O compositor e maestro Tom Jobim dedicou parte de seu reportório às canções de temática ecológica e do meio ambiente. Segundo a professora de música e artes da rede municipal de São Paulo (SP) Juliana Neves, o artista tinha um amor pela fauna e flora brasileira que foi retratado em várias canções, como em “Águas de março”. “Por exemplo, ‘É pau, é pedra, é o fim do caminho’ representa como as águas são implacáveis. Essa enxurrada pode causar impactos ambientais. E isso se liga à ação humana com o passar do tempo”, explica.
A professora indica trabalhar a canção de maneira interdisciplinar em diferentes etapas dos ensinos fundamental e médio, fazendo a intersecção entre língua portuguesa e literatura para interpretar o significado da música. Além disso, Neves sugere incluir na estratégia pedagógica as disciplinas de ciências, geografia e biologia.
“Nas ciências, o sol, a lua, como as mudanças climáticas afetam o globo terrestre. Em geografia, a demografia do continente brasileiro, suas regiões temperadas tropicais, a redução da biodiversidade, o desmatamento, a poluição”, analisa.
De acordo com a professora, é possível abordar o conteúdo também em ciências sociais. “[Pode-se trabalhar] consumo sustentável, a economia dos ecossistemas, da biodiversidade e a conscientização da população, combate à corrupção, sustentabilidade, proteção ambiental e exigências de políticas públicas”, sugere Neves.
Além de “Águas de março”, músicas como “Chovendo na roseira”, “O boto”, “Borzeguim” e “Passarim” também podem ser úteis para ensinar conteúdos de ecologia em sala.
O professor da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila) Gabriel Rezende propõe atividade para estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. “Tem canções também ligadas a uma natureza animada, mágica ou mística, como “O boto”. Os seres naturais conversam, pensam sobre a ação humana, criam histórias entre si”, explica.
Nessa podcast, os professores entrevistados também destacam outras abordagens possíveis com a canção “Águas de março”. “[A música] é muito rica em imagens, meio ‘claro-escuro’, digamos assim. A força expressiva está no contraste e como a poesia dá unidade a esses contrastes, a ênfase no verbo ser”, indica Rezende.
“Daí vem a conscientização para a importância da preservação do meio ambiente, da reciclagem, do descarte de lixo de forma correta, a reivindicação por políticas públicas e melhorias de infraestrutura. Então, a música ‘Águas de março’ tem sim um grande significado sobre o funcionamento da natureza”, complementa Neves.
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Crédito da imagem: Walter Firmo – Exposição coleção Walter Firmo – Luz em corpo e Alma
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Juliana Neves:
O Tom Jobim, ele tem um amor pela fauna e flora brasileira que é retratado em várias músicas suas. Na maioria de suas entrevistas, ele sempre denunciou a destruição da mata e da fauna, a contaminação dos rios, lagoas, Baías, o envenenamento do mar, principalmente a descaracterização das cidades em meio às transformações urbanas e políticas.
Olá, eu sou professora Juliana, eu dou aula de música e artes nas escolas municipais de São Paulo. Além disso, sou musicista, produtora musical e gestora de projetos.
Gabriel Rezende
É sabido que ele tinha fazendas, ele tinha casa em áreas próximas à vegetação, às matas, e que ele valorizava muito isso desde os anos 70 até os anos 90 – o falecimento dele –, ele sempre teve essa vontade de estar próximo. E acho que muitas das canções trazem esse aspecto sensível de quem observa, de quem comtempla, e a partir disso é que surgem as questões ecológicas, então elas não estão colocadas, digamos assim, a priori, como uma pauta, mas eu acho que elas saem desse contato e dessa sensibilidade que ele foi desenvolvendo com as pautas ecológicas.
Eu sou o Gabriel Rezende, professor da Unila, em Foz do Iguaçu, sou músico também, sou contrabaixista, compositor, arranjador.
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Marcelo Abud:
O dicionário Michaellis define “Ecologia humana” como o ramo da ecologia que estuda as relações do ser humano com o meio ambiente. Neste episódio, você vai acompanhar como o tema aparece na obra de Tom Jobim. O professor da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila) Gabriel Rezende comenta que o compositor e maestro começa a se preocupar com ecologia ainda nos anos 1960.
Gabriel Rezende:
Conforme a questão da ecologia deixa de ser um ramo teórico e se transforma em uma questão emergencial da vida social, né, essa perspectiva de que os recursos naturais vão se esgotar e de que a gente precisa mudar o rumo da maneira como a gente conduz as nossas políticas e, no sentido mais amplo, também a nossa vida social como um todo e, portanto, a ecologia se torna um tema de debate público.
Uma das obras que acolhe esse tema e dão uma roupagem muito interessante a ela são as canções do Jobim que, sobretudo nesse período de transição dos anos 60 para os anos 70. E aí que começa a aparecer essas várias canções que tematizam a natureza, mas “Águas de março” talvez mais forte ainda por essa sugestão de um ciclo constante de construção e desconstrução no sentido de agressão ao meio ambiente, né? Então, os ciclos da natureza e ação humana que interrompe, que degrada.
Marcelo Abud:
Para Juliana Neves, “Águas de março” é uma música que pode ser trabalhada de forma interdisciplinar em diferentes etapas dos ensinos fundamental e médio. A professora sugere a intersecção entre língua portuguesa e literatura na interpretação do significado da música.
Juliana Neves:
Por exemplo, “É pau, é pedra, é o fim do caminho”. Então representa como as águas são implacáveis. Essa enxurrada pode causar impactos ambientais que não sobra pedra sobre pedra. E isso se liga à ação humana, né, com o passar do tempo.
Aí continua “É o resto de toco”, né, denota muito o desmatamento ilegal. É um “caco de vidro”, resíduos gerados desse impacto que traz riscos à saúde. “A noite é a morte”. “É o anzol”. Então eu vejo como as tragédias, o extrativismo insustentável.
Gabriel Rezende:
“Águas de março” é muito rica em imagens, meio claro-escura, digamos assim, a força expressiva está no contraste e como a poesia dá unidade a esses contrastes, a ênfase no verbo ser.
Trecho da música “Águas de março”, de Tom Jobim
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
Juliana Neves:
A gente também pode se unir a ciências, geografia, biologia, que também traz ampliações de vocabulário para os nossos alunos.
Então, nas ciências, o sol, a lua, como as mudanças climáticas afetam o globo terrestre. Em geografia, a demografia do continente brasileiro, suas regiões temperadas tropicais, a redução da biodiversidade, o desmatamento, poluição. Além da fusão com as ciências sociais: consumo sustentável, a economia dos ecossistemas, da biodiversidade. E a conscientização realmente da população: combate à corrupção, sustentabilidade, proteção ambiental, exigências de políticas públicas. E rodas de conversa também com os pais, a comunidade, a gente enfatiza a importância da participação nessas atividades escolares dos filhos, que é a educação – o trabalho precisa ser feito em conjunto para dar certo e é uma via de mão dupla.
Marcelo Abud:
Gabriel Rezende traz uma atividade que pode ser interessante para ser realizada com estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental.
Gabriel Rezende:
Tem canções também ligadas a uma natureza animada, mágica ou mística, como “O boto”. Os seres naturais conversam, pensam sobre a ação humana, criam histórias entre si.
Música: “O boto” (Tom Jobim e Jararaca)
Papagaio discute com jandaia
Se o homem foi feito pra voar
Gabriel Rezende:
Acho que isso facilitaria processos educativos baseados nesse aspecto mais lúdico, criativo. Estimular isso, favorecer isso seria uma maneira da gente criar seres humanos mais sensíveis realmente, né, e não tão presos às operacionalidades e às demandas cotidianas.
Marcelo Abud:
Juliana e Gabriel lembram outras músicas de Tom Jobim que podem ser usadas com estudantes dos anos finais do ensino fundamental.
Juliana Neves:
Bom, Tom Jobim, ele tem um amor pela fauna e flora brasileira, que é retratado em várias músicas suas, como “Chovendo na Roseira”.
Música: “Chovendo na Roseira” (Tom Jobim)
Olha, que chuva boa, prazenteira
Que vem molhar minha roseira
Chuva boa, criadeira
Que molha a terra, que enche o rio, que limpa o céu, que traz o azul.
Gabriel Rezende:
Tem esse aspecto lírico, contemplativo de como a pessoa experimenta a natureza e a natureza suscita processos afetivos, essa comparação com uma pessoa amada e a natureza. Esse tipo de letra poderia ser abordado pelo aspecto sensível que ela evoca.
Juliana Neves:
Tem outra que é o “Borzeguim”. Um trechinho dela é “Hoje é sexta-feira de manhã / Deixa o mato crescer em paz”. Outra música seria o “Passarim”.
Música: Passarim (Tom Jobim e Paulo Jobim)
Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu, mas não matou
Gabriel Rezende:
Tem a natureza que a gente poderia considerar uma natureza exuberante, pensando em “Saudade do Brasil”, por exemplo, que é uma música instrumental, mas se a gente colocar ela, interpretar ela no contexto de afirmações especialmente do Jobim, ela conecta com essas representações de natureza exuberante.
Música: Happy Birthday Bossanova, de Ethan Eubanks, fica de fundo
Marcelo Abud:
Sensibilizar crianças e adolescentes por meio da música permite que percebam o quanto de natureza já se perdeu e não será mais recuperado, mas também o que ainda pode ser feito para retomar a consciência ecológica.
Sobe música:
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no seu coração
Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.