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Em março de 1924, o escritor Oswald de Andrade publicou no jornal “Correio da Manhã” o “Manifesto Pau-Brasil”. O texto de um dos principais representantes da primeira fase do Modernismo brasileiro propõe uma arte de acordo com a realidade e com a cultura popular.

“O Manifesto Pau-Brasil foi um movimento de derrubada mesmo, de um padrão, de um modelo. Então a gente pode dizer que essa é a primeira grande contribuição: diminuir ou erradicar ao máximo a influência estrangeira, buscando assim uma expressão artística mais autêntica, mais original”, explica o professor de língua portuguesa e literatura Claudio Caus.

Caus afirma que o assunto é tratado geralmente no 3º ano do ensino médio, e os poemas de Oswald de Andrade são bastante solicitados em vestibulares. Para o professor, essa é uma oportunidade para se trabalhar com redações baseadas na escrita criativa como forma de aumentar a autoestima de adolescentes e jovens em relação ao próprio texto.

“Mostrar que eles [alunos] têm expressão, que eles podem utilizar a linguagem que eles conseguiram dominar até então. Valorizar o que eles já possuem e, ao mesmo tempo, também mostrar que eles podem aprender mais de maneira lúdica, estimulando a criatividade. Então, a possibilidade que a gente tiver de usar esses autores para experimentar formas e vocabulários diferentes, além das próprias temáticas, é de uma riqueza inestimável”, defende.

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Professor Claudio Caus cita o quadro “Morro da Favela”, de Tarsila do Amaral, como uma das obras de arte que retratam aspectos do Manifesto Pau-Brasil: a diversidade e riqueza cultural popular (crédito: reprodução)

Inicialmente voltado à estrutura do texto poético, o “Manifesto Pau-Brasil” rompe com a influência estrangeira ao valorizar um jeito de falar e escrever percebido também na construção do texto. Caus explica que o professor pode abordar o manifesto também nas aulas de língua portuguesa por meio dos poemas de Oswald de Andrade.

“O nível de síntese que eles alcançam, de reflexão que eles provocam e de provocações que eles fazem é de fato mais apreciável para as aulas de literatura brasileira, também as aulas de gramática, em que a gente pode refletir também sobre as variedades linguísticas”, aponta o docente.

Em artes, Claudio Caus indica abordar os quadros “Morro da Favela” e “No Carnaval do Rio” da artista plástica brasileira Tarsila do Amaral, uma vez que essas obras apresentam grande influências dos ideais do manifesto.

“[Os quadros remetem a] essa diversidade, miscigenação, riqueza cultural popular, com referências ao cubismo, mas, ao mesmo tempo, quebrando um pouco daquilo que se entende por cubismo, com cores muito fortes, bem coloridas, retratando aí a brasilidade”, analisa o especialista.

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Crédito da imagem: Quadro “Morro da Favela”, de Tarsila do Amaral – Reprodução

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Claudio Caus:

E a ideia agora era produzir algo que fosse artístico, cultural, que fosse bem pensado e exportado, como 500 e tantos anos atrás aconteceu com a nossa madeira. Então, uma arte aí de valorização daquilo que é popular e também da linguagem coloquial, de uma linguagem bem brasileira mesmo, não uma linguagem em língua portuguesa erudita, afetada, baseada no modelo português.

E pode-se dizer que o Oswald abriu aí uma frente pra que a gente estude, né, entenda, principalmente nas aulas de literatura – a movimentação, a evolução, a transformação dos movimentos estéticos -, que particularmente, neste caso, provocaram uma grande ruptura. Então, muitas reflexões são possíveis, são pertinentes a respeito disso.

Meu nome é Cláudio Caus. Eu sou professor de língua portuguesa e literatura há mais de 20 anos. Trabalho predominantemente com cursinhos pré-vestibulares.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

O “Manifesto Pau-Brasil” foi criado por Oswald de Andrade e publicado no jornal “Correio da Manhã” em março de 1924. No documento, um dos principais representantes do Modernismo defende uma literatura que apresente a realidade e a cultura do povo brasileiro.

Claudio Caus:

O Manifesto Pau-Brasil foi um movimento de derrubada mesmo de um padrão, de um modelo. Então a gente pode dizer que essa é a primeira grande contribuição: diminuir ou erradicar ao máximo a influência estrangeira, né, passiva na poesia brasileira, rejeitando aí qualquer tipo de imitação de cópia servil, portanto, buscando assim uma expressão artística mais autêntica, mais original. Então esse seria o primeiro ponto, né, romper com a tradição.

Marcelo Abud:

A ideia apresentada no documento é a de revelar para o mundo uma arte genuinamente brasileira.

Claudio Caus:

Se não é mais a influência europeia, o que que a gente vai colocar no lugar, então? Aquilo que é o mais brasileiro possível, não uma visão idealizada dos indígenas, por exemplo, da natureza exuberante brasileira, mas uma visão mais crítica e também mais bem-humorada, no tom irônico, mordaz do manifesto, bem, como também, nos próprios poemas que ele criou, né, sob esse título de Pau-Brasil.

Então, a ideia é valorizar aquilo que é a cultura popular em detrimento da erudita, não rejeitar completamente erudita, mas, de certa forma, enlameá-la. Eu gosto muito disso, né, de tirar do pedestal e misturar com o popular. Essa carnavalização, entre aspas, que buscasse trazer à tona, dar maior visibilidade para aquilo que é de matriz africana e, principalmente, indígena.

Marcelo Abud:

Claudio Caus afirma que, na escola, o assunto é tratado geralmente no terceiro ano do ensino médio e que os poemas de Oswald de Andrade são bastante solicitados em vestibulares.

Claudio Caus:

O nível de síntese que eles alcançam e de reflexão que eles provocam e de provocações que eles fazem é de fato mais apreciável para as aulas de literatura brasileira, também as aulas de língua portuguesa, de gramática, entre aspas, em que a gente pode refletir também sobre as variedades linguísticas, né? O que é uma variedade popular? O que que é uma variedade social? O que que é uma variedade histórica? Em comparação com aquilo que é imposto pela norma padrão para refletir sobre isso também, né?

Para, a partir da poesia, assim como também da coleta, o uso real da língua, o uso que a gente faz no dia a dia, pra refletir sobre até que ponto a normatividade tem jurisdição, né, sobre o bem falar, o bem escrever e até que ponto outros contextos exigem outras variedades, onde a norma padrão não cabe, que ela não pode contemplar.

São poemas que ajudam a problematizar isso, né? Mostrar que olha, não é que as pessoas falam errado hoje, o Oswald, entre outros, já está registrando essas transformações da língua já há mais de cem anos. Não é de ontem. Tem gente que ainda entende que a língua portuguesa, a gramática, tem que ser a gramática purista, formal, quando você fala de variedade, já acha que está ensinando errado. Então é muito difícil quebrar esses preconceitos ainda hoje, né? Esses preconceitos linguísticos.

Marcelo Abud:

O professor utiliza e indica o estudo do Manifesto Pau-Brasil como uma forma de estimular a escrita criativa entre estudantes.

Claudio Caus:

Também é possível utilizar isso em todos os níveis, inclusive, né, mas principalmente nos mais avançados, esses textos altamente originais e criativos do Oswald e de outros modernistas para técnicas de escrita criativa que permitam refletir as opções estéticas que eles fizeram e como isso pode fazer as pessoas serem mais hábeis no uso da própria língua escrita e falada dela também. Criar o seu próprio estilo, inclusive.

Então, através da escrita criativa, o que que a gente entende, né? Que seria legal diversificar o corpus de leitura, para que as pessoas possam ler textos diferentes, pessoas diferentes, de fontes diferentes, de épocas diferentes. Daí a importância da literatura, né? Então seria um consumo ativo dela, não só passivo. E, ao mesmo tempo, que ela pudesse escrever textos nos mais diversos formatos, não reproduzindo o estilo daquela pessoa, mas usando aquilo pra criar o próprio estilo dela. Então, desenvolvendo aí a sua criatividade, o seu estilo, a sua percepção de mundo, as suas reflexões a respeito do processo de se colocar as ideias e os sentimentos no papel.

Marcelo Abud:

Claudio Caus aponta a escrita criativa como aquela que foge dos modelos formais e busca brincar com inúmeras formas literárias ou não-literárias. Isso gera um vínculo afetivo com o ato de escrever para que, a partir daí, estudantes possam dominar algumas fórmulas de redação. O professor defende que essa é uma maneira de aumentar a autoestima de adolescentes e jovens.

Claudio Caus:

Mostrar que eles têm expressão, que eles podem utilizar a linguagem que eles conseguiram dominar até então. Quer dizer, valorizar o que eles já possuem e, ao mesmo tempo, também mostrar que eles podem aprender mais de maneira lúdica, estimulando a criatividade. Então, a possibilidade que a gente tiver de usar esses autores para experimentar formas e vocabulários diferentes, além das próprias temáticas, eu acho assim de uma riqueza inestimável.

Marcelo Abud:

O Manifesto Pau-Brasil tem como ponto de partida a poesia, mas logo influencia outras áreas. Isso faz com que o tema possa ser abordado também, por exemplo, em aulas de artes.

Claudio Caus:

Também é possível levar para outros campos, de história da arte, já que envolve também algumas artes plásticas – quadros da Tarsila, né, “Morro da Favela”, “No Carnaval do Rio”, entre outros que retratam isso que o Oswald de Andrade levou para a poesia, né? Essa diversidade, essa miscigenação, essa riqueza cultural popular, com referências ao cubismo, mas, ao mesmo tempo, quebrando um pouco daquilo que se entende por cubismo, com cores muito fortes, bem coloridas, retratando aí a brasilidade.

Também na escultura Victor Brecheret, na música, o Heitor Villa-Lobos, e também na sociologia, antropologia, estudos culturais, que a gente consegue perceber também a maneira com que outras culturas, né, eram vistas por essas pessoas nessa época.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

O Manifesto Pau-Brasil representa o início da busca por uma arte verdadeiramente brasileira. Para Claudio Caus, tratar do tema em sala de aula é uma forma de valorizar o estilo e a criatividade de cada estudante. O professor acredita que, dessa forma, é possível fazer com que se vença o medo de se expressar ao falar ou escrever.

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

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