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O escritor Mauricio Pereira tem dezenas de livros publicados. Entre eles, há um ilustrado e dois em formato de quadrinhos com causos de assombração. As narrativas que costumam ser contadas em volta da fogueira foram recolhidas a partir de pesquisa em Redenção da Serra, interior de São Paulo.

“Eu fui criado em fazenda até os sete anos, quando vim para Taubaté pra entrar na escola. E cresci ouvindo histórias de assombração do meu pai”, revela. No áudio, Pereira fala sobre personagens do folclore brasileiro, com destaque para o Corpo-Seco, que está em alta por causa da série “Cidade Invisível”.

Trabalhos escolares inspirados em contos de assombração realizados por estudantes da Emef Professora Lúcia Pereira Rodrigues, de São José dos Campos (crédito: acervo pessoal/Mauricio Pereira)

Ele traz, ainda, sugestões de atividades para a sala de aula, como o desenvolvido na Escola Professora Lúcia Pereira Rodrigues, em São José dos Campos (São Paulo). “A professora propôs que cada aluno fosse conversar com um tio, com o avô, com o pai ou com alguém que pudesse contar uma história de assombração. E ela reescreveria essa história com suas próprias palavras, ia arrumar um amigo que desenhasse e fizesse uma história ilustrada. Então, os alunos fizeram isso aí, depois eles encadernaram e fizeram um livro. Ficou muito legal!”.

Mauricio Pereira contos de assombração
Mauricio Pereira e a professora Francisca, que estimulou estudantes a colherem histórias folclóricas (crrédito: acervo pessoal/Mauricio Pereira)

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Transcrição do Áudio

Música: “Coyote Hearing” (Kindergarden)

Mauricio Pereira:
Muita gente gosta de filme de terror… vamos dizer, este é o medo controlado, você sente o medo, mas não existe, está na tela, no livro.
Agora, lá na roça, quando a gente é criança assim geralmente os pais contam uma história de Corpo-Seco justamente pra você não sair, não ir pro mato. O perigo não é o Corpo-Seco, o perigo é uma cobra cascavel, pisar num escorpião, ou, antigamente, nas matas lá, tinha onça, ainda tem, em alguns lugares até tem onça ainda, aquela onça parda – sussuarana. O perigo é isso, né, são bichos. Ou você se perder no meio do mato também.
Tem a história do Negro D’água ou Zé Menininho, pra criançada não ir também à beira da represa, tentar nadar, que é perigoso se afogar… então, sempre tem essas histórias com intuito de botar medo, pra criança ter medo de assombração e não ir lá naquele lugar correr um perigo real, com animais ou com afogamento, alguma coisa nesse sentido.
Lá na roça, eu sou caçula, então os meus sobrinhos têm tudo mais ou menos a mesma idade que eu, daí a gente ficava brincando em volta da casa à noite, tem aranha, tem bicho, aí meu pai contava história de assombração, ninguém mais ficava fora de casa.
Eu sou Mauricio Pereira, autor, ilustrador nascido na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, formado em publicidade e propaganda, pós-graduado em design gráfico. Eu tenho raízes profundas aqui no Vale do Paraíba, onde eu comecei a escrever as histórias de assombração.

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Música: “Coyote Hearing” (Kindergarden)

Marcelo Abud:
Maurício Pereira reúne, em livros, narrativas que costumam ser contadas em volta da fogueira. Elas foram recolhidas a partir de pesquisa junto a contadores de causos de Redenção da Serra, região em que cresceu, e transformadas em histórias que resgatam a cultura popular.

Mauricio Pereira:
Eu fui criado em fazenda até os sete anos de idade, quando eu vim para Taubaté pra poder estudar, entrar na escola, né, e eu cresci ouvindo histórias de assombração do meu pai. Meu pai contava as histórias e as histórias todas contadas de forma verídica, entendeu?
Ele contava que ele realmente viu o lobisomem, viu uma assombração lá – tinha alguma coisa naquele lugar -, luzes que desciam pelas estradas à noite, assombrações que cortavam madeira no meio do mato à noite, socavam o pilão.
E daí eu já estava com 35 anos e não tinha filhos ainda, aí eu falei assim ‘eu preciso escrever essas histórias que meu pai me conta, se não vou esquecer, a hora que eu tiver um filho não posso contar isso pra ele. Daí comecei a escrever as histórias que meu pai me contava de assombração, de coisa que ele viu, de coisa que meus avós, meus tataravós, meus bisavós contavam pra ele, lá da região de Redenção da Serra.

Música: “Mistérios da meia-noite” (Zé Ramalho)
Mistérios da meia-noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão, se ficam
Quem vai, quem foi

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Em 2010, Pereira começa a reunir esses causos arrepiantes em livros. Entre uma dezena de obras publicadas, só de histórias assustadoras da tradição oral, atualmente já são três. O primeiro escrito e ilustrado por ele foi “Contos de Assombração”.

Mauricio Pereira:
Trabalhei com alto contraste – incentivar o lúdico das crianças. Por exemplo, tem um lobisomem, mas só tem a sombra, o leitor que vai completar aquela imagem do lobisomem na cabeça dele. Daí cada um tem o seu lobisomem. Aí eu fiz esse livro, ‘Contos de Assombração’, aí eu falei ‘então tá, eu vou fazer um outro de assombração, mas vou fazer em quadrinhos’, aí disso aí surgiu o ‘Causo de Assombramento em Quadrinhos’. E o último que eu fiz é ‘Histórias de Assombração – Causos Assustadores do Vale do Paraíba’. São histórias assustadoras aqui do Vale do Paraíba e foi feito em quadrinhos também. Eu fiz em parceria com um amigo meu, Reinaldo Batista, que é o ilustrador.

Marcelo Abud:
Como manda a tradição, as histórias passam de geração em geração. O filho de Mauricio Pereira atualmente está com 8 anos. O áudio que você vai ouvir agora é de quando Otávio tinha apenas cinco anos. Ele nos conta alguns dos causos que estão no livro “Histórias de Assombração”.

Otávio:
E daí, ó, essas páginas têm barqueiro e Corpo-Seco e a Mula sem Cabeça… e são essas partes. E o lobisomem. E são essas. Daí dá o tchauzinho. Valeu!

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
De acordo com Mauricio Pereira, com o sucesso da série “Cidade Invisível”, que, aliás, é destaque da edição anterior do podcast do Instituto Claro, o interesse pela história do Corpo-Seco cresceu muito.

Mauricio Pereira:
Nos três livros de assombração que eu tenho, tem a história do Corpo-Seco. O Corpo-Seco, pelo que eu andei estudando, ele tem duas versões. O Corpo-Seco físico: a pessoa que é muito ruim em vida assim, muito mesquinha, muito presa à matéria, que, quando morre, segundo a lenda, nem o céu nem o inferno aceita essa pessoa. Daí ele sai da cova. Ele vagando no cemitério sempre alguém vê, né, geralmente o coveiro. Daí tem que avisar a família e a família tem que arrumar alguém que tenha coragem de carregar ele geralmente para o meio do mato.
O padre vai junto e o cara carregando e o padre rezando e surrando ele com a vara de marmelo. Aí você deixa ele no meio do mato, solta ele lá. E aí você tem que voltar andando de ré, sempre olhando pra ele, porque se você der as costas para ele, pede pra levar pra outro lugar.

Música: “A Lenda do Corpo-Seco” (Cordas da Mantiqueira)
O povo se admirou
Quando a noite, se acorreu
Pra ver aquele cadáver
Que a terra não comeu

Mauricio Pereira:
Então, quando a pessoa passa lá no meio do mato, às vezes, vai ver o Corpo-Seco, que é um esqueleto, né, um cadáver, pele e osso só. Aí contam que, se você vai no lugar que tem Corpo-Seco, você tem que pedir permissão pra ele, se não ele não deixa cortar cipó, é meio que um protetor da mata, mas não é que ele protege a mata porque ele é, vamos dizer assim, ecologicamente correto. Ele protege porque é mesquinho, ele acha que aquele lugar ali é dele e ninguém pode mexer. Então esse é o Corpo-Seco, o físico, né?
Mas tem a história do Corpo-Seco, que ele morre, mas ele não sai da Terra, fica como uma alma penada. Ele fica morto num lugar no meio do mato ou mesmo enterrado. A alma dele sai gritando pelas estradas.
Então, tem essas duas versões: o que fica andando pelo meio do mato e tem esse que sai gritando pelas estradas.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
O autor explica por que os livros de assombração convidam ao estudo e pesquisa do folclore.

Mauricio Pereira:
Uma das características do folclore é a oralidade, né, as histórias contadas de geração para geração. Foi o que aconteceu. Tem tanta história de Saci, de Lobisomem, de Mula sem Cabeça, Boitatá, Corpo-Seco, o folclore não é só história de assombração, são comidas, são danças, uma gama de tradições, mas eu sou bem apegado a esses contos de assombração, causos de assombração, por causa do meu pai.
Usar a curiosidade das crianças em relação à assombração é uma ferramenta para estimular eles a escreverem, eles a lerem, porque prende a atenção. E a criança, você tem que cativar ela e você, tendo uma história de assombração, chama a atenção dela. No primeiro livro que eu fiz, ‘Contos de Assombração’, por exemplo, eu faço o Saci atrás de um coqueiro em alto contraste. Então, você vê o contorno do Saci, o contorno do coqueiro, umas árvores em volta, aí cada criança completa aquela cara daquele Saci – como que é aquele gorro dele, a textura.
Então, meu filho tem oito anos. Ele gosta também de história de assombração. Ele quer que leia história de assombração pra ele dormir, pra você ter uma ideia. Tem que ler três histórias de assombração pra ele e ele lê uma pra mim. É assim o combinado nosso.

Otávio:
O lobisomem.
Dizem que a lenda dele foi trazida pelos portugueses. E cada sete filhos, o último… o sétimo filho é o Lobisomem, que vai se transformar em toda sexta-feira, meia-noite. E só se transforma por causa da lua cheia.

Mauricio Pereira:
Quando ele vai desenhar, ele copia um desenho, por exemplo, de alto contraste – de sombras – e ele completa com a imaginação, como que ele vê um Saci, como ele vê um Lobisomem. Cada um completa, cada um tem o seu que carrega da sua experiência, do que ouviu, da sua bagagem. Então, cada um tem a sua assombração própria, digamos assim.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:
Os livros de Mauricio Pereira servem de inspiração para muitos trabalhos escolares. Aqui ele cita uma das atividades que acompanhou.

Mauricio Pereira:
Teve um projeto muito bacana em São José dos Campos usando os Contos de Assombração – a professora Francisca, da Escola Lúcia Pereira. E, pra trabalhar para os alunos desenharem e escreverem, ela propôs que cada aluno fosse conversar com um tio, com o avô, com o pai ou com alguém que pudesse contar uma história de assombração. E ela reescreveria essa história com suas próprias palavras, ia arrumar um amigo que desenhasse e fizesse uma história ilustrada. Então, os alunos fizeram isso aí, depois eles encadernaram e fizeram um livro. Ficou muito legal!

Música: “Coyote Hearing” (Kindergarden)

Marcelo Abud:
Indicada principalmente para crianças da educação infantil e do ensino fundamental, a obra de Mauricio Pereira voltada a contos de assombração pode ser um convite para que estudantes recolham causos semelhantes juntamente a familiares mais velhos.
Marcelo Abud para o podcast Livro Aberto, do Instituto Claro.

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