Os baixos salários e a falta de reajustes fazem com que muitos professores da rede pública precisem se dedicar a atividades diferentes do magistério para complementar renda. É o caso da pedagoga e coordenadora da rede estadual do Espírito Santo Andreia Almeida Santos, que passou a investir em semijoias e a fazer bolos por encomenda após realizar um curso online durante a pandemia. Três anos atrás, após se tornar mãe de uma menina, ela decidiu se dedicar à criação de uma loja online de roupas infantis.
“A gente escolhe o magistério por amor e vocação, mas se depara com a realidade de não conseguir uma remuneração suficiente. Se houvesse valorização, acredito que não estaria me dedicando à loja, e sim me aperfeiçoando na minha profissão, com um mestrado ou um doutorado”, compartilha.
Para dar conta da rotina, Santos cuida da filha pela manhã, trabalha no magistério nos turnos seguintes e, no início da madrugada e nos fins de semana, realiza as atividades da loja, como divulgação dos produtos nas redes sociais e postagens.
“O salário de professor é apenas para subsistência. Para qualquer planejamento futuro, como adquirir uma casa própria e fazer uma poupança, é preciso buscar complementação. Contra isso, a saída seria melhorar o salário docente e garantir um plano de carreira”, defende.
Ela também aponta a relação entre desvalorização da carreira docente com a percepção social da profissão. “Acredito que a falta de valorização financeira é reflexo da desvalorização do professor na sociedade. É desesperançoso, porque ganhamos pouco, pagamos 27% de imposto de renda e o que sobra torna impossível viver com qualidade”, lamenta.
Sem enxergar melhorias nas políticas públicas de educação, Santos vê na loja online uma alternativa para alcançar estabilidade financeira. “Meu objetivo é que a loja dê certo, para que eu possa me dedicar a dois turnos nela e, à noite, seguir com a minha carreira no magistério”, projeta.
Má distribuição de aulas
A professora de educação física e atual secretária escolar na rede estadual de Pernambuco Ana Cláudia Palhares de Lima aponta a má distribuição de aulas no currículo como um dos fatores que levam os professores a buscar complemento de renda. Há três anos, ela passou a produzir brigadeiros gourmet para vender.
“No caso da educação física, temos apenas uma aula por sala no ensino médio. Dar 26 aulas semanais significa ter 26 turmas, cada uma com 40 alunos ou mais, em diferentes séries e etapas, do ensino fundamental à Educação de Jovens e Adultos (EJA). São também 26 diários e 26 planejamentos. Tudo isso é muito desgastante, motivo pelo qual optei por migrar para a secretaria”, revela.
A produção dos brigadeiros acontece à noite e nos fins de semana. “Trabalho das 7h30 às 18h40 na escola. Depois, preciso cuidar da casa, comprar material, cozinhar os brigadeiros, enrolar, lavar os utensílios e entregar.”
Segundo Lima, a necessidade de complementar a renda foi determinante para o início do negócio paralelo. “Se eu não precisasse complementar minha renda na educação, não teria começado a fazer brigadeiros”, explica.
Para ela, a dupla jornada resulta em exaustão. “Tenho 35 anos e agora seria o momento de me exercitar e cuidar da minha saúde. Mas, diante da necessidade de renda, isso fica em segundo plano.”
Falta de perspectiva
A professora de química e ciências das redes estadual e municipal de Caruaru (PE) Willy Carmem da Silva tornou-se revendedora de uma marca de cosméticos há seis anos.
“Dedico meus sábados e domingos às entregas de produtos. Na hora do meu almoço, faço publicações nas redes sociais e organizo as vendas”, relata.
Por atuar como professora substituta, Silva teme abrir mão da atividade paralela.
“Nem ir ao médico ou faltar doente eu faço, porque tenho medo de não renovarem meu contrato no ano seguinte. Outro ponto desgastante da carreira de substituto é que não lecionamos apenas em nossa área de atuação, mas também disciplinas como língua portuguesa, história e geografia. Isso exige mais tempo para estudar e preparar aulas”, contextualiza.
“Por outro lado, é impossível viver apenas com o dinheiro da revenda, cuja lucratividade funciona apenas como complemento”, afirma.
Segundo Silva, a consequência das duas ocupações é o desgaste físico, mental e emocional. “O resultado é muito cansaço. Eu preferiria estar trabalhando em apenas uma coisa”, finaliza.
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Crédito da imagem: FG Trade – Getty Images