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Olavo Bilac chegou ao fim de seus dias antes de terminar de revisar o livro “Tarde” , que aparece na lista de livros do vestibular da Universidade Estadual de Campinas em 2022. Pertencente ao parnasianismo – escola literária pautada pela criação de poesias que valorizavam o rigor da métrica e a linguagem culta – o poeta sofreu forte oposição dos modernistas.

“Era um movimento ‘alienado’. Nesse sentido, de não se envolver com as grandes questões sociais. Se você soma isso à questão da preocupação formal, dos poemas muito bem rimados e metrificados, pronto, a gente tinha exatamente tudo aquilo que o modernismo queria combater”, resume o professor e autor do material de literatura do Sistema Anglo de Ensino Eduardo Calbucci.

O título do livro faz menção à luz crepuscular e diversos poemas se referem ao entardecer como metáfora para morte e crepúsculo. “Não é mais a manhã, é a tarde, quer dizer, é perto do anoitecer. Como se fosse realmente uma sugestão do final da própria vida”, explica Calbucci, ouvido pelo Instituto Claro nesta edição do podcast Livro Aberto.

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Transcrição do Áudio

Música: “Alvorada (Aurora Luminosa: música brasileira no alvorecer do séc.XX)”, de Antônio Carlos Gomes, de fundo

Eduardo Calbucci:
“Tarde” é um livro da maturidade do Olavo Bilac. O tema da passagem do tempo, da morte – aliás, o próprio nome do livro, “Tarde”, – tem uma espécie de representação dos momentos do dia mesmo, não é? Não é mais a manhã, é a tarde, quer dizer, é perto do anoitecer. Como se fosse realmente uma sugestão do final da própria vida.
Eu sou Eduardo Calbucci, professor e autor do material de literatura do Sistema Anglo de Ensino.

Som de página de livro sendo virada

Vinheta: Livro Aberto – obras e autores que fazem história

Música “Alvorada (Aurora Luminosa: música brasileira no alvorecer do séc.XX)”, de Antônio Carlos Gomes, de fundo

Marcelo Abud:
Olavo Bilac é reconhecido mais fora do Brasil do que em nosso país. O fato de pertencer ao Parnasianismo faz com que sua obra tenha sido refutada pelos modernistas.

Eduardo Calbucci:
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac é, em certa medida, um injustiçado. Ele pertence a um movimento literário chamado Parnasianismo, que foi muito popular em alguns lugares do mundo, basicamente a França e o Brasil, na virada do século XIX para o século XX. E o que acabou sendo visto pelos modernistas de 1922 como um movimento exageradamente conservador, exageradamente tradicionalista. E parece que o Modernismo se voltava contra aquilo que o Parnasianismo defendia.

Música: “Ouvir Estrelas”, com Kid Abelha
Direis ouvir estrelas
Certo perdeste o senso

Eduardo Calbucci:
E talvez, por influência desses ideais modernistas, algumas pessoas diminuíram a importância do Olavo Bilac no cenário brasileiro. Mas a verdade é que ele está naquele panteão dos maiores poetas brasileiros, ao lado de Gregório de Matos, de Tomás Antônio Gonzaga, de Gonçalves Dias, de Drummond, de Bandeira, de João Cabral de Melo Neto. Tanto é verdade que passados – digamos assim, aqueles primeiros anos modernistas – muitos dos poetas, como Mário de Andrade ou como Manoel Bandeira, faziam questão de reconhecer a importância do Olavo Bilac.

Marcelo Abud:
Ao estudarmos as primeiras escolas literárias brasileiras: o Barroco, o Arcadismo, o Romantismo… percebemos que há uma sequência quase sempre linear. Um movimento surge após o outro. No final do século 19, isso começa a mudar.

Eduardo Calbucci:
E a gente começa a ter movimentos estéticos coexistindo, porque o Realismo, no Brasil, foi um movimento basicamente de prosa. Os grandes escritores do nosso Realismo – Aluísio Azevedo, Raul Pompeia e, principalmente, o Machado de Assis – eram romancistas, eram contistas, eram novelistas. A gente não teve, propriamente, no Brasil, uma poesia realista, o que fez com que houvesse espaço pra que, na mesma época, surgissem movimentos eminentemente poéticos. Basicamente dois deles: o Simbolismo e o Parnasianismo. Ambos foram importados da França.

Marcelo Abud:
O Simbolismo se espalha mais pelo mundo do que o Parnasianismo, que, no Brasil, ganha espaço devido à influência que a cultura francesa exercia em nosso país, no final do século 19.

Eduardo Calbucci:
E o Parnasianismo, de um lado, é parente do Realismo, porque ele também propõe a objetividade, tenta negar o excesso de egocentrismo, de individualismo e de subjetividade do Romantismo. Mas enquanto o Realismo ia pra uma perspectiva mais crítica, o Parnasianismo fugia completamente da crítica social. Essa objetividade era uma tentativa de voltar a um modelo de arte pela arte, de voltar a uma arte de influência clássica, de influência neoclássica. A ideia de você valorizar o objeto artístico pela sua beleza e não por aquilo que ele pudesse representar de mudança da sociedade. Então era um movimento – a gente pode usar essa palavra com algumas aspas – “alienado”. Nesse sentido, de não se envolver com as grandes questões sociais. Se você soma isso à questão da preocupação formal, dos poemas muito bem rimados e metrificados, pronto, a gente tinha exatamente tudo aquilo que o Modernismo queria combater.

Música: “Língua” (Caetano Veloso), com Gal Costa
Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões

Eduardo Calbucci:
Mas é estranho a gente criticar o Parnasianismo, né, com valores posteriores ao Parnasianismo. Seria um caso de anacronismo. A verdade é que o movimento chegou ao Brasil com muita força no final do século XIX e encontrou, sem dúvida alguma, em Olavo Bilac, o seu mais importante representante.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O professor apresenta alguns motivos que ligam o título “Tarde” aos temas das poesias escritas por Bilac.

Eduardo Calbucci:
A figura da luz crepuscular é muito forte, tanto que a gente tem diversos poemas no livro que fazem referência explícita ao entardecer: Crepúsculo na Mata, Crepúsculo da Beleza, Crepúsculo dos Deuses, Sonata ao Crepúsculo. Então, embora seja um livro de poemas, em que cada texto tem a sua unidade, a gente percebe alguns temas que transcendem apenas aquele poema. Esse tema da passagem do tempo, do entardecer, da morte e do crepúsculo, realmente são muito fortes pra compreender a obra do Bilac. Até porque a gente entende isso como essa manifestação de maturidade; essa maturidade de entender a passagem do tempo como algo absolutamente natural.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Calbucci aposta na importância do soneto como possível questão em provas de vestibular.

Eduardo Calbucci:
E essa forma poética é uma forma rígida, sempre com 14 versos, 2 quartetos, 2 tercetos; e o soneto mais tradicional tem 10 sílabas poéticas. Mas os parnasianos, especialmente, gostam muito do verso alexandrino, do verso do dodecassílabo. Então o Bilac ele meio que divide, digamos assim, praticamente metade dos sonetos são decassílabos, metade são dodecassílabos. Agora, ele vai além daquilo que seria o soneto tradicional, então ele dialoga com essa forma, mas ele inova também. Eu acho que é importante dizer isso.

Marcelo Abud:
A chamada chave de ouro é um dos recursos presentes nos sonetos.

Eduardo Clabucci:
Ela é um resumo dos ideais daquele poema. Então, quando a gente pega, por exemplo, o “Música Brasileira”, que termina, né, com o célebre verso “a flor amorosa de três raças tristes”, a gente tem isso, né, a chave de ouro tem esse poder de síntese e ao mesmo tempo de beleza. E acho que o Bilac usa isso com sabedoria, sem excessos.

Som de página sendo virada

Marcelo Abud:
Calbucci lê e analisa a primeira estrofe do poema “A um Poeta”, que também já foi publicado com o título de “A um Artista”.

Eduardo Calbucci:
É um poema quase didático pra entender o Bilac e o Parnasianismo, em que ele diz:

“Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”

Som de página de livro sendo virada

Eduardo Calbucci:
Olha que interessante o que ele diz, né, “longe do estéril turbilhão da rua”. A primeira característica da poética parnasiana é escrever ‘longe da rua’. Os conflitos sociais não interessam e isso está muito claro. “Beneditino, escreve!”, então o poeta está sendo comparado com um monge beneditino, que lá do “aconchego do claustro”, não é, da sua cela, no mosteiro, ‘escreve’. E aí o ato de escrever é um ato de trabalho, não é um ato de inspiração. Por isso que ele diz “trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”. Ou seja, é uma poesia absolutamente produzida com esforço. É uma definição de poética parnasiana. O vocabulário mais elaborado, ‘estéril’, ‘claustro’, acho que tudo isso faz dessa estrofe um exemplo muito forte daquilo que foi o Bilac e daquilo que representa o “Tarde” pra literatura brasileira.

Música “Alvorada (Aurora Luminosa: música brasileira no alvorecer do séc.XX)”, de Antônio Carlos Gomes de fundo

Marcelo Abud:
Com uma poesia que privilegiava a arte pela arte, incluindo jogos de rimas muito bem pensados e métrica rigorosa, Olavo Bilac demonstra um domínio singular da escrita.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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