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Lançado em agosto de 2020, o livro “A vida não é útil” traz reflexões do filósofo, escritor e líder indígena Ailton Krenak. A obra reúne cinco textos escritos principalmente no início da pandemia de covid-19 que tratam de tendências destrutivas da civilização, como consumismo desenfreado e devastação ambiental.

“A escolha que a humanidade fez com a industrialização e com a supervalorização da tecnologia, da técnica, esse caminho é o caminho que vai levar a gente à destruição. Esse é o resumo da minha parábola. Se a gente não parar com essa fissura pela tecnologia, pelo moderno, pelo novo, nós vamos acabar explodindo o planeta para nós, os humanos, porque o planeta vai continuar existindo para ele mesmo”, afirma Krenak em entrevista ao Instituto Claro.

A vida não é útil

A principal crítica do autor é à ideia de que “tempo é dinheiro”. “Isso, para o Krenak, é o grande crime que se institui. Então, ele fala o tempo não é dinheiro, o tempo é a vida, é a gente respirando, é a gente fruindo. É a gente se integrando à natureza. E essa é a mensagem final que ele nos deixa nesses cinco textos dele”, avalia o professor de literatura do curso Anglo Vestibulares Fernando Marcílio.

Krenak defende que os povos da floresta sejam ouvidos para que se tenha um mundo diferente, não no amanhã, mas no tempo presente. Ele exalta o exemplo de indígenas, quilombolas e alguns povos ribeirinhos que consomem o que a natureza proporciona a eles e fazem jus ao pensamento de que “a vida não é útil”.

“A vida não tem que ter utilidade. Ela não é alguma coisa utilitária. Se você vive, o dom maior da vida é ela mesma. É intrínseco. A vida não tem que produzir coisas para ela ter sentido. Se não, nós íamos achar que só as pessoas que acumularam prestígio e riqueza é que viveram”, resume Krenak.

Em 2025, a obra entrará na lista do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Fernando Marcílio, um dos objetivos da instituição é estimular os estudantes a terem contato com as várias formas do pensamento humano. Em “A vida não é útil”, a leitura permite que se entenda a filosofia dos povos da floresta.

“O Krenak traz uma coisa muito interessante que é a forma. Lembrando que não são textos escritos, na verdade, são textos falados por ele, então tem uma marca de oralidade muito clara, são transcrições de fala dele. Mas também se explica porque isso é parte da cultura indígena. Ancestralmente, ela não é escrita, ela é ágrafa, ela é transmitida oralmente. O Krenak gosta dessa oralidade também como forma de resgatar a cultura indígena”, analisa Marcílio.

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Ailton krenak:

A escolha que a humanidade fez com a industrialização e com supervalorização da tecnologia, da técnica, esse caminho é o caminho que vai levar a gente à destruição. Esse é o resumo da minha parábola. Se a gente não parar com essa fissura pela tecnologia, pelo moderno, pelo novo, nós vamos acabar explodindo o planeta, para nós, os humanos, porque o planeta vai continuar existindo para ele mesmo.

Fernando Marcílio:

Acho muito interessante que os estudantes possam entrar em contato com as ideias do Ailton Krenak, sem contar que a maneira como ele fala é contundente, mas poética. Qualquer obra literária tem por função primordial fazer as pessoas pensarem, e isso Ailton Krenak faz na obra dele, com uma grande pertinência.

Meu nome é Fernando Marcílio, professor de literatura e autor de material didático de literatura também.

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Marcelo Abud:

Em “A Vida não é útil”, Ailton Krenak critica a maneira como a humanidade tem evoluído rumo à autodestruição. Neste episódio, você vai ouvir o próprio líder indígena e escritor pontuar como isso tem acontecido e também a análise da obra feita pelo professor de literatura do Curso Anglo Fernando Marcílio.  Ele apresenta em que contexto os pensamentos reunidos no livro foram desenvolvidos.

Fernando Marcílio:

São falas dele em palestras, entrevistas, que ele deu desde 2017, principalmente a partir de 2020. Na verdade, a grande maioria das palestras foram dadas em 2020, que é o ano da pandemia. Então a pandemia que começou no início de 2020 serve de pano de fundo de reflexão para ele.

Ailton Krenak:

“A Vida não é útil’, ele radicaliza uma crítica, que é a seguinte: a vida não tem que ter utilidade. Ela não é alguma coisa utilitária. Se você vive, o dom maior da vida é ela mesma. É intrínseco. A vida não tem que produzir coisas para ela ter sentido. Senão nós íamos achar que só as pessoas que acumularam prestígio e riqueza é que viveram. As outras milhares de pessoas e durante milhares de anos que essa humanidade vem se constituindo e que ninguém estava criando a riqueza material e ninguém estava acumulando prestígio, então eles não viveram. Quem viveu foram só aquelas pessoas que conseguiram agarrar alguma coisa e sair com aquilo como se fosse um troféu na mão. Esse é o sentido de utilidade da vida, que acabou sendo impresso com a ideia de tempo é dinheiro.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:

O livro é composto de cinco textos que tratam de temas como consumismo e devastação ambiental.

Fernando Marcílio:

O primeiro deles é “Não se come dinheiro”, em que ele faz uma crítica às elites financeiras que, sempre segundo o Krenak, ele é sempre muito ácido nas suas críticas, essas elites se passam por uma parte da humanidade, mas na verdade, querem se distanciar da maioria da humanidade, tratando essa parcela da humanidade como descartável, como sub-humanidade na verdade. E essa elite trabalha, né, num processo de concentração de riquezas: controlam a política, controlam decisões governamentais… E essas empresas que pertencem a essas elites – que agem por elas –, elas atuam no sentido da produção de bens de consumo para ganhar cada vez mais.

Qual é a consequência disso segundo o Krenak? Essa produção desenfreada de bens de consumo acaba acarretando uma exploração também desenfreada de recursos naturais. E aí ele pergunta nesse primeiro texto, quando esses recursos naturais se esgotarem, o que as pessoas comerão? Dinheiro? Então, não se come dinheiro. Essas pessoas que querem tanto ganhar dinheiro vão acabar esgotando os recursos do planeta e não vai sobrar nada para comer. Elas vão ter que comer o próprio dinheiro.

Marcelo Abud:

Os outros textos que compõem “A Vida não é útil” também fazem críticas ao ritmo de consumo acelerado e à destruição dos meios de sobrevivência. Como exemplo, Marcílio analisa o texto que fecha e tem o mesmo nome do livro.

Fernando Marcílio:

Ele começa se referindo ao fato de que no imaginário colonial brasileiro o índio é sempre representado com uma imagem de um indivíduo preguiçoso, que não gosta de trabalhar; nós aprendemos, às vezes, nos livros de história oficial, nas nossas aulas, que foi preciso recorrer a mão de obra negra, né, escravizada, porque o índio não se submetia ao regime de trabalho imposto pelo homem branco.

E o Krenak começa exatamente tratando disso, que não se trata de ser preguiçoso, trata-se de trabalhar o que é necessário.

Ailton Krenak:

Algumas pessoas trabalhavam 40, 50 anos da vida deles para se aposentar dentro desse comando de “tempo é dinheiro”. Quando ele se aposentava, ele descobria que ele foi enganado, porque ele trabalhou a vida inteira dele. Agora que ele podia viver, descansar, ele não tinha dinheiro, ele não tinha os meios materiais para fazer o seu repouso da batalha. Quer dizer, ele gastou a vida dele, agora ele foi encostado para morrer.

Fernando Marcílio:

Na visão dele, o homem branco não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo. Essa frase é dele. Eu acho isso extraordinário. Não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo.

Para os brancos, a vida é sempre produção e consumo, ou seja, ela tem que ter uma utilidade, eu tenho que viver para trabalhar, eu tenho que trabalhar para produzir, eu tenho que produzir para consumir. Essa é a utilidade da vida para o homem branco. E é daí que vem a ideia de que a vida não é útil, porque a vida para o krenak é fruição. A vida é gozo.

Então, é por isso. A vida não é útil dentro de uma perspectiva em que todas as ações humanas se desenvolvem no sentido do utilitarismo, no sentido de produzir, fazer alguma coisa do seu tempo.

Ailton Krenak:

E isso virou um comando para essa humanidade que vira dia e noite com as máquinas ligadas. É tipicamente uma civilização industrial. “Tempo é dinheiro”, alguém que cumpria uma rotina de oito horas de trabalho, dez horas de trabalho numa indústria, numa fábrica. Mas o tempo é dinheiro significava chegar num lugar, na estrutura instalada, industrial, que tinha um relógio mecânico de ponto onde as pessoas botavam cartão e batia a hora que ele entrava no trabalho e a hora que ele saia do trabalho.

Fernando Marcílio:

Isso, para o Krenak, é o grande crime que se institui. Então, ele fala: “O tempo não é dinheiro, o tempo é a vida, é a gente respirando, é a gente fruindo. É a gente se integrando à natureza”. E essa é a mensagem final que ele nos deixa nesses cinco textos dele.

Som de página de livro sendo virada

Marcelo Abud:

O livro “A vida não é útil” passa a integrar a lista do vestibular da Unicamp. Fernando Marcílio aponta aspectos que podem ser levados em conta para o exame.

Fernando Marcílio:

O Krenak traz uma coisa muito interessante que é a forma. Lembrando que não são textos escritos, na verdade, são textos falados por ele, então tem uma marca de oralidade muito clara, são transcrições de fala dele. Mas também se explica porque isso é parte da cultura indígena. Ancestralmente, ela não é escrita, ela é ágrafa, ela é transmitida oralmente. O Krenak gosta dessa oralidade também como forma de resgatar a cultura indígena.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Para Fernando Marcílio, um dos objetivos da Unicamp é fazer com que estudantes tenham contato com uma ampla variedade de formas de pensar. No caso de “A vida não é útil”, a leitura permite que se entenda a filosofia dos povos da floresta.

Marcelo Abud para o “Livro Aberto” do Instituto Claro.

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