A Lei 10.639/03, revista pela Lei 11.645/08, torna obrigatório o ensino da história e das culturas afro-brasileira e indígena em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o médio. A aplicação prevê que o conteúdo programático contemple diversos aspectos da formação da população brasileira, a partir desses grupos étnicos, resgatando suas contribuições nas áreas social, econômica e política.
Mais de uma década e meia depois, o que mudou em relação ao estudo do tema nas escolas? Para responder a essa pergunta, o Instituto Claro ouviu a professora de sociologia da escola estadual Rui Barbosa Conselheiro, no Tremembé, zona norte de São Paulo (SP), e também criadora do app Alfabantu, Odara Délè; e o antropólogo e doutor em geografia, além de consultor e professor de afro-educação, Maurício Waldman.
Coautor do livro “Memória D’África – a temática africana em sala de aula”, Waldman diz que houve pouca evolução no estudo da cultura afro-brasileira. Ele aponta, como um dos motivos para isso, o fato de uma parcela da sociedade não admitir que vivemos em um país racista. No entanto, rechaça essa argumentação e afirma que temos um racismo estrutural no país. “As religiões africanas são cultos. Quando tem guerra na África, é tribal. Você tem todo um universo que está permanentemente retomando, repondo e recompondo uma estrutura de discriminação. Não dá para escapar dessa ruptura de estereótipos e esse é um trabalho do educador”, explica.
A opinião é compartilhada por Délè, que acrescenta a esse cenário a pouca disponibilidade de material didático adequado e também de formação nas universidades, para que o tema seja abordado nas escolas. Para preencher essas lacunas, a professora tem como uma das práticas pedagógicas de suas aulas o uso de músicas, textos e outros recursos alternativos. “Eu gosto de utilizar, por exemplo, músicas do Geraldo Filme, que é um sambista antigo, e dos Racionais Mc’s, que estão mais no universo deles, para mostrar como os dois discutem as questões da população negra”, diz.

Se a implantação da lei ainda necessita de mais empenho para que seja colocada efetivamente em prática, Waldman vê uma ameaça ainda maior a partir do discurso de forças conservadoras que têm ganhado espaço em nossa sociedade. “O ambiente é muito pouco favorável à progressão desta legislação e há inclusive vozes que querem que ela seja abolida”, avisa.
Para ambos, docentes e pais devem estar atentos e empenhados na manutenção dessa lei. “Todo brasileiro tem de se empenhar na defesa do ensino da cultura negra e da africana. Elas não são de fora, são nossas”, conclui o antropólogo.
Veja também:
Série Africanidades reúne pesquisas desenvolvidas pelo professor e jornalista Maurício Waldman, relativas à cultura, história, geografia e economia africanas
Dossiê Cultura Afro – O estudo da cultura afro-brasileira no ensino básico
Créditos:
As músicas utilizadas na edição do podcast, por ordem de entrada, são: “História da capoeira” (Geraldo Filme), “Racistas otários” (Mano Brown), com Racionais Mc’s e “Tanto faz” (Tim Bernardes).
Crédito da imagem principal: PJPhoto69 – iStock