Atrasado para o trabalho, após enfrentar o trânsito, o pai deixa o filho na porta da escola. Despede-se com um beijo e segue para a rotina atribulada. À noite, ao reencontrar o garoto, questiona se a tarefa de casa está feita. Se a resposta for afirmativa, o diálogo sobre a escola se encerra ali. No dia seguinte, tudo se repete. A cada dois meses, esse pai tem uma ida mais longa à escola, para a reunião com todos os outros responsáveis. Mas com uma ressalva: o horário tem de ser conveniente. Caso contrário, ele não comparece. Os compromissos profissionais são muitos. Dali a algum tempo, chega o boletim do filho. Notas baixas, se existirem, exigem mais uma ida à escola. O que houve? O que pode ser feito para melhorar o rendimento? Perguntas respondidas, o pai retoma a sua agenda. Outro encontro com o professor ou com o diretor pedagógico não está previsto para tão cedo.

 

Fernando Dias

Professor e estudante participam da “Noite
da lua”, em colégio paranaese

 

Basta ir à porta da maioria dos colégios, numa manhã qualquer, e dezenas de pais que mantêm esse relacionamento um tanto impessoal com o lugar onde os seus filhos estudam podem ser encontrados. A realidade é que, com a vida cheia de compromissos, a presença dos pais na escola e, o mais importante, a participação dos mesmos nas discussões sobre temas relevantes no processo de educação dos seus filhos, costuma ficar num patamar abaixo do desejável pelos que defendem uma “gestão integrada” na educação. As escolas também têm uma parcela de culpa. São poucas as que se preocupam em desenvolver projetos visando essa aproximação. A solução para reverter esse quadro? Os casos abaixo mostram algumas e, em comum, apresentam a tecnologia como parte importante desse processo de integração casa/escola.

 

A pedagoga Maria Teresa Meirelles Leite tem o perfil oposto ao do pai citado no começo da reportagem. Ela, assim como boa parte dos responsáveis pelos alunos do colégio São Domingos, localizado no bairro de Perdizes, em São Paulo, tem uma relação bastante próxima com a escola. Integra o Conselho de Pais, acompanha com atenção as principais atividades listadas para os seus dois filhos e faz sugestões à diretoria. Neste mês de setembro, Maria Teresa ministrará uma oficina sobre Moodle (Modular Object Oriented Distance Learning) para cerca de 30 professores do colégio.

 

Funcionária de uma universidade, ela está acostumada a ambientar professores nesse sistema de gerenciamento, o qual permite a criação de um espaço online onde podem ser realizados fóruns, questionários, cursos e onde ainda podem ser publicados todos aqueles textos, vídeos e links que o moderador considerar interessantes. “A política que adotamos aqui acolhe os saberes que o pai possui. Aquilo que podemos utilizar das competências deles discutimos com a comunidade e vemos qual a melhor forma de trazermos à escola”, diz o diretor da instituição, o educador Silvio Barini Pinto.

 

Maíra Soares

Maria Teresa Meirelles, que dará aulas de Moodle no São Domingos,
onde seus filhos estudam, e o diretor da escola Sílvio Barini

 

Se você imagina que a São Domingos é uma escola super “high tech”, com mil recursos tecnológicos e, só por isso, um curso de Moodle pode ser inserido na programação, enganou-se. Maria Teresa conta que levou a ideia da oficina para uma das reuniões que participou no colégio por saber que ali essa abertura existe. Vários outros pais já estiveram à frente de iniciativas semelhantes. Aulas de fotografia, oficinas de comunicação, aulas sobre o meio ambiente. Foram vários os temas abordados por eles diante dos filhos e/ou funcionários.

 

Para informar a todos sobre os eventos programados, nada de comunicado em papel. Tudo está no site do colégio, em um ambiente que pode ser acessado com login e senha. Lá, os pais também podem ter acesso a projetos especiais que os alunos estão desenvolvendo na escola. Assim, fica mais fácil saber o andamento das atividades sem que seja preciso estar na escola diariamente. Maria Teresa admite: “Não acesso [o site] todos os dias. Quando os meus filhos começaram a estudar, essa cultura de internet não era tão forte, então vou absorvendo aos poucos, mas realmente ajuda e aproxima”, diz ela.

 

Alerta para tecnologia que permite o “zoom”
A consultora em Tecnologia Responsável e também pedagoga Danielle Lourenço faz uma ressalva a essa nova realidade: “A tecnologia, sem a menor dúvida, é uma aliada da escola para vários quesitos, mas não pode ser vista, jamais, como uma forma de substituir as relações presenciais. Reuniões e conversas olho no olho têm que continuar existindo”. Ela não critica a praticidade de se publicar determinados conteúdos em um ambiente virtual onde os pais têm acesso, entretanto levanta duas questões que merecem atenção em relação a essa prática.

 

 

A primeira delas diz respeito ao tipo de conteúdo que é postado. “Conheço escolas que filmam toda a aula e disponibilizam no seu site. Agora imagine uma mãe estressada vendo um coleguinha do seu filho o empurrando? Isso já poderá causar problemas na sua relação com o professor quando, na verdade, sabemos que um episódio assim pode ser resolvido na própria sala de aula”. O segundo ponto levantado por Danielle é a interferência que essas publicações podem causar na oralidade da criança. “Se os pais, online, têm acesso a tudo, a conversa com o filho sobre o dia a dia escolar perde a espontaneidade. Em vez perguntar ‘o que você fez hoje’?, o pai vai dizer ‘vi que hoje você fez tal coisa. Foi legal?’. E aí a criança já não se entusiasma da mesma forma e pode até se retrair na escola”, afirma a pedagoga.

 

Tanto no colégio São Domingos, em São Paulo, como no Colégio Positivo Jardim Ambiental, em Curitiba, os conteúdos online têm a proposta de facilitar a participação dos pais, e não mergulhá-los na sala de aula. Coordenadora do Ensino Fundamental I do Jardim Ambiental, Rosângela Andreoli diz que agendas, boletins e projetos podem ser encontrados online. Conta que também é prática do colégio enviar por e-mail para os pais parte do projeto “Ser humano, ser feliz”, que consiste numa reflexão que deve ser feita em casa, com o aluno e a sua família, sobre um determinado tema sugerido pela escola. Os alunos entregam o resultado da reflexão escrita aos professores e continuam a discutir o tema em sala.

 

Mesmo com a troca de informações com os pais via web, o Jardim Ambiental também tem projetos para estimular a presença deles na escola. No final de agosto, por exemplo, o colégio promoveu a “Noite da Lua”, evento com cerca de duas horas de duração que funcionou como uma aula prática de astronomia. Os pais foram recebidos com os seus filhos para observarem a lua em telescópios. Em seguida, assistiram a um lúdico desenho da dupla “Wallace e Gromit”. O episódio, que mostra os personagens enxergando a lua como um grande pedaço de queijo devido aos “buraquinhos” que podem ser vistos da terra em sua superfície, foi o caminho para os professores assuntarem sobre as crateras da lua. Na sequência, eles trocaram informações sobre a ida do homem à lua. Os pais e alunos receberam, ao final das atividades, CDs com todas as explicações que tiveram ao logo do evento.

 

“Quando os pais participam de atividades na escola, eles estão mostrando para os filhos que a valorizam, e isso serve como exemplo para aqueles alunos, pois sabemos que o posicionamento do pai tem forte influência sobre o do filho”, observa Rosângela Andreoli.

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