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O livro “Mensagem” foi o único de poemas publicado durante a vida de Fernando Pessoa. Lançado menos de um ano antes da morte do poeta português, em dezembro de 1934, a obra é uma homenagem ao país em que nasceu. Os textos estão na lista do próximo exame da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest).

“Portugal, de Fernando Pessoa, é mais um destino da humanidade. Se o homem não ousa, se ele não busca essa coisa que transcende de algum modo a própria vida dele, ele não vai além de um cadáver adiado”, define o escritor e professor de literatura do Anglo Vestibulares Henrique Balbi. Ouvido nesta edição do Livro Aberto, o pesquisador destaca a influência de “Os Lusíadas”, de Camões, na obra de Pessoa. No entanto, aponta também as peculiaridades do estilo do poeta que foi responsável pela introdução do modernismo em Portugal.
Além da análise do professor, o podcast traz trechos de poemas do livro lidos pelo ator Fernando Silveira e musicados por André Luiz Oliveira.

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Transcrição do Áudio

Música: Fado, de Reynaldo Bessa, de fundo
Henrique Balbi:
Portugal, de Fernando Pessoa, é mais um destino da humanidade. Se o homem não ousa, se ele não busca essa coisa que transcende de algum modo a própria vida dele, ele não vai além, né, muito mais do que um cadáver adiado. Alguém que já meio que morreu, mas só falta a própria morte encontrá-lo.
Meu nome é Henrique Balbi, eu sou escritor e professor de literatura e interpretação de texto. Eu trabalho no Anglo e atualmente eu estou fazendo doutorado em literatura brasileira na USP.

Vinheta: Livro Aberto – Obras e autores que fazem história

Música: Fado, de Reynaldo Bessa, de fundo
Marcelo Abud:
‘Mensagem” foi o único livro de poemas publicado durante a vida de Fernando Pessoa. Lançado em dezembro de 1934, a menos de um ano da morte do poeta, é uma homenagem de Pessoa à sua pátria.

Henrique Balbi:
Nessa década de 1930 tinha uma crescente politização da literatura e, no caso específico do Fernando Pessoa, a gente está falando de um país, de Portugal, que acabou de entrar numa ditadura de inspiração fascista. E os temas do “Mensagem”, a princípio, reverberariam com algumas preocupações do fascismo, como o nacionalismo – é um livro que coloca Portugal num destino heroico, divino. Mas, curiosamente, a perspectiva do Fernando Pessoa é bastante diferente. Ele, num primeiro momento, até simpatizou um pouco ali com o Salazar, o ditador fascista, português, da época – mas, rapidamente, viu que não tinha nada a ver com as aspirações dele… Então, embora tenha essa semelhança superficial, quando a gente olha um pouco mais a fundo, as diferenças ficam muito mais explícitas, né?

Música: Nevoeiro (Fernando Pessoa / André Luiz Oliveira), com Gal Costa
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer

Henrique Balbi:
É um Portugal místico, Sebastianista, não é aquela nação de pureza que estava mais próxima do fascismo. Os dois estão usando palavras parecidas – a ideia do país, a ideia da nação etc. – mas aquilo que eles estão compreendendo é completamente diferente. O Portugal do Fernando Pessoa é mais amplo, né, do que a ideia de nação típica do fascismo e do Salazarismo, inclusive, né?

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
“Mensagem” dialoga o estilo épico de Os lusíadas, de Camões. No entanto, há particularidades que diferenciam o livro de Fernando Pessoa.

Henrique Balbi:
Se a gente for parar pra pensar na epopeia típica, ela é narrada numa terceira pessoa, distanciada, que cria ali um efeito quase que objetivo de diferença mesmo entre quem fala e quem é o assunto da fala, né, e no caso de Fernando Pessoa isso ficou muito mais misturado. É um livro que traz muito da história de Portugal, ele fala de várias personagens marcantes por terem sido heróis, reis, guerreiros, poetas, inclusive. E ele tem uma perspectiva muito marcada pelo Sebastianismo, que é aquela crença messiânica no retorno do Rei Dom Sebastião.

Música: A Última Nau (Fernando Pessoa / André Luiz Oliveira), com Zé Ramalho
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.

Henrique Balbi:
O Fernando Pessoa está tentando fazer aqui uma espécie de epopeia. Uma epopeia diferente daquela do Camões, de “Os Lusíadas”, por exemplo, é uma epopeia marcada por uma fragmentação. Ele tem uma grande pluralidade de vozes: têm alguns poemas que são narrados em terceira pessoa, que contam histórias a respeito da navegação, o enfrentamento ali com um monstro que remete ao Cabo das Tormentas – que nos Lusíadas é o Gigante Adamastor – e, no caso do Fernando Pessoa, é o Monstrengo. É uma passagem narrada em terceira pessoa. Mas também tem outras passagens em que os próprios personagens da história portuguesa falam em primeira pessoa. Tem outros exemplos como o “Mar Português”, né, aquele poema famoso, em que ele fala num sujeito coletivo, um ‘nós,’…

Marcelo Abud:
O ator Fernando Silveira lê um trecho do poema “Mar Português”

Som de página de livro sendo virada

Som de ondas quebrando no mar de fundo

Fernando Silveira:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarem, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Henrique Balbi:
Ele tem uma certa tendência à regularidade mesmo. Ele gosta muito dos versos de dez sílabas poéticas, o verso decassílabo, que remete também ao Camões.

Som de página sendo virada

Marcelo Abud:
O professor escolhe um trecho que demonstra mais algumas particularidades da epopeia escrita por Fernando Pessoa.

Henrique Balbi:
Chama “Quinta”. É sobre Dom Sebastião, rei de Portugal, é um poema que coloca até na primeira pessoa. E aí o poema diz…

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Fernando Silveira:
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Essa besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Marcelo Abud:
Por que uma obra publicada há quase um século integra a lista da Fuvest para o vestibular 2022?

Henrique Balbi:
Essa discussão sobre essas grandes figuras que marcam a história de um país; como elas continuam existindo de algum modo; como elas impactam ainda o presente, né?; toda aquela discussão sobre as estátuas, as homenagens que estavam nas cidades; permanência da história no presente, é uma coisa que o Fernando Pessoa estava discutindo naquele momento e que se está discutindo hoje, ainda, né?

Marcelo Abud:
O professor ainda vê uma possível associação entre “Mensagem”, de Pessoa, e o lirismo épico de Cecília Meireles, em “Romanceiro da Inconfidência”, que também está na lista da Fuvest e é destaque nesta série de podcasts Livro Aberto.

Henrique Balbi:
Alguns anos atrás apareceu um poema do Fernando Pessoa, do “Mensagem”, que falava sobre o Ulisses, comparado com o Drummond, com o “Claro Enigma”. Então com o “Romanceiro da Inconfidência”, é bem possível, sim, né? Por esse resgate do passado, essa forma de investigar o passado da nação, como ela ilumina algumas coisas do presente dos autores e até do nosso presente.

Música: Fado, de Reynaldo Bessa, de fundo
Marcelo Abud:
No livro “Mensagem”, Fernando Pessoa revê a história do seu país, passando pela época das navegações, figuras da corte, pelo mito do Sebastianismo e do Quinto Império, e projeta um Portugal que estaria fadado a um glorioso futuro.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Livro Aberto, do Instituto Claro.

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