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Escrito no final do século XVIII, o principal livro do poeta luso-brasileiro Tomás António Gonzaga, ‘Marília de Dirceu’, entrou na lista das leituras para a prova da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest 2024). Este podcast traz uma análise da obra com dicas para o professor que pretenda abordar seu contexto em sala de aula.

A obra é dividida em dois momentos. No primeiro, o contexto é característico do arcadismo. Bucolismo, culto à natureza e à simplicidade são algumas das marcas deste movimento literário no Brasil. “O livro ‘Marília de Dirceu’ nasce de um contexto amoroso da vida do poeta, em que ele faz poemas convidando a menina, bem mais nova do que ele, a gozar dos prazeres do amor. Só que, atendendo a princípios poéticos daquela época, ele não se declara o juiz Tomás António Gonzaga. Ao invés disso, constrói uma personalidade poética de um pastor, Dirceu, e ela, por sua vez, passa a ser a pastorazinha Marília”, explana o professor do curso Anglo Vestibulares Paulo Oliveira.

Prisão e pré-romantismo

Todo em versos, ‘Marília de Dirceu’ tem caráter autobiográfico. Assim como o eu-lírico da narrativa, Gonzaga foi preso em 1789 pela participação na Inconfidência Mineira e condenado ao exílio em Moçambique, o que o afastou de sua musa. Pesquisadores apontam que o segundo momento da obra, a parte final, teria sido escrita no cárcere, o que traz um tom mais subjetivo e aproxima os versos de um estilo pré-romantismo.

“É como se o homem Tomás António Gonzaga, que estava preso, começasse a ficar cada vez mais nítido por detrás daquela máscara do pastor Dirceu. Todo esse subjetivismo, toda essa carga de pessoalidade que os poemas apresentam, já está abrindo caminho para toda aquela exacerbação sentimental que a gente vai ver no romantismo já no andamento do século XIX”, explica o professor.

No áudio, Paulo Oliveira aponta as características, analisa o que pode ser solicitado no vestibular e lê um trecho da obra.

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Transcrição do Áudio

Música: “il Trionfo d’Amore”, de Francisco António de Almeida, fica de fundo

Paulo Oliveira:
O livro ‘Marília de Dirceu’ é um conjunto de várias liras. A lira é uma forma poética muito melodiosa e que não tem uma rigidez como a gente vê, por exemplo, no soneto. Ela foi muito praticada pelo Tomás António Gonzaga, e o arcadismo tem justamente esta característica, sabe, de explorar o bucolismo. Os poemas são ambientados no campo e o autor, – embora em sua vida civil, em sua vida real, fosse um juiz -, ele adquire a personalidade poética de um simples pastor.
Olá, eu sou Paulo Oliveira, professor do curso Anglo Vestibulares e do colégio Anglo São Paulo.

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Música: “il Trionfo d’Amore”, de Francisco António de Almeida, fica de fundo

Marcelo Abud:
“Marília de Dirceu” é a obra mais conhecida do poeta luso-brasileiro Tomás António Gonzaga. O longo poema lírico foi publicado em Lisboa, no final do século 18, e é considerado uma das obras mais importantes do arcadismo.

Paulo Oliveira:
O livro ‘Marília de Dirceu’ nasce de um contexto amoroso da vida do poeta, em que ele faz poemas convidando a menina, bem mais nova do que ele, a gozar dos prazeres do amor. Só que, atendendo a princípios poéticos daquela época, em seus poemas, ele não se declara o juiz Tomás António Gonzaga. E nem ela, a moça a quem ele dirige seus poemas lírico-amorosos, será a rica Maria Joaquina Dorotéia de Seixas Brandão.
Em seus poemas, ele constrói uma personalidade poética de um pastor, Dirceu, e ela, por sua vez, passa a ser a pastorazinha Marília. E dessa maneira nasce um dos livros lírico-amorosos mais deliciosos da nossa literatura, o livro ‘Marília de Dirceu’.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
A primeira parte da obra traz a exaltação à beleza da amada e da natureza.

Paulo Oliveira:
Podemos considerá-la tipicamente arcade, com todos aqueles clichês, como ‘carpe-diem’, que é ‘vamos aproveitar a vida, porque nós vamos morrer’, ou o ‘locus amoenus’, que é aquela ambientação num ambiente agradável, bucólico, ou, ainda, o ‘aurea mediocritas’, que é a proposta de se levar uma vida equilibrada, no meio-termo, sabe?, sem querer ser rico demais ou pobre demais.

Música: “Marília de Dirceu – Lira I” (Composição de Rudi Vilela sobre poema de Tomás Antônio Gonzaga), com Rudi Vilela
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.

Marcelo Abud:
A simplicidade, o bucolismo e o pastoralismo marcam a primeira parte do livro. Essa ambientação ganha o acréscimo de deuses da mitologia greco-latina.

Paulo Oliveira:
Então, essa presença da mitologia se manifesta por um convívio, às vezes problemático, com o deus Amor – Amor personificado, Amor com letra maiúscula- que muitas vezes é também chamado de Cupido.
E é muito interessante a gente ver como o deus Cupido é representado: uma criança, cega, de asas nas costas e arco e flecha e aljava.

Música: “Marília de Dirceu – Lira II” (composição de Douglas Sousa Costa sobre poema de Tomás Antônio Gonzaga), com Douglas Sousa Costa
Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes, que lhe dão.

Paulo Oliveira:
Agora o que é interessante, às vezes as pessoas não se lembram disso, o Cupido é uma criança arteira, levada, maligna, ou seja, essa criança ela se diverte com o que faz com os apaixonados. Parece que tem prazer em ver, digamos assim, as angústias, os sofrimentos e, também, claro, a dedicação dos amantes entre si.

Música: “Marília de Dirceu – Lira II” (composição de Douglas Sousa Costa sobre poema de Tomás Antônio Gonzaga), com Douglas Sousa Costa
Nem é moço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.

Som de página sendo virada

Marcelo Abud:
Na segunda parte, um tom mais subjetivo prevalece. Para muitos estudiosos, essas liras podem ser classificadas como pré-românticas.

Paulo Oliveira:
E por que isso? Tomás António Gonzaga foi preso no ano de 1789 pela sua participação na Inconfidência (Mineira). Ficou encarcerado por 3 anos, ao fim dos quais ele recebeu a condenação de degredo para Moçambique.
Bem, a segunda parte da ‘Marília de Dirceu’ – ao que parece, no que acreditam os biógrafos – foi escrita na cadeia e os poemas, de fato, vem carregados dessa informação. São poemas – os da segunda parte – com intensidade passional maior que o da primeira. Um subjetivismo maior.
É como se o homem Tomás António Gonzaga, que estava preso, começasse a ficar cada vez mais nítido por detrás daquela máscara do pastor Dirceu. Todo esse subjetivismo, toda essa carga de pessoalidade que os poemas apresentam, já está abrindo caminho para toda aquela exacerbação sentimental que a gente vai ver no romantismo já no andamento do século 19.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
No vestibular, o contexto da Inconfidência Mineira também pode aparecer.

Paulo Oliveira:
Na medida em que a segunda parte da obra refere-se toda ela a uma situação de um encarcerado, de um enunciador que está numa triste masmorra de um ‘semivivo corpo sepultura’, como ele mesmo diz. Então, nesse sentido, a Inconfidência Mineira aparece, não de maneira direta, mas ela estrutura o livro. Lembrando que pastor Dirceu está numa masmorra e isso é, digamos assim, um espelhamento da situação biográfica de Tomás António Gonzaga.

Marcelo Abud:
O professor escolhe, comenta e lê um trecho do livro.

Paulo Oliveira:
A poesia clássica ela é carregada de sutis erotismos e o livro ‘Marília de Dirceu’ tem isso também. Marcado pelo ‘carpe-diem’, ele convida a moça para colocar uma coroa de flores na cabeça. A flor é um símbolo da extrema beleza, mas também da extrema brevidade. Colocar uma coroa de flores na cabeça significa coroar-se da consciência da passagem do tempo e, diante dessa constatação, o pastor Dirceu convida a moça para amar. Os versos são esses:
(som de página sendo virada) ‘Ornemos nossas testas com as flores,
e façamos de feno um brando leito; prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos amores. Sobre as nossas cabeças, sem que o possam deter, o tempo corre; E para nós o tempo, que se passa; Também, Marília, morre’.

Música: “il Trionfo d’Amore”, de Francisco António de Almeida, fica de fundo

Marcelo Abud:
O tom de melancolia e solidão cresce ao longo do livro. Dirceu, assim como Tomás António Gonzaga, é exilado e passa a transformar em tristes liras a saudade que sente da amada.
Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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