Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

O Dia Nacional do Grafite, celebrado em 27 de março, é em homenagem ao pioneiro desta arte no Brasil, Alex Vallauri, que morreu nesta data, em 1987, vítima de AIDS. Para reproduzir símbolos da cultura pop pelos muros de São Paulo, o grafiteiro utilizava máscaras vazadas. Essa técnica pode ser um caminho que permite percorrer o processo artístico de Vallauri ao longo das etapas do ensino básico. A proposta é defendida pela artista e educadora Christiana Moraes, que coordenou a produção de material destinado ao uso da obra do grafiteiro nas escolas, quando esteve à frente do setor Educativo do Museu de Arte Contemporânea da USP.

“Quanto ao grafite em si, dá para ensinar estêncil ou máscara, desde o primeiro ano do ensino fundamental I ao terceiro ano do ensino médio. Você pode ir ensinando a fazer estêncil e máscaras cada vez mais complexas; começar com uma forma mais simples e tornando mais difícil”.

Alex Vallauri JP Capobianco
Grafite de Alex Vallauri, 1982 (crédito: João Paulo Ribeiro Capobianco).

No áudio, a bacharel em Gravura pela ECA/ USP traz diferentes abordagens para estudar a obra de Alex Vallauri, envolvendo disciplinas como artes, história, geografia e inglês. Christiana Moraes ressalta ainda que a falta de materiais específicos não deve ser um limitador para o estudo do grafite na escola. “Eu acho que a gente não pode se limitar nos materiais para não abordar o grafite, por exemplo. Não tenho o spray? Mas a gente pode fazer a máscara de papelão, usando um rolinho (esses rolinhos de espuma, de pintar parede), por exemplo”, explica.

Veja mais:

Plano de aula a partir da obra de “Os Gêmeos”

Matéria sobre arte nos muros da escola

Podcast sobre intervenções artísticas urbanas

Abordagem triangular na educação de artes

Foto: A Rainha do Frango Assado em Pic-nic no Glicério, de Alex Vallauri (crédito: Kenji Ota/Fundação Bienal de São Paulo/Arquivo Histórico Wanda Svevo).

Transcrição do Áudio

Música: “Wonton” (Ramzoid)

Christiana Moraes:

Pensando na importância do Vallauri, ele praticamente trouxe o grafite, que é uma linguagem e uma poética que ocupa o espaço público; que tem uma dimensão ampla, que aborda pessoas que talvez nunca vão entrar num museu, numa galeria, num espaço específico da arte. Tem uma generosidade muito grande. Para, além disso, ele levou os grafites pra dentro dos espaços privilegiados da arte, correndo riscos de ser chamado de elitista, de trair uma certa linguagem das ruas…

Eu acho que tem uma importância muito grande que é falar de coragem e de alegrias. Um cara que marcou a história da arte brasileira de uma maneira muito singular… Eu lembro dos grafites dele no muro, assim, quando criança, pequena… E era muito intrigante! Depois, já estudante de arte, eu vim a entender e vim associar aquelas memórias que eram tão nítidas na minha cabeça, de ver, andando pela cidade, as botas, os anjos… – e saber que tinha um pensamento e uma energia tão forte por trás, assim.

O meu nome é Christiana Moraes, eu sou artista-educadora. Minha prática, a minha experiência, minha vivência como artista, está sempre influenciando a minha maneira de me posicionar e, como artista, sou super tocada por todas as pessoas com as quais eu convivo na minha prática educativa.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcelo Abud

O Dia Nacional do Grafite é uma homenagem a Alex Vallauri, considerado precursor desta arte no Brasil. Christiana Moraes coordenou a realização de material destinado ao uso da obra de Vallauri nas escolas, quando esteve à frente do setor Educativo do Museu de Arte Contemporânea, da USP. Neste áudio, ela reflete sobre possíveis usos do grafite com estudantes.

Christiana Moraes:

Eu acho fundamental estudar o grafite, por ser uma manifestação cultural muito potente, de diferentes grupos sociais brasileiros e bastante acessível.

O grafite pode ser estudado em todas as etapas da educação básica, só que, claro, modulando o tipo de dificuldade que vai ser apresentado, o tipo de abordagem que vai ser feito, em termos de técnica, em termos de conteúdo, em termos de linguagem…

O grafite pode estar presente em diferentes espaços públicos, vias públicas, dentro de espaços museais, dentro de galerias. Então, o grafite é, de certo modo, muito acolhedor e muito responsivo ao que vem acontecendo no mundo. É uma linguagem muito direta também.

Música: “Gentileza” (Marisa Monte)

Por isso eu pergunto a você no mundo
Se é mais inteligente o livro ou a sabedoria

Christiana Moraes:

A obra do Vallauri é bastante plural. Por exemplo, ele fez muito… carimbos; trabalhou com diferentes linguagens de gravura ao longo da vida; ele fez cenários; e, claro, o grafite, que é a linguagem pela qual ele ficou mais conhecido. Então, cada uma dessas práticas artísticas que eu fui mencionando, é possível desenvolver atividades. O que elas têm em comum e que eu acho interessante observar, que é a repetição, de o fato de serem linguagens que podem ser popularizadas. Ele tinha isso como intenção.

Marcelo Abud:

Para facilitar a repetição de sua arte pelos muros de São Paulo, Vallauri usava máscaras vazadas de papelão recortado.

Christiana Moraes:

Quanto ao grafite em si, dá pra ensinar estêncil ou máscara, que ele usava muito, né, desde o primeiro ano do ensino fundamental I ao terceiro ano do ensino médio. Você pode ir ensinando a fazer stencils e máscaras cada vez mais complexas; começar com uma forma mais simples e tornando mais difícil. Pode inserir sombra… E nos mais avançados, tornando desafios mais complexos ao longo das etapas do ensino básico, eu acho que torna possível a inserção do estudo do Vallauri, do grafite ou das poéticas com as quais ele trabalhou, em diferentes etapas do ensino-aprendizagem, né?

Marcelo Abud:

Para a artista e educadora, a falta de materiais específicos não deve limitar o estudo do grafite na escola.

Christiana Moraes:

Então, é importante a gente pensar que é possível usar papelão de caixa pra fazer máscara, molde, estêncil (né, estou chamando esses três nomes o molde que ele usava pra fazer as imagens nos muros) – então, papelão, papel sulfite, papel reciclado, acho que é importante a gente lembrar que isso é possível.

Pra fazer carimbo, pode ser batata, pode ser rolha, pode ser sabonete, pode ser borracha; pode ser tinta de carimbo, tinta guache, tinta feita com terra, né? Eu acho que a gente não pode se limitar nos materiais para não abordar o grafite, por exemplo. Não tenho o spray? Mas a gente pode fazer a máscara de papelão, usando um rolinho (esses rolinhos de espuma, de pintar parede, por exemplo) – que também não precisa ser isso, pode ser um pincel…

Então eu acho que não deve ser a dificuldade material, que eu sei que é bastante presente, né, nas escolas em geral… Não acho que devem ser o limitador pra abordar uma linguagem como o grafite, que tem uma potência tão grande, né? Não só uma potência, como é uma linguagem reconhecida e reconhecível pelos jovens. É uma pena não trabalhar por falta de recursos que parecem inacessíveis, né?

Marcelo Abud:

Christiana Moraes traz uma visão multidisciplinar de como o assunto pode ser abordado na escola.

Christiana Moraes:

Em termos de ciências, analisar a composição química dos sprays, por exemplo, é uma possibilidade; em termos de história, o Vallauri foi muito atuante na época da ditadura militar no Brasil – então, entender qual é o grau de contestação que ele trouxe ao inserir imagens no espaço público, num período ditatorial, acho que é uma maneira bacana de pensar o estudo de história a partir de imagens que, numa primeira visada, não tem nada a ver com história, né?; inglês, por exemplo, pesquisar a origem do grafite, entender que o Vallauri viajou muito pela Europa, mas ficou também um tempo nos Estados Unidos, onde ele conheceu os grandes expoentes da Pop Art, como Basquiat, o Andy Warhol… Então, talvez, uma pesquisa com relação a essas influências que ele teve, que foram definitivas na trajetória dele, também acho que habilitam o estudo do Vallauri, em inglês.

Geografia: com relação ao espaço urbano, a cidade, o grafite, a ocupação do grafite no espaço urbano; como que isso se dá; por que que se dá mais no espaço urbano e não no espaço rural, né, na geografia política, social?… ; língua portuguesa, na construção de narrativas, que usam imagens visuais, eu acho que é bastante plural a gama de possibilidades.

Música: “Os Grafites Musicais de Emicida” (Natura Musical)

Entre os grafites da minha city

Eu vejo, saca

Me lembra cada pensamento que eu almejo, é um desejo, um sonho

A paz e a liberdade é o que proponho

Nesse pensamento é que eu me ponho, onde eu vou

Caminhando por aqui

Vendo cada desenho que fez a arte fluir, escorrer

Christiana Moraes:

Tem um aspecto da obra dele que só mais recentemente tem sido abordada, que é o fato dele usar uma certa iconografia LGBTQI+. Então eu acho que é interessante olhar, ‘reolhar’, assim, a Rainha do Frango Assado (a bota de salto alto), como ícones de resistência de uma pessoa que sofreu todos os preconceitos que existiam na década de 70/80, com relação à sexualidade.

Pensar no trabalho dele como uma poética de resistência, como um artista que, com alegria e com ironia, recobriu os muros da cidade de São Paulo (e pela primeira vez, né, assim, estava no início do grafite).

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para a educadora e artista, “a alegria como resistência e a arte, como um local possível de sonho”, são elementos presentes na obra de Alex Vallauri que ajudam a pensar o momento atual.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.