A produção de comentários em redes sociais pode ajudar o estudante a desenvolver a escrita argumentativa. Mestra profissional em letras e professora da rede municipal de Serra (ES), Ângela Almeida Nascimento Entringer observou que seus alunos eram ativos nessas plataformas digitais, mas tinham dificuldade em argumentar, organizar ideias e defender pontos de vista com consistência.
“Ao ensinar a produzir textos argumentativos em contextos digitais, procurei incentivá-los a refletir criticamente sobre assuntos de interesse público, a participar de discussões, a se posicionar de forma embasada e a lidar com posicionamentos divergentes com respeito”, relata.
“Eles já produzem textos. Assim, podemos aproveitar essa prática textual cotidiana para discutir como se apresentar por meio da escrita”, acrescenta o mestre profissional em letras e professor do município de Petrópolis (RJ) Bruno Luís Oliveira Bastos.
A atividade também é uma forma de letramento digital, como aponta Entringer.
“O letramento digital acontece quando os alunos não apenas acessam a tecnologia, mas dominam sua linguagem e possibilidades de produção de sentido, deixando de ser consumidores para se tornarem produtores de conteúdo, capazes de opinar, argumentar e dialogar no espaço digital”, opina.
“Eles entendem que a escrita nas redes sociais promove o indivíduo à condição de autor e, consequentemente, exige domínio dessa escrita”, completa Bastos.
Também deve ser pontuado que a escrita argumentativa em redes sociais tem particularidades.
“Por serem ambientes informais, nem sempre há a preocupação com aspectos estruturais e argumentativos de forma organizada. A possibilidade de resposta imediata – comentários, réplicas e tréplicas – pode fazer o texto adquirir um caráter de ‘debate acalorado’, no qual fluidez e informalidade influenciam na forma de argumentar”, destaca Entringer.
“Mas, se bem orientados, os alunos se apropriavam das estratégias necessárias para se expressar com clareza sem perder a espontaneidade natural das redes”, avalia.
Como fazer?
Em sua dissertação “Ensino e prática da argumentação em comentário on-line: uma proposta para as séries finais do ensino fundamental II”, Entringer relata uma sequência didática que iniciou com a criação de um blog, no qual foi publicado um texto sobre um assunto polêmico. “Os alunos escreveram comentários iniciais para eu diagnosticar o nível de argumentação que possuíam”, afirma.
Em seguida, a professora propôs a leitura de textos de opinião. “Eles identificaram estratégias argumentativas: a tese do autor, argumentos válidos, falácias e aspectos da língua, como conectores e estrutura textual.”
“Também apresentei a noção de texto argumentativo, mostrando que, além de opinar, argumentar significava tentar persuadir alguém sobre um ponto de vista. Isso exige uma posição clara, uma ideia principal e estratégias para defendê-la”, conta Entringer.
“A construção de uma tese e o uso de bons argumentos – como causas, consequências, provas, exemplos, autoridades etc. – são fundamentais para dar força e coerência ao texto”, acrescenta.
Na sequência, vieram atividades: a professora simulou debates orais sobre temas do universo juvenil para que os estudantes praticassem a defesa de opiniões antes de escrever. Utilizou pequenos trechos de notícias para eles comentarem e propôs a análise de comentários reais em sites de notícias e redes sociais.
“Apresentava exemplos de comentários positivos e negativos, para que os alunos refletissem sobre o efeito que cada texto poderia causar no interlocutor. Ressaltava que, mesmo em ambiente informal, era possível e desejável manter a clareza e a coesão argumentativa, evitando xingamentos e ataques pessoais”, lembra.
Por fim, eles produziram novos comentários no blog, nos quais demonstraram maior domínio de argumentos e melhor organização das ideias. “Os alunos também podem revezar papéis para escrever comentários iniciais e respostas, exercitando, assim, a argumentação em cadeia”, aconselha.
Bastos criou um produto pedagógico em sua dissertação “Das ‘cartas do leitor’ aos ‘comentários críticos do Instagram’ como prática para a ampliação da competência argumentativa de discentes de 7º ano do ensino fundamental”.
Depois de trabalhar carta do leitor, ele comparou esse gênero aos comentários críticos do Instagram.
Ele propôs a produção de comentários a partir da leitura de um post de uma revista no Instagram. Depois, o professor apresentou os comentários de outros leitores para os alunos responderem.
“É importante levantar discussões acerca do tom da escrita, como nível de formalidade, vocabulário, coerência. E que os alunos entendam que, para se posicionar de maneira menos agressiva, é necessário adquirir uma bagagem de repertório cultural e linguístico”, diz o professor.
Itens para avaliar
Após a produção de comentários em redes sociais, Entringer sugere avaliar se o aluno expôs claramente seu pensamento; se os argumentos tiveram encadeamento lógico (coerência e coesão); como se deu o uso de elementos linguísticos; a qualidade dos argumentos e se houve uso de preconceitos, ofensas e mentiras.
“Lembrando que todos esses elementos juntos são necessários para se estruturar uma boa argumentação; no entanto, não se atingem todos ao mesmo tempo; é necessário tempo, organização e paciência”, orienta Bastos
Apesar de terem focado no Instagram, os professores recomendam as atividades para outras redes sociais utilizadas por adolescentes, como o TikTok.
“No Instagram, há maior ênfase em legendas e comentários logo abaixo da postagem. No TikTok, os comentários aparecem em vídeos curtos, podendo ser escritos ou falados, em formato de vídeo de resposta”, diferencia Entringer.
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Crédito da imagem: We Are – Getty Images