Um clássico no futebol: o time ou seleção de bom nível técnico e elenco de craques vai jogar na altitude e acaba perdendo a partida. Neste podcast, o Instituto Claro investiga, por meio de conceitos de ciências e geografia, que efeitos são comuns a regiões que ficam a milhares de metros acima do nível do mar. O tema pode ser tratado em várias disciplinas e é cotado para provas de vestibular.
“Em altitudes elevadas, o organismo sente a ausência ou a baixa disponibilidade de oxigênio, iniciando uma condição que nós chamamos de hipóxia, quando o sangue apresenta uma quantidade de oxigênio pequena pra ser distribuído para todo o corpo”, explica o professor de ciências do canal Descomplica Alexandre Godinho, ouvido no podcast.
Em altitudes elevados, além de temperaturas mais baixas, os atletas tem que lidar com uma diminuição da pressão atmosférica. É isso que faz a bola correr mais. Nessas horas, mesmo os batedores de falta mais precisos dos times de futebol encontram problemas nas cobranças. “Aquele jogador que não está acostumado vai ter que dar uma segurada no pé, senão a bola vai sair do estádio com certeza”, resume o professor de geografia do Anglo Vestibulares Sebastian Alvarado, que não esquece o dia em que o time dele foi eliminado, após ver as esperanças se perderem junto com uma inusitada falta mal batida.
Desafios da altitude
Os professores avaliam também outros fatores que podem alterar o placar: a adaptação dos jogadores do time local às baixas temperaturas e a luta do elenco de fora para superar o excessivo cansaço e mal-estar. Uma das maneiras de diminuir os impactos da altitude é chegar no estádio na hora mais aproximada possível do jogo e voltar assim que a partida acabar.
“Foi feita uma experiência com atletas bolivianos que demonstraram que os jogadores que jogam tanto acostumados a altitudes elevadas como aqueles que estão acostumados ao nível do mar, nas seis primeiras horas de atividade física se comportavam de maneira igual. Eles só começavam a sentir essa diferença seis horas depois”, avalia Godinho. Ainda no áudio, os professores apontam possíveis abordagens do tema em provas e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
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Música: “Dutty”, de Vibe Tracks , de fundo
Vampeta:
Eu lembro de várias teorias da altitude: quem é mais rápido não sente, se chegar 3 horas antes, não dá nada; a verdade é que quando tá lá em cima, eu lembro que uma vez conversando com o Luizão, o Luizão sentado e quase desmaia.
Marcelo Abud:
Esse é um comentário do ex-jogador Vampeta, na Rádio Jovem Pan, sobre a altitude de La Paz, na Bolívia.
Vinheta: “Instituto Claro – Educação”
Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo
Marcelo Abud:
Os jogos de times brasileiros na Libertadores trazem à tona a relação entre a altitude de algumas regiões e o desempenho dos jogadores. A tabelinha entre esses assuntos também costuma estar na área em vestibulares e provas, como a do Enem. Neste podcast, o Instituto Claro ouve professores de geografia e de ciências, além de um repórter de campo, para entender: por que a altitude pode alterar o placar de uma partida de futebol?
O professor de geografia do Anglo, em São Paulo, Sebastian Alvarado, explica o que caracteriza esse relevo.
Sebastian Alvarado:
E altitude é basicamente qualquer elevação vertical a partir do nível do mar, que é exatamente a nossa altitude zero. O que pode definir exatamente uma grande altitude? Isso geralmente vai acontecer nos lugares em que nós temos o encontro de placas tectônicas, que é onde tem as cordilheiras, né? A Cordilheira dos Andes, do Himalaia, os Alpes Suíços e é exatamente nessas montanhas, extremamente pontiagudas, que, aí sim, a gente verifica tanto a grande altitude quanto os efeitos dela, com certeza.
Marcelo Abud:
O professor de ciências da natureza e apresentador de vídeos no canal de apoio a estudos do Enem Descomplica, Alexandre Godinho (professor Xandão), cita os efeitos de grandes altitudes no corpo humano.
Alexandre Godinho:
Em montanhas com mais de dois mil metros de altitude, que é a altura em que o ar começa a ficar significativamente mais rarefeito, essa pressão parcial de gás oxigênio já cai em 25%. E, sendo assim, em altitudes elevadas o organismo já começa a sentir a ausência ou a baixa disponibilidade desse gás, iniciando uma condição que nós chamamos de hipóxia, quando o sangue apresenta uma quantidade de oxigênio pequena pra ser distribuído para todo o corpo.
Sebastian Alvarado:
Quanto mais alto nós estamos, menor será essa temperatura, e nisso se inclui também uma ideia da pressão. Pressão ela faz uma grande diferença, não só ao corpo humano, ao corpo dos atletas, como também a bola. Com uma pressão menor, a bola ela tende a correr mais rápido, ela tende a correr com mais facilidade. Em grande altitude aquele jogador que não está acostumado ele vai ter que dar uma segurada no pé, senão essa bola vai sair do estádio com certeza.
Áudio de partida na Fox Sports, em 2016, com narração de Gustavo Vilani:
(som de torcida) Trouxe pro pé direito, Kelvin mais um corte, perna canhota, limpou mais um, bateu, bateu pra foraaaaa!!
Sebastian Alvarado:
É bem interessante também ver essa questão do costume, como que os atletas brasileiros, geralmente, quando vão jogar nesses lugares eles estão com a manga comprida, usam luva. E aí você olha para o time adversário eles estão de manga curta, ‘tô em casa, tô tranquilo’. A temperatura também afeta, né, você demora pra esquentar o músculo, você demora ali, o aquecimento tem que ser mais intenso.
Alexandre Godinho:
Por que os residentes dessas regiões eles não sentem tanto? O corpo dessas pessoas já passou por um processo de adaptação a longo prazo. Eles possuem, por exemplo, mais hemácias, que são as células responsáveis pelo transporte de oxigênio. Isso na tentativa de equilibrar e melhorar a troca gasosa no pulmão.
Marcelo Abud:
O estádio de La Paz, na Bolívia, é um dos mais tradicionais em temporadas da Libertadores da América.
Sebastian Alvarado:
Eu já viajei pra esses lugares, já viajei na Cordilheira dos Andes, tudo mais, e é nítido que a gente sente na hora que a gente está em grande altitude: dor de cabeça, enjoo; tudo o que eles chamam ali na cordilheira de soroche, é o mal estar que nós temos em relação à altitude.
Antonio Carlos Duarte:
Olá, aqui é o Antonio Carlos Duarte, eu sou repórter esportivo, trabalhei por 16 anos no Sistema Globo de Rádio. E a minha primeira experiência e talvez a mais difícil de todas foi num jogo das eliminatórias da Copa do Mundo, em 2005, na altitude de La Paz, na Bolívia. Não fomos direto, nós fizemos Rio de Janeiro, fomos à Santa Cruz de La Siera, que é uma cidade que fica já na Bolívia, mas ao nível do mar; e na manhã do dia seguinte nós fomos pra La Paz, que fica a 3.600 metros de altitude e o aeroporto El Alto fica a 4 mil metros de altitude, ou seja, a gente vai até em cima no aeroporto e depois temos que descer até o centro de La Paz, 400 metros. Quando chegou no aeroporto vem a mala, tal, eu falei ‘poxa, mas todo mundo diz que chegar em La Paz se sente os efeitos da altitude. Eu não estou sentido nada’. Isso eu ainda estava dentro do aeroporto. Começou a rodar a mala, assim quando vem a bagagem, quando eu fui agachar pra pegar a mala, comecei a ter tontura. No hotel começou a dar, assim, uma volta no estômago, começou a vir um enjoo; aquilo começou a dar uma volta no estômago e tinha, na hora do jantar, eu não consegui comer absolutamente nada. Nem eu nem o colega que viajou comigo.
Narração de gol na voz de José Carlos Araújo, na Rádio Globo:
Olha o escanteio, a falta cobrada, a cabeçada foi dada, entrooooouuuuu (vinheta: Flamengooooo!) Gooooooool!
Antonio Carlos Duarte:
Mas lembro da situação que o Flamengo jogou numa cidade na Bolívia que ainda é mais alto do que La Paz, fica a 4 mil metros de altitude. E lembro de vários jogadores terem que utilizar balão de oxigênio na beira do campo. E não só os jogadores. Lembro, inclusive, do repórter da TV Globo, o Eric Faria, que também teve que utilizar, sentiu também o efeito da altitude.
Áudio de matéria do Globo Repórter (repórter Eric Faria):
Depois dos 20, 25 minutos, o cansaço virou drama. Jogadores respirando oxigênio em máscaras ao lado do campo. Caiam e levantavam, levantavam e lutavam. Na estreia, na Libertadores, o Flamengo empatou com o Real Potosí e também com a natureza.
Alexandre Godinho:
Foi feita uma experiência com atletas bolivianos que demonstraram que nas primeiras seis horas os jogadores que jogam tanto acostumados a altitudes elevadas como aqueles que estão acostumados ao nível do mar, nas seis primeiras horas de atividade física, eles se comportavam de maneira igual. Eles só começavam a sentir essa diferença seis horas depois. Ou seja, o atleta que está acostumado a jogar em altitudes elevadas continuava com sua mesma intensidade; já os atletas que atuam ao nível do mar já começavam a sentir, seis horas depois, esse evento, né, o evento altitude. Então, baseado nesse experimento é que se tomou essa estratégia, ou seja, viajar na hora do jogo. Chegar o mais próximo possível e logo em seguida voltar. Isso tem apresentado, né, resultados bem significativos e positivos.
Marcelo Abud:
Alvarado e Godinho fazem apostas sobre como esses temas podem aparecer no Enem e outras provas.
Sebastian Alvarado:
Os vestibulares nos últimos anos têm dado essa ênfase em climatologia. Eles pegam uma relação em altitude, geralmente, com temperatura. Diz ‘olha, você tem Santos, que está logo ali no litoral e você tem São Paulo. E qual lugar é mais quente?’. E é aí que o aluno tem que pensar: Santos está no litoral, então ele está ao nível do mar, é zero. E São Paulo, ele já está mais ou menos 750 metros de altitude. Então ele está mais frio. O vestibular cobra que você tenha esse conhecimento em relação à altitude e temperatura.
Alexandre Godinho:
É um assunto que está trabalhando muito na parte de ciências da natureza. Falou na parte de biologia, as reações bioquímicas, trocas gasosas, sistema respiratório e circulatório; e na parte da física, o estudo dos gases.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo
Marcelo Abud:
Cada vez mais vestibulares e exames têm trazido fatos do cotidiano para que participantes identifiquem a relação com as matérias do ensino médio. E nesse podcast ficou mais fácil de entender como o chamado fator altitude, muitas vezes, nivela o jogo, mesmo quando o time da casa é inferior ao visitante.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.