Seja na rua, em casa ou no trabalho, é praticamente impossível passar um dia inteiro sem ouvir uma música. Apesar de estar tão inserida no nosso cotidiano e de ser uma importante expressão cultural, ela ainda encontra um espaço reduzido nas escolas. Mas uma lei promulgada em 2008 tenta mudar essa situação ao tornar a música um conteúdo curricular obrigatório.

Em seu texto, a lei nº 11.769/08 estabelece que a música “deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular”, e acrescenta que “os sistemas de ensino terão três anos letivos para  se adaptarem às exigências”. O prazo expirou em agosto do ano passado, e boa parte das escolas segue sem contar com o conteúdo em sua grade.

De acordo com Maria Betânia Parizzi, professora adjunta da Escola de Música da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a universalização do ensino de música é um objetivo impossível de ser cumprido no curto e médio prazos, pois levará muito tempo até se formar professores de música suficientes para atender os 51,5 milhões de alunos da educação básica. “Mesmo assim, a lei é um passo muito importante, pois dá respaldo para as iniciativas de promoção da música na escola”, afirma.

A especialista explica que a música fazia parte do currículo até 1971, quando foi criada a disciplina de educação artística, que exigia um professor polivalente, que soubesse trabalhar com todas as artes. Na prática, porém, isso não funcionou, pois os docentes acabaram se especializando em determinada área. Já a música acabou deixada de lado. “As próprias universidades, com raras exceções, passaram a oferecer licenciaturas apenas em artes plásticas. Essa situação durou até 1996”, diz Betânia.

Essa ausência da música nas escolas fez com que os alunos perdessem um importante elemento para sua formação. Isso porque, para a especialista, ela constitui uma das quatro linguagens simbólicas que o homem utiliza para se comunicar, ao lado da fala e da escrita, da mímica e do corporal, e dos números. “Se uma pessoa passa pela vida sem estudar música ela está tendo sua capacidade simbólica, que é o que a torna humana, diminuída. Ou seja, tem sua humanidade reduzida”, aponta.

“A música desenvolve expressividade e desinibição, à medida que o aluno se expõe em público. Coletivamente, ela desenvolve a sociabilidade, pois exige combinações entre as pessoas”, acrescenta Patrícia Kebach, especialista em educação musical e professora das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat).

Trabalho em aula
A partir da instituição da obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, surge a questão: como isso deve ser trabalho na prática? A educadora musical Ana Maria Canéo explica que o ideal é trabalhar com jogos que estimulem a percepção básica da audição. “É importante que os alunos aprendam a escutar o que está contido na música e a identificar os elementos que a fazem gostar de uma composição”, diz

Outra estratégia interessante para ser usada em aula são as novas tecnologias. Assim, o professor deve levar um computador, mp3, mesa de som e usar as mídias que os alunos estão acostumados em seu cotidiano, como youtube, facebook. Além disso, é importante diversificar os estilos, levando coisas diferentes das que os jovens estão acostumados a ouvir. Isso é importante para criar riqueza no repertório e gerar diferenciais sonoros.

“O objetivo não é transformar a sala de aula em um conservatório, mas sim fazer com que as pessoas se expressem musicalmente pelo corpo, abram sua audição e percebam a paisagem sonora do mundo” diz Patrícia.

Um exemplo de aplicação é pedir que o aluno em torno dos seis anos reproduza o som de um xilofone sem ver como ele foi tocado. “Em questões de segundos, elas farão operações mentais para saber se aquilo era mais grave ou agudo, qual a baqueta que foi usada, etc”, recomenda. Outra ideia é levar diferentes músicas e pedir para os alunos identificarem qual delas seria mais adequada para fazer um bebê dormir ou para ajudar as pessoas dançarem. “Com isso, a criança percebe as estratégias usadas pelo compositor para criar determinado clima ou expressar certa emoção.”

Cidade modelo
Enquanto o país ainda engatinha para universalizar o ensino de música nas escolas, um município do interior de Minas Gerais oferece o conteúdo a todos os alunos da rede pública desde 2006, antes, inclusive, da publicação da lei que tornou o conteúdo obrigatório. Matheus Braga, coordenador do projeto Música na Escola, oferecido pelo Núcleo Villa-Lobos, explica que a iniciativa hoje atende cerca de 4 mil crianças da educação infantil até a 7ª série. No total, são 15 docentes especializados em música que atuam em 17 colégios de Santa Bárbara.

“A ideia nasceu quando o prefeito nos procurou para reativar um projeto que tínhamos promovido em 1997. Ele disse que tudo o que a cidade precisava de infraestrutura já existia, e que estava na hora de investir nas pessoas”, lembra.

Em poucos meses, o município iniciou um projeto de capacitação dos professores locais, e o ensino de música ganhou o status de disciplina no currículo escolar. Hoje, além das aulas semanais na rede pública, Santa Bárbara conta com uma escola municipal de música, que oferece 150 vagas para aqueles que querem aprofundar seus estudos na área.

“Entre os resultados que obtivemos nesses mais de cinco anos da iniciativa estão as melhorias na participação, concentração e atenção dos alunos. A cidade também deu grandes saltos em indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)”, aponta Braga.

Para dar suporte aos docentes, a equipe do Música na Escola criou um material didático chamado Coleção Educação Musical, da Editora Educacional de Belo Horizonte. “Não existe no país nenhum tipo de material nesses moldes, e resolvemos elaborar porque ele é fundamental para formalizar o conhecimento dos jovens por meio de exercícios e atividades.”
 

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