Buscar, organizar, armazenar, recuperar e (re)distribuir informações já são funções possíveis a qualquer usuário da internet. Na rede, como ressaltou o sociólogo, doutor em Ciências Políticas e professor da Faculdade Cásper Líbero, Sérgio Amadeu, durante o 2° Fórum do Instituto Claro, no qual ocupou o posto de debatedor, ninguém precisa pedir permissão para publicar qualquer coisa que queira. Essa liberdade, atrelada às ferramentas características da web 2.0, permite que todos sejam autores ou reprodutores de informação. Permite que todos exerçam a crítica e a criatividade para difundir o conhecimento da sociedade.

 

Maíra Soares

Sérgio Amadeu, Mílada Gonçalves e Roseli de Deus,
no 2° Fórum do Instituto Claro

 

Porém, durante o 2° Fórum, realizado na Faculdade Sumaré, em São Paulo, tendo ainda como debatedora Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da USP, diretora da Estação Ciência (USP) e assessora pedagógica do programa Um Computador por Aluno, foi levantada uma questão essencial, que exige reflexão sobre o quanto esses mecanismos e práticas hoje disponíveis são realmente democráticos e inclusivos: “O que acontece com aqueles que, excluídos desses processos típicos da sociedade da informação, não podem ser atuantes na rede?”. As respostas configuraram o evento que se propôs a focar o tema “Inclusão Digital, Redes Sociais e Inclusão Social”.

 

Os debatedores, mediados pela psicóloga e mestre em Ciências da Comunicação Mílada Gonçalves, foram enfáticos ao afirmar que não faz sentido pensar em desenvolvimento humano dissociado da inclusão digital. Para eles, embora a tecnologia não comande a sociedade, quem não puder se fazer atuante na rede vai ter as suas condições culturais e econômicas bastante dificultadas. Na visão de Roseli e Amadeu, a tecnologia precisa ser compreendida, digerida e, então, transformada em potenciadora das ações humanas em todas as áreas.

 

Maíra Soares

Sérgio Amadeu: “A internet é uma grande máquina de recombinar
e recopiar, e os conhecimentos serão cada vez mais compartilhados”

 

Roseli fez uso do termo “tecnofagia” para definir essa apropriação e destacou que, na educação, quando as crianças têm acesso à tecnologia nos ambientes de ensino, todas se sentem cientistas, tecnologistas. “Daí a importância de se pensar em formas de inserção da tecnologia nas atividades desde cedo, pois quanto mais tarde isso for apresentado, mais difícil fica de ser incorporado”, disse ela. Amadeu completou: “Não basta saber usar a tecnologia, tem que saber desenvolver a tecnologia. Saber interpretar e desenvolver aquilo que estamos usando”. Ele deixou claro que isso não é um “plus” na formação de um cidadão, mas sim algo fundamental quando “a sociedade caminha para utilizar as redes como a sua prática comunicacional mais importante”.

 

Ao tratar da “formação de cidadãos”, o debate, consequentemente, levou a escola ao centro da discussão. Fã da cultura hacker, Amadeu sugeriu que a instituição, cujo atual modelo de ensino é contestado por educadores que já lidam com uma geração de alunos “nativos digitais” e que enxergam o abismo existente entre algumas formas de aprendizagem e o mundo high-tech em que esses alunos vivem, absorvesse a principal característica dos hackers: o compartilhamento. “Essa é a realidade da internet. Compartilhar. Não adianta ir contra isso. A internet é uma grande máquina de recombinar e recopiar, e os conhecimentos serão cada vez mais compartilhados”. Também defendendo esse conceito, Roseli diz que é necessário induzir professores e alunos a fazerem um esforço colaborativo na rede para diagnosticar problemas e necessidades. “Coisas que sonhamos podem estar na web e nem sabemos, e isso vale para alunos, professores. Essa oportunidade de descobrir soluções para problemas é que não podemos deixar escapar.”

 

Maíra Soares

Para Roseli de Deus, quanto mais tarde a tecnologia
é apresentada a uma pessoa, mais difícil fica o aprendizado

 

Em meio a tantas convicções acerca dos prejuízos da exclusão digital para a sociedade, os palestrantes admitiram que é possível, sim, ensinar distante dos computadores e da internet, apenas com os tradicionais giz e lousa. “É possível até sem giz e sem lousa”, enfatizou Amadeu. O contraponto dele, entretanto, é claro: “Agora, sem a tecnologia da informação, você não pode dar um ‘salto’, pular anos de atraso e combater as condições de reprodução da miséria em um determinado lugar.”

 

Na plateia, a pesquisadora Márcia Padilha aprofundou a discussão sobre a relação entre educação e desenvolvimento social, tema que considera “muito claro para quem é da área de sociologia ou para quem está pensando políticas públicas de um jeito maior”. Todavia, ela lembra que na escola esse discurso ainda não se firmou e, em muitos casos, soa até mesmo como antipático. “Esse diálogo entre desenvolvimento social, projeto de nação e educação não está muito claro para a escola. Então é preciso fazer esse diálogo de uma forma mais amigável”. Além disso, ela defendeu também que o currículo escolar precisa ser repensado com o objetivo de fazer o professor se aproximar do mundo do software e do hardware livres e das possibilidades de construções pelos próprios alunos.

 

Outra colocação importante que surgiu da plateia disse respeito à falta de espaço para disseminação, na rede, de conhecimentos gerados por minorias, como os índios. Para a linguista Cláudia Vanderley, da Unicamp, a exclusão já se configura quando grupos não têm como levar a sua escrita para os ambientes virtuais. Mais uma vez, Roseli de Deus destacou a importância das comunidades criativas. “Certamente há quem conheça a solução e saiba desenvolvê-la de forma adequada para essas necessidades. Em casos assim, é que as políticas públicas devem se apresentar, caso empresas não se proponham a abraçar a causa”, disse.

 

Olhares voltados para o amanhã
Antes dos participantes fazerem um exercício de “futurologia” e revelarem, incitados pela mediadora Mílada Gonçalves, o que esperam da tecnologia para daqui a alguns anos, o debatedor Sérgio Amadeu voltou a frisar esse papel fundamental das políticas públicas na transformação da prática dos grupos que ainda enfrentam o problema da exclusão digital. “É preciso priorizar a banda larga, levar internet com qualidade aos municípios. Não adianta querer fazer ações em lugares onde a rede cai quando três computadores se conectam”, destacou Amadeu.

 

Ele, que imagina para um futuro próximo uma ampliação das práticas colaborativas na web e acredita que mal começamos a revolução tecnológica, pontuou que aqueles que mais conseguirem fazer interações serão os que terão maior potencial de se sobressair nas relações sociais.

 

Já Roseli de Deus, que preferiu não fazer prognósticos sobre as práticas da web, indicou como leitura descontraída sobre o tema o livro “Flagrantes da Vida no Futuro”, de autoria do pesquisador da USP João Antônio Zuffo. A obra indicada, escrita em formato de crônicas sobre cotidiano de brasileiros no ano de 2038, traz diversas reflexões sobre como a evolução das novas tecnologias modificarão as nossas vidas. Como o autor conhece a fundo o tema, a maioria das crônicas soa mais como projeções de um futuro possível do que um ensaio de ficção científica.

 

Na crônica “Telensino e Ciberensino”, por exemplo, a personagem Isadora se debate com o fato de que tem de realizar um trabalho autêntico de pesquisa, pois, caso simplesmente copiasse o conteúdo de qualquer local em que estivesse publicado, os ótimos sistemas de pesquisa existentes detectariam a cópia. Nem sequer poderia contratar alguém para fazer o trabalho por ela, pois os sistemas de inteligência artificial disponíveis para a escola, conhecendo a fundo o perfil da garota, detectariam logo o golpe. Totalmente possível, não?

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