Em 2022, dois marcos podem ser abordados pelos professores na educação básica: o centenário da Semana de Arte Moderna e o bicentenário da independência do Brasil. Com as datas em mente, o “Portal 3×22” e o Projeto “3×22 na Escola” foram criados para estimular a consulta ao acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da Universidade de São Paulo. Além dos retornos a 100 e 200 anos atrás, o projeto propõe também uma reflexão sobre a contemporaneidade.
“Não é só atualizar aquilo que foi feito, é repensar efetivamente os temas de 1822 / 1922, à luz dos dilemas da nossa sociedade. A ciência precisa traduzir o que é feito para que seja valorizado pela sociedade”, afirma o coordenador do projeto, Alexandre Saes. Livros raros e primeiras edições com marcações dos autores foram digitalizadas para permitir estudos sobre a Semana de Arte Moderna. O módulo voltado à escola conta com uma grande variedade de material didático interdisciplinar formado a partir de temas centrais, como cidadania, meio ambiente, desigualdade e educação.
No áudio, os membros do projeto sugerem a obra da autora negra Ruth Guimarães, que é pouco estudada no âmbito do Modernismo, e a estudante Bruna Martins lê trechos de conteúdos presentes no Projeto 3×22.
Veja mais:
Dossiê: Semana de Arte Moderna
Plano de aula: Brasil, brasis – O Modernismo brasileiro
Plano de aula: Mário de Andrade – Reinventando o Brasil
Música: Xangô, de Ernani Braga, interpretada por Fritz Jank, fica de fundo
Alexandre Saes:
Não é só “o atualizar” aquilo que foi feito, é repensar efetivamente os temas de 1822 / 1922, à luz dos dilemas da nossa sociedade. A ciência precisa traduzir aquilo que é feito para que aquela sociedade possa compreender e valorizar aquilo que é feito.
Eu sou Alexandre Saes, professor do departamento de Economia da FEA-USP; coordeno o “Projeto 3×22”, desde 2017.
Giovani Direnzi:
Eu li um dos materiais antes de ficar pronto pra fazer apontamentos e eu cheguei a dizer ‘nossa, que legal, eu consigo encaixar a Semana de 22 no século XX de maneira que faça sentido!’. E na própria história do Brasil, sempre com muita complexidade, eu me aprofundei, eu entendi como um processo, não como um episódio isolado, e é ótimo poder dividir isso para que mais pessoas tenham acesso.
Eu me chamo Giovani Direnzi, estudante de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Trabalho com o Projeto 3×22, desde 2018.
Vinheta: Instituto Claro – Educação
Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Marcelo Abud:
Documentos raros e diversos conteúdos integram o 3×22 na Escola e o Portal 3×22. Nesta edição, você vai conhecer a proposta e parte do que encontra online para refletir sobre a Semana de Arte Moderna. O áudio conta com participação da estudante do 8º semestre de Letras da USP e bolsista do projeto entre 2019 e 2021, Bruna Martins, e também do pesquisador Giovani Direnzi e do coordenador do 3×22, o professor Alexandre Saes.
Alexandre Saes:
O 3×22 é um projeto realizado na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da pró-reitoria de cultura e extensão universitária da USP, para que, antes mesmo do bicentenário, a gente pudesse oferecer para a sociedade conteúdos que nos ajudassem na reflexão, em 2022, sobre, não só o bicentenário da independência, mas sobre o centenário da Semana de Arte Moderna e, também, sobre as questões contemporâneas. Quer dizer, então dali surge o nome “3×22”, de 1822, 1922 e 2022, cruzando essas temporalidades, que pensam: independência, soberania, Semana de Arte Moderna, modernidade e os desafios que nos colocam nos dias atuais, que não são poucos.
Alexandre Saes:
Nesse enquadramento dado pelo projeto, a gente tem oferecido material didático para as escolas – tem uma cara muito do final do ensino fundamental e do ensino médio. E aí a gente tem um material mais enxuto de um trabalho – duas, três aulas, que são chamados kits didáticos – que pegam uma temática mais específica e faz a discussão a partir da análise de documentos textuais, de imagens, de música, entre outros, e o que a gente está chamando “3×22 na escola”, que já são quase livros didáticos, em que a gente explora de maneira bastante densa grandes temas como: cidadania, Estado e desigualdade, meio ambiente, educação. Um material que, certamente, dá pra usar ao longo de um semestre, por professores, porque tem o caráter de ser interdisciplinar, que oferece muitas atividades, reflexões.
Giovani Direnzi:
Quanto à Semana de Arte Moderna, a gente tem, por exemplo, no acervo, as revistas que foram consequência da Semana de 22. Pensando, por exemplo, na Klaxon, que sai justamente em 22, em maio, depois da Semana, organizada pelo Mário [de Andrade]. A Klaxon ela aparece com alguma frequência nos nossos materiais, desde os boletins até os materiais didáticos “3×22 na escola”. A gente sempre faz esse link do material com o acervo. Tem uma seção, no fim de cada módulo, chamada “3×22 na BBM”, em que a gente sugere uma lista de materiais, parte dele de livros, que o estudante, que o professor, podem encontrar ali todo o acervo.
Alexandre Saes:
Livros raros, primeiras edições, com marcações dos autores e tudo o mais. Um material que pela natureza tem que ter muito cuidado na sua circulação. Quer dizer, ele não pode sair, inclusive, da biblioteca – a gente não tem como repor esse tipo de material. Então a preocupação, desde o início, foi como alcançar e disseminar isso para a sociedade. O que a gente entendeu é que a digitalização em si não basta para que esse material chegue na sociedade. A gente tem que criar projetos que provoquem que a sociedade busque esses materiais dentro da biblioteca. Um dos posts dos “200 livros: Modernidade e Herança Modernista na Literatura Brasileira” – o Giovani eu acho que foi o responsável por essa curadoria – é interessante pra mostrar essa complexidade que tem sido dada, né?
Giovani Direnzi:
Nesse post a gente então apresenta uma lista de livros, que começa ali com Macunaíma, do Mário, em 28, mas traz O Estrangeiro, do Plínio Salgado, de 26, que difere em muito da visão do Mário. E depois a gente parte pra Cecília Meireles, para o próprio Guimarães Rosa …
Alexandre Saes:
Mas nesse próprio post que o Giovani comentou – tem a questão simbólica de 200 anos em 200 livros, – mas é a ideia também de sair dos cânones,dos 10 / 15 / 20 livros que marcam a nossa história, a nossa literatura, e encontrar outros tantos autores importantes que, às vezes, não foram reconhecidos. Então a gente tem uma autora que é a Ruth Guimarães, negra, que escreve no meio do século XX, o “Água Funda”, que é um livro importantíssimo para a literatura, mas que, perto daquilo que já foi estudado dos Modernismos, é pouquissimamente reconhecido.
Bruna Martins lê trecho do texto publicado no post “200 livros: Modernidade e Herança Modernista na Literatura Brasileira”:
(música de “Tango Brasileiro”, de Ernani Braga, ao fundo) “Água Funda é um romance memorialista. Ele não possui um tempo narrativo especificado, no entanto, através de certos elementos que compõem a descrição das cenas, como a existência de um pelourinho, ou a venda de terras para investimento em automóveis, consegue-se situar os acontecimentos no final do século XIX até a primeira metade do século XX”.
Ruth Guimarães escreve uma obra modernista, não apenas pelas suas temáticas quando como quando aborda o folclore como um sistema simbólico, entranhado na vida social dos sujeitos daquela região, mas também por via da linguagem, ao vocalizar o falar caipira do Vale do Paraíba sem reproduzir os clichês de representação fonética da fala na escrita, sendo essa uma das características mais apreciadas pelo crítico Antonio Candido.”.
Alexandre Saes:
É colocar outros autores com novas reflexões, com outros temas pra aquilo que se pensava ‘sociedade’ para, justamente, tornar esses temas mais complexos.
Giovani Direnzi:
O nosso primeiro boletim 3×22, que a gente publicou em 2019, ele tem um texto do professor André Luis Rodrigues, que é da Letras, da USP – ele consegue amarrar todas as anedotas que nós temos sobre a Semana. É muito gostoso de ler.
Bruna Martins lê trecho do artigo “A Semana de Arte Moderna e Contexto do Festival de 1922”
(música de “Tango Brasileiro”, de Ernani Braga, ao fundo) “A confusão entre o velho e o novo, entre o desejo de inovação e a impossibilidade de se libertar inteiramente do passado, parece encontrar uma paródia numa das anedotas mais conhecidas e saborosas da Semana, em torno da entrada de Villa-Lobos no palco do teatro, vestido a rigor, com um pé em sapato social e o outro em chinelo, devido a um calo ou a uma infecção, o que muitos acabaram interpretando como um gesto “futurista”…”.
Giovani Direnzi:
Você entende o que foi a Semana, ele fala desde a inauguração do Municipal, lá em 1911, até a realização da Semana e até o que ficou do que foi a Semana, né?
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
O portal 3×22 e o projeto 3×22 na Escola foram criados para estimular reflexão e oferecer conteúdo em torno do bicentenário da Independência do Brasil, do centenário da Semana de Arte Moderna e dos desafios do tempo contemporâneo.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.