As crianças com deficiência devem frequentar o ensino regular ou o especial? A legislação do País e uma série de pesquisadores defendem a primeira opção, que possibilita aos jovens conviverem desde cedo com as diferenças. Mas há também os que argumentam a favor do ingresso no ensino especial, por considerar que os alunos podem se desenvolver mais rapidamente.

O artigo 208 da Constituição determina que é dever do Estado garantir tanto o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino” quanto “o acesso aos níveis mais elevados de ensino, pesquisa e criação artística segundo a capacidade de cada um”.

Segundo a professora assistente da Faculdade de Educação da Unicamp, Maria Teresa Eglér Mantoan,a escola especial pode funcionar como um complemento do ensino regular, mas a criança não deve ter sua matrícula atrelada exclusivamente a esse tipo de instituição. “Educação se faz em um colégio para todos, indiscriminadamente. Nenhum aluno pode ser considerado inclusivo, pois todos têm o direito comum de estar na escola”, afirma Mantoan .

A especialista ainda acrescenta que o ensino especial deve ser oferecido, preferencialmente, na própria escola, onde se dá a formação do jovem e onde os professores têm a possibilidade de fazer um plano conjunto de ações para cada criança. “Não se pode excluir, educar em um local à parte. O papel da educação não é ensinar a ler e escrever por si só, mas fazer disso um meio para que a pessoa possa viver melhor, preparado para exercer a cidadania e para avançar na conquista do que deseja ser”, argumenta.

Já Fernando César Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), defende os resultados de uma pesquisa por ele desenvolvida junto a 9200 crianças. O estudo aponta que pessoas com algum tipo de deficiência auditiva aprendem melhor em escolas comuns sob inclusão, ao passo que os 100% surdos se desenvolvem mais em escolas bilíngues em meio a colegas com o mesmo problema e com professores fluentes em Libras (Língua Brasileira de Sinais).

“A pesquisa revelou que educar na língua materna (no caso, Libras) é essencial, porque é usada para aquisição da segunda língua (o Português). E na escola bilíngue, o ensino/aprendizagem se dá numa comunidade escolar e linguística, que constitui um caldo de cultura para o desenvolvimento da personalidade”, explica ele ao defender o colégio especial para surdos.

Entretanto, o especialista da USP afirma não ser contrário à inclusão escolar de crianças com  distúrbios de comunicação e linguagem. O que ele defende é uma ambientação que realmente funcione. “Apenas acreditamos que, para serem incluídas de verdade de modo a absorver o conteúdo escolar, essas crianças têm de, antes de tudo, aprender a ler e escrever de modo competente”, acrescenta.

Para Maria Glicélia Alves, pedagoga da Fundação Dorina Nowill, especializada no atendimento a deficientes visuais, a educação inclusiva constitui um paradigma fundamentado nos direitos humanos, que conjugam igualdade e diferença como valores indissociáveis. “Ela avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola, assumindo um espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da educação na superação da lógica da exclusão”, diz.

Crescimento da inclusão
Maria Teresa Mantoan considera que o país conta com uma boa legislação e uma política satisfatória em relação à inclusão e à formação de professores. Segundo o censo escolar MEC/INEP, de 1998, 51% dos docentes que atuam na educação especial possuíam Ensino Médio, e 45,7%, superior. Em 2006, os números foram para 24% e 75,2% respectivamente. Nesse mesmo ano, 77,8% dos professores declararam possuir curso específico nessa área do conhecimento.

Já a quantidade de alunos com deficiência incluídos no ensino regular saltou 640%, passando de 43.923, em 1998, para 325.316 em 2006. Porém, apesar dos avanços nos últimos anos, a especialista da Unicamp enxerga carências na forma como os docentes tratam a questão, por exemplo. “A inclusão é uma garantia que o professor dá ao aluno, e não uma imposição do governo sobre a cabeça do docente. Mas muitos deles não querem sair da rotina, então ainda falta ver esse ponto de uma outra forma”, diz.

Mantoan também considera que, em termos de inclusão, a escola pública é superior às particulares, justamente por ser uma instituição para todos. “Os melhores colégios não são aqueles que se especializam em determinado perfil de aluno, mas sim os que aceitam o desafio de receber qualquer um”, afirma.

Tal visão também se reflete nos números. Em 1998, 46,8% dos alunos com necessidades especiais estavam na rede privadas, principalmente em instituições filantrópicas. Com o desenvolvimento de políticas de educação inclusiva, as matrículas em escolas públicas cresceram 146%, passando de 179.364 (53,2% do total) em 1998, para 441.155 (63%) em 2006.

Além da evolução global do País em termos de inclusão, algumas ações locais também se destacam, como as desenvolvidas em Limeira (SP), que conta com 592 crianças deficientes atendidas pela rede pública de ensino. Em 2005, ano que em que se iniciaram os projetos de inclusão escolar, contabilizava-se 20.  “Além do trabalho realizado nas nossas 80 escolas, contamos também com 60 salas de recursos multifuncionais, onde o jovem recebe um atendimento especializado no turno oposto ao que estuda”, afirma Mariluz Barreto, coordenadora de educação especial do município.

Outra iniciativa realizada na cidade é o ensino itinerante, que consiste em disponibilizar professores especializados nas escolas para garantir suporte aos alunos durante a aula, especialmente nas creches. Nessa faixa etária, é mais difícil para as crianças se locomoverem até as salas multifuncionais.

“É um projeto que chamamos Classe Hospitalar, pois todos têm direito à educação, mesmo que não estejam em condições de ir ao colégio. É um trabalho individualizado, com cada paciente. A professora se informa sobre seu estado de saúde e contata a escola dele para dar continuidade às aulas”, afirma.

Considerada referência no atendimento a deficientes visuais, a Fundação Dorina Nowill mantém a preocupação de verificar se o jovem está matriculado no ensino regular, pois considera isso fundamental para que a instituição possa auxiliar o processo de inclusão. “Nós não suprimos os conteúdos da escola regular, mas proporcionamos atendimentos específicos da área da deficiência visual (Braille, soroban, orientação e mobilidade etc.)”, diz Maria Glicélia.

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