Mal subiu ao palco de um centro cultural paulistano para um workshop de arte interativaque conduziria, e o artista multimídia Fernando Velázquez deixou claro para o público ali presente a linha de ensino e aprendizagem que defende. Após seu “boa tarde” com sotaque uruguaio, observou: “Esta sala não está no formato ideal, pois o espaço não favorece uma discussão horizontal. Eu estou aqui na frente e vocês aí sentados, e isso nos passa a ideia de que estamos distantes quando na verdade o que quero aqui é promover uma troca.”

Pesquisador do programa de doutorado em Comunicação e Semiótica da PUC/SP, Velázquez é professor de pós-graduação e faz parte do grupo que reconhece que o papel de quem conduz as salas de aula deve ser mais próximo ao de um orientador do que ao de um “oráculo”. Embora esta seja uma linha comum entre professores imersos na cultura digital -como é caso de Velázquez, que se debruça sobre o tema da interatividade mediada pelas tecnologias desde 2003-, não é um pensamento exclusivo dos tempos atuais. O educador Paulo Freire já escrevera, nos anos 70, que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

O que há de novo nesse discurso, sim, é a forma como as diversas áreas do conhecimento se relacionam na cultura digital e a liberdade que ganham pela possibilidade de realizar conexões em um mundo interconectado. Abaixo você confere o que Velázquez, um artista que pesquisa para também criar obras em tempo real, pensa sobre as relações entre educação, artes, ciência e tecnologia.

Instituto Claro – Em várias de suas obras e instalações, como as da série Mindscapeque fazem referências a atividades cerebrais, vemos que foi preciso uma pesquisa intensa em outras áreas. Você trabalha com equipes multidisciplinares?

Fernando Velazquez – Estou sempre em conexão com outras pessoas da minha área e de áreas distintas. Hoje precisamos saber de muitas coisas, e as tecnologias nos ajudam nisso, mas não há como saber tudo de forma aprofundada, o que não significa que não sabemos de nada. Se eu tenho um tema de interesse, vou a fundo, de forma ampla. A partir dele, trabalho com a interdisciplinaridade.

Instituto Claro via @DanielaName – No seu trabalho, a interatividade pode ser uma ferramenta para integrar arte e educação? (confira vídeo abaixo)

 

https://youtu.be/lVa8CFJNVyI

 

Instituto Claro – Você diz que todo o conhecimento precisa de um novo paradigma. Como isso se aplica às artes digitais?

Velázquez – Quando você está em uma exposição, não pode se relacionar com um vídeo como com um quadro, mas no geral a arte em formato audiovisual e interativa ainda faz parte da vanguarda, e é uma parcela muito, muito pequena da sociedade que pensa em vídeo quando se fala em arte. Para interpretar o interativo, precisa-se de um conhecimento do entorno. Conhecimento de mundo.

Instituto Claro – Você acredita que o fato de vivermos hoje em uma sociedade mais digital, onde as pessoas têm acesso a aplicativos que permitem interação em seus telefones, ajuda no entendimento dessa produção de vanguarda nas artes digitais?

Velázquez – Sim. O simples fato de você poder baixar um aplicativo para deixar suas fotos mais coloridas, dar um efeito, faz com que você vivencie mais a fotografia, por exemplo. Se você entra em uma comunidade para publicar aquelas fotos, você também pode discutir fotografia e aprender sobre o assunto, sobre aquela arte. O tema fotografia se torna mais palpável. Se você vai a uma exposição, já está mais familiarizado.

Mauro Panini

Velázquez destaca que o conhecimento, na sociedade digital, não está “engavetado”, mas sim interconectado

Instituto Claro – Uma de suas instalações interativas, a Your Life, OurMovie, de 2008, já contemplava a falta de filtros, o que exige um novo paradigma, uma vez que ainda se discute muito se, seja para a educação ou para o entretenimento, deve-se “filtrar” o que está disponível na web. Ela foi bem recebida?

Velázquez – Esta é uma instalação que utiliza a base de dados do Flickr para fazer um vídeo. É uma base proprietária, mas que o Flickr abre para que as pessoas usem parte dela. E a ideia é usar a realidade para fazer um filme real. Não faz sentido filtrar, porque o mundo hoje é em tempo real e você vai interagindo a todo momento. Eu já apresentei essa iniciativa em vários eventos, como a Bienal do Mercosul, e não faço concessões sobre isso. A busca é real, e o vídeo reflete isso.

Instituto Claro – As gerações mais jovens, na sua opinião, entendem mais essa liberdade, esse tempo real?

Velázquez – A verdade é que a tecnologia está criando um imaginário novo, e hoje temos um cenário superinteressante. As pessoas que querem criar, criam, porque podem descobrir recursos tecnológicos sozinhas, aprendem a programar. Isso vemos em maior parte no pessoal mais jovem. Mas, nesse cenário, vemos que vai diminuindo o preconceito em geral. O artista não é aquele com uma aura, que carrega o glamour. O artista hoje é um pesquisador. E todos podem ser. Eu posso investir em um jovem que faz algo interessante, que eu identifico como arte. Mas, claro, para evoluir, aquele jovem que estava apenas experimentando vai precisar estudar.

Instituto Claro – A partir da interdisciplinaridade que você defende, como fazer com que esse cenário, tão presente nas artes digitais, possa influenciar áreas mais conservadoras do conhecimento?

Velázquez – Pode influenciar no método de pensar do cientista, por exemplo, mostrando para ele que nem tudo tem de estar ligado à utilidade. O conhecimento hoje não está em gavetas, tudo está interconectado. Em 2008 e 2009, participei do projeto “European Mobile Lab for Interactive Media Artists”, que tinha exatamente a cooperação internacional entre artistas e cientistas como proposta para a criação e a investigação de mídia interativa.

Leia mais:

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Professores interpretam exposição com auxílio de celulares, que se fazem presentes no dia a dia das salas de aula

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