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Em janeiro de 1822, dom Pedro I anunciou que permaneceria no Brasil. Conhecido como Dia do Fico, esse momento da história é considerado de extrema importância para o processo que culminou na independência do país, em 7 de setembro daquele mesmo ano. “O Dia do Fico começa a ser desenhado quando dom João já está em Portugal e as cortes começam a enviar cartas, decretos restringindo a autonomia de dom Pedro enquanto príncipe regente”, afirma o doutorando em História pela FGV, mestre em História pela Universidade Salgado de Oliveira e professor da rede municipal do Rio de Janeiro Felipe Castanho Ribeiro.

Dia do fico 200 anos
Ilustração de Rita Bromberg Brugger para a edição juvenil ilustrada de “1822”, de Laurentino Gomes (crédito: reprodução/Globo Livros)

Contexto e consequências

A vinda da família real para o Brasil em 1808 havia proporcionado diversas liberdades comerciais. A elite agrária, ao sentir que perderia os direitos adquiridos, articulou, assim, um movimento pela permanência de D. Pedro I.

“É criado um manifesto com 8 mil assinaturas. É muita gente se pensamos que no Rio de Janeiro, na época, havia cerca de 100 mil habitantes e quase 90% deles eram analfabetos”, aponta o doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo, professor do ensino médio e youtuber Túlio Augustus Silva e Souza.

laurentino gomes
O jornalista e escritor Laurentino Gomes (crédito: divulgação)

O áudio ainda traz a participação do escritor e jornalista Laurentino Gomes, que demonstra que este período histórico é um dos que desmente o mito de que o povo brasileiro é pacífico e cordial. “Quando você olha para o passado, vê que houve muito sangue, muita confusão, muita rebelião, muita revolução e muitas mortes. Então, por exemplo, houve uma longa Guerra da Independência no Norte/Nordeste. A minha estimativa é que cerca de três mil pessoas morreram, lutando pela independência do Brasil”, observa.

Veja mais:

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Plano de aula – A coroação de D. Pedro II e o Segundo Império no Brasil

Transcrição do Áudio

Música: “Cantata Herói, Egrégio, Douto, Peregrino” (Anônimo da Bahia, 1759), Ária

Túlio Augustus:
O Dia do Fico tem contornos de um maior anseio por participação política. Então, a criação do “clube da resistência”, com o propósito de fazer a campanha para que dom Pedro ficasse é um lampejo de uma entidade da sociedade civil, que é algo muito comum hoje na democracia, mas que naquela época era algo raríssimo, né?
Eu sou Túlio Augustus Silva e Souza, sociólogo pela Universidade Federal de Goiás, tenho mestrado pela Universidade de Brasília e doutorado, também em sociologia, pela Universidade de São Paulo. Leciono no ensino médio e mantenho um canal no youtube.

Felipe Castanho:
Todo mundo que finaliza a educação básica sabe o que foi o Dia do Fico. Isso faz parte do processo de construção de uma memória. Então, é importante você analisar o Dia do Fico inserido dentro do processo de construção da independência do Brasil.
Meu nome é Felipe Castanho Ribeiro, professor de história na rede pública do município do Rio de Janeiro, doutorando pela Fundação Getúlio Vargas.

Laurentino Gomes:
A forma como nós olhamos o passado, muda o passado e geralmente isso reflete necessidades do presente. A história é um instrumento de construção de identidade. É olhando o passado que nós formamos a nossa identidade do presente.
Eu sou o escritor Laurentino Gomes, autor dos livros 1808, 1822 e 1889.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
O Dia do Fico faz referência ao momento em que dom Pedro I decide permanecer no Brasil. A data é considerada de grande importância para a História do país, por marcar o início de um processo que resulta na independência do país. Os antecedentes deste Dia remetem a setembro de 1821.

Felipe Castanho:
O Dia do Fico ele começa a ser desenhado quando dom João já está em Portugal e as Cortes começam a enviar cartas, decretos restringindo a autonomia de dom Pedro enquanto príncipe regente; dois decretos, o 124 e o 125 ‘ordenava’ o retorno de dom Pedro I pra Portugal. Em dezembro chegam novas cartas das Cortes, tirando mais autonomia de dom Pedro I…

Túlio Augustus:
Na prática, esses atos falavam o seguinte: deveriam ser criadas juntas provisórias em todas as províncias brasileiras. Províncias era como os Estados eram chamados na época. E, além disso, deveriam ser criado governador de armas, que seriam autoridades nomeadas por Lisboa que teriam a palavra final sobre o comando militar. Essas medidas – junto de outras – retiravam muito do poder do dom Pedro I e tornavam a presença dele no Brasil meio inútil.

Música: “Não uso sapato” (Alexandre Magno Abrao / Renato Peres Barrio / Luiz Carlos Leao Duarte Junior / Marco Antonio Valentim), com Charlie Brown Jr.
Se você pisar na bola, aí muleque tu vai ser cobrado

Túlio Augustus:
Havia esse sentimento na elite portuguesa de que dom Pedro era um despreparado, né? Ele era chamado de “o brasileiro”. Ele era nascido em Portugal, mas chamá-lo de brasileiro era uma maneira bastante pejorativa de tratá-lo. Ele era chamado ainda de “o rapazinho”, assim, era como dizer que ele era um moleque, na época.

Laurentino Gomes:
Era um homem com pouca experiência política; tinha sido abandonado pelo pai no Rio de Janeiro, sozinho, submetido a uma pressão poderosa; o apoio que ele recebe do José Bonifácio e da Leopoldina fazem com que esse homem, aos trancos e barrancos, meio que por improvisão, por um processo de transformação muito acelerado, se torne o herói da independência.

Felipe Castanho:
E nisso tudo a gente tem como contexto as elites políticas, que reagem a cada determinação nova da Corte e começa-se um burburinho de que dom Pedro deveria ficar e não obedecer a ordem das Cortes de voltar para Portugal.
Há uma leitura das elites políticas que estão no Brasil nesta época de que o status quo retornaria àquele mesmo antes da chegada de Dom João VI, em 1808.

Túlio Augustus:
A elite brasileira rapidamente reconhece nisso uma interferência na sua autonomia e se mobiliza de uma maneira muito ferrenha… é criado o clube da resistência, que é uma entidade que visava promover a permanência do dom Pedro aqui. É criado um manifesto e nesse manifesto constam 8 mil assinaturas, né? É gente ‘pra caramba’ se a gente pensar que no Rio de Janeiro, na época, havia cerca de 100 mil habitantes. Cerca de 90% deles eram analfabetos. Deveria ter um monte de nome inventado nesse manifesto. Dom Pedro estava vivendo um conflito interno ali. De um lado tinha a obediência ao seu pai e a obediência à Coroa portuguesa, lembrando que ele próprio era um português, e do outro lado este instinto de sobrevivência que dizia pra ele, olha, que se ele saísse do Brasil, ele ia perder o seu poderio de uma vez por todas.

Felipe Castanho:
Numa sessão do Senado ele proclama a intenção de ficar. Nos autos dessa sessão no dia, na primeira versão ele teria dito que “Convencido de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa, e convencido de que a vontade de algumas províncias assim o requer, demorarei a minha saída até que as cortes e meu augusto pai senhor deliberem a esse respeito com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido”. A gente lê aqui que ele somente está postergando o retorno.
No mesmo documento tem um post scriptum e aí vem a seguinte frase, que é a que acaba ficando para os livros; para a própria memória da constituição da nação “como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico!”

Túlio Augustus:
Então essa famosa frase ela só sai, oficialmente falando, nas publicações do dia 10 de janeiro. Aí sim dom Pedro resolve ficar de vez, mas ele estava num conflito, num debate interno. E o Dia do Fico, oficialmente falando, é o dia 10 de janeiro e não o dia 9, porque foi no dia 10 que de fato se consumou essa frase famosa “diga ao povo que fico”.

Marcelo Abud:
O professor Túlio Augustus destaca que, em termos de Sociologia, o Dia do Fico traz uma nova visão sobre brasilidade.

Túlio Augustus:
Até então ser um bom brasileiro era ser um súdito fiel e leal à Coroa portuguesa. A partir daquele momento, no entanto, ser um bom brasileiro pode significar se rebelar contra Portugal, né? Ter um ato de rebeldia contra a Coroa portuguesa passa a ser sinônimo de um gesto patriótico. Isso tem uma mudança política grande, né, e isso vai construindo um entendimento socialmente aceito que muda muito a mentalidade do brasileiro naquela época e que vai construindo a formação, esse sentimento de nacionalidade.

Música ou hino: “Hino da Independência” (Dom Pedro I / Evaristo Da Veiga)
Brava gente brasileira!
Longe vá, temor servil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil

Marcelo Abud:
O escritor e jornalista Laurentino Gomes cita que o Dia do Fico dá início ao processo que resultará na independência do Brasil. Este período histórico é um dos que demonstra que é um mito a sensação de que o povo brasileiro é pacífico e cordial.

Laurentino Gomes:
O brasileiro aceitaria as transformações políticas sem sangue, sem sofrimento. Isso não é verdade. Quando você olha para o passado, você vê que houve muito sangue, muita confusão, muita rebelião, muita revolução e muitas mortes. Então, por exemplo, na Guerra da Independência, não foi apenas um acordo entre a dinastia de Bragança, entre dom Pedro e o dom João VI que viabilizou uma transformação sem sofrimento. Houve uma longa Guerra da Independência no Norte/Nordeste. A minha estimativa é que cerca de três mil pessoas morreram, lutando pela independência do Brasil.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
O Dia do Fico, em janeiro de 1822, marca a adesão do príncipe D. Pedro I aos ideais libertários e colabora com a luta pela independência do Brasil.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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