser respeitada”, aponta Uzêda. - Educação física
Doutor em educação e professor de educação física da rede municipal de Porto Alegre (RS), Claudio Marques Mandarino se inspirou no livro “Menino do Mato”, de Manoel de Barros, para trazer poesia para dentro de suas aulas. “Eu criava um poema a partir do que os alunos faziam em suas atividades corporais e entregava na aula seguinte”, relata. “Ler o poeta deixou mina escuta mais atenta ao que os alunos falavam. Passei a registrar os neologismos que criavam naturalmente para usar no poema semanal”, conta. Ele também solicitava que os estudantes registrassem sua experiência em poema ou em desenho para, na sequência, criarem um poema a partir da imagem desenhada”. - Filosofia
Os alunos podem refletir sobre o valor do cotidiano, a relação entre o homem e a natureza, entre outros. “Por meio de aulas dialógicas, é possível despertar nos alunos a reflexão estética e existencial, conduzindo-os a pensar criticamente sobre o mundo, sobre si mesmos e sobre as formas de expressão humana”, afirma Felinto Gadêlha. “A reflexões de Manoel de Barros aproximam-se do pensamento filosófico e dialogam, em certa medida, com a tradição hermenêutica e fenomenológica de filósofos como o alemão Martin Heidegger, para quem o ato de ver e nomear o mundo é também uma forma de habitar poeticamente a existência”, conclui o professor de filosofia.
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Crédito da imagem: Gerald Corsi – Getty Images