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O tema desigualdade é tratado por vários artistas da música brasileira. Gilberto Gil aborda as diferenças sociais em sua obra desde o início da carreira, em meados dos anos 1960.

“’Roda’ e ‘Procissão’ são o ponto de abertura de Gilberto Gil dentro da música profissionalmente. É o primeiro disco, a primeira produção dele, e nós estamos no processo histórico de ditadura. É nesse contexto que Gilberto Gil, jovem, vem e faz uma obra chamada “Louvação”, em que o autor, percebendo-se dentro da chamada classe média brasileira, assume o discurso dos chamados dominados”, analisa o doutor em educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Cleonilton Souza.

O artista baiano volta ao tema novamente, destacando-se outras duas músicas que criou nos anos 1980, no período da reabertura política no país.

“’A novidade’ e ‘Nos Barracos da Cidade’ têm uma questão em comum: como reagir à ‘sereia’ e ao ‘tubarão’, seres marinhos com que nós, humanos, podemos nos deparar como metáforas da desigualdade? Se temos, como diz o verso, ‘De um lado esse carnaval, de outro a fome total’, não há igualdade de oportunidade e de tratamento”, avalia o jornalista e sociólogo Mario Luis Grangeia, autor do livro “Os Paralamas do Sucesso – Selvagem?” no qual aborda o tema.

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Gilberto Gil (crédito: Hallit / Divulgação)

Nesse podcast, os entrevistados trazem algumas sugestões de como a obra de Gil pode ser utilizada de forma didática para debater e gerar interesse pelo tema da desigualdade social. “Então seria apaixonante pegar uma música como ‘A novidade’ e fazer todo esse jogo: ver a questão da letra, ver a questão da melodia, para depois ir ao temático”, sugere Souza.

Clique no botão acima e ouça outras análises das músicas e como usá-las em sala de aula.

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Crédito da imagem: Hallit / Divulgação

Transcrição do Áudio

Música instrumental de Reynaldo Bessa fica de fundo

Mario Luis Grangeia:

A gente tem a desigualdade retratada na música brasileira em diferentes estilos musicais. O que eu acho interessante é que, uma vez criada a música, não é só o artista que está cantando aquele tema, a desigualdade está sendo cantada por brasileiros de vários perfis.

Meu nome é Mario Luís Grangeia, eu sou jornalista e sociólogo. Como pesquisador, eu tenho estudado relações entre cidadania e cultura.

Cleonilton Souza:

A discussão sobre as desigualdades passa pelo intelecto, passa pelas emoções do indivíduo. Aí Gilberto Gil tem essa leveza para falar de coisas doloridas.

Eu sou Cleonilton Souza, eu fiz um mestrado em políticas sociais e cidadania; eu sou recém-doutor na área de educação.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

No livro sobre o disco “Os Paralamas do Sucesso – Selvagem?”, Mario Luis Grangeia aproveita a criação coletiva entre Gilberto Gil e a banda para a música “A novidade” e abre um capítulo à parte. Nele, analisa a importância de quatro músicas do artista baiano na abordagem da desigualdade social.

Com esse ponto de partida, neste episódio, você acompanha uma análise das composições e sugestões de como podem ser utilizadas em sala de aula.

Mario Luis Grangeia:

Eu tenho uma experiência de sala de aula num pré-vestibular comunitário, no caso, então, estudantes de ensino médio, usando letras de música para discutir interpretação de texto. Mas ao discutir o texto, a gente também fala do contexto. Então a gente pode incorporar temas que não são do conhecimento, às vezes, do aluno, da aluna, mas que, com aquela música, o tema vem à tona, né, de uma maneira que provoca reflexão e, ao mesmo tempo, a apreciação artística, né?

Marcelo Abud:

Cleonilton Souza comenta o contexto em que foram criadas as músicas “Roda” e “Procissão”, lançadas em meados dos anos 60.

Cleonilton Souza:

São o ponto de abertura de Gilberto Gil dentro da música profissionalmente, e nós estamos no processo sócio-histórico de ditadura. É nesse contexto que Gilberto Gil, jovem, vem e faz uma obra chamada “Louvação”, em que o autor percebendo-se dentro da chamada “classe média brasileira”, ele assume o discurso dos chamados “dominados”, e aí ele vem com o texto de tom reivindicatório.

Mario Luis Grangeia:

Em “Roda”, o eu-lírico critica a subtração de bens de quem já tem pouco e ataca a desigualdade antes do túmulo, que cobra um preço. As covas são vistas como um fim desejável para a base da pirâmide social e depois destino aplicável a exploradores.

Música: “Roda”, de Gilberto Gil e João Augusto:

Seu moço, tenha cuidado

Com sua exploração

Senão lhe dou de presente

A sua cova no chão

Mario Luis Grangeia:

Na letra de “Procissão”, a distribuição desigual de recursos, e fardos, não gera a contestação em terra, mas anseios por uma reparação que só a fé explica.

Música: “Procissão”, de Gilberto Gil e Edy Star:

Meu sertão continua ao deus-dará

Mas se existe Jesus no firmamento

Cá na terra isto tem que se acabar

Marcelo Abud:

Formado em letras, Souza traz uma sugestão de como trabalhar a música “Procissão”. A atividade pode ser indicada, segundo ele, para estudantes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º do ensino médio, levando-se em conta a capacidade de entendimento de cada grupo.

Cleonilton Souza:

“Procissão” é uma música que pode ser trabalhada juntamente com o teatro. O educador, ele não vai trazer aqui elementos teóricos a respeito de política, ele vai propor que a turma vivencie aquela procissão. Como? Cada um assume um papel, o pessoal faz o ensaio, o educador vai conversando com cada estudante e vai, ao mesmo tempo, fazendo retomadas gerais.

A partir dali vem a parte que eu chamaria de didática, que tipo de experiência os estudantes tiraram dali? E o trabalho de uma representação teatral que envolve música, o professor pode explorar duas formas de discussão desse discurso, que é essa representação teatral:

O temático, quando você traz conceitos, definições, especificidades sobre a realidade que aquela história traz.

E o figurativo é toda aquela construção, toda aquela representação feita pela turma. Então a turma vai trazer para o ambiente de educação as questões figurativas, cada um vai interpretar da maneira que é possível representar, da maneira que pode representar. E aí vem o educador e faz uma ponte entre o tema e a representação teatral.

Marcelo Abud:

Nos anos 80, Gil volta a tratar de desigualdade social em outras duas músicas.

Mario Luis Grangeia:

Primeiro, num reggae chamado “Nos Barracos da Cidade”, foi composto pelo Gilberto Gil junto com Liminha, e eles cantam a ideia de que também nessa vida existem autoridades públicas que não têm o menor compromisso com quem tem menos.

Música: “Nos Barracos da Cidade, de Gil e Liminha”:

E o poder da autoridade

Se pode, não faz questão

Se faz questão, não consegue

Enfrentar o tubarão

Mario Luis Grangeia:

E é aquela que fala assim “Gente hipócrita, gente estúpida”, e quem pode nem sempre acaba enfrentando o tubarão, né? E o tubarão é esse mal-estar que a gente encontra na vida real, de que uns têm muito e outros têm tão pouco.

Na sequência, no ano seguinte, em 1986, Os Paralamas fazendo essa letra do Gilberto Gil, “A novidade”.

Mix da música “A novidade” começando com a interpretação de Gilberto Gil e misturando com a dos Paralamas do Sucesso

(Gil) Ó, mundo tão desigual

Tudo é tão desigual

Ô Ô Ô Ô

(Paralamas) De um lado esse carnaval

De outro a fome total

Ô Ô Ô Ô

Mario Luis Grangeia:

A “Novidade” e “Nos Barracos da Cidade” têm uma questão em comum: como reagir à “sereia” e ao “tubarão”, seres marinhos com que nós, humanos, podemos nos deparar como metáforas da desigualdade?

Se temos, como diz o verso, “De um lado esse carnaval, de outro a fome total”, não há igualdade de oportunidade e de tratamento.

Marcelo Abud:

Souza sugere uma comparação entre as versões de Gilberto Gil e dos Paralamas do Sucesso como forma de se perceber como a melodia pode influenciar na interpretação da letra da música.

Cleonilton Souza:

Você vai mostrar o percurso interpretativo para se alcançar esse temático.  O que esse autor fez para discutir a desigualdade social? Aí você pode discutir isso na forma como o texto foi composto, escrito, a letra, e na forma como ele foi interpretado. Porque uma interpretação é uma forma de se ver uma mesma realidade. Então a forma de interpretar ela é diferente, e a gente precisa trabalhar isso com os nossos educandos.

Então seria apaixonante pegar uma música como “A novidade” e fazer todo esse jogo. Ver a questão da letra, ver a questão da melodia, para depois ir ao temático.

Música de Reynaldo Bessa fica de fundo

Marcelo Abud:

A utilização de músicas e outras manifestações artísticas para trabalhar temas complexos pode ser uma maneira eficaz e dinâmica de estimular o interesse dos alunos.

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

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