Na história do cinema brasileiro, Mazzaropi é um capítulo importantíssimo. Além de ter feito muito sucesso de bilheteria, ele ajudou a construir nossa tão modesta indústria cinematográfica.

Amácio Mazzaropi (1912-1981) foi um dos maiores mitos do cinema brasileiro. Sua popularidade é imensa até hoje, mesmo tendo falecido há mais de 30 anos. Nem o fato de boa parte da crítica especializada “torcer o nariz” para seu cinema invalida a sua trajetória nem a sua obra, que revelam muito da cultura brasileira. 

 Mazzaropi, filho de um italiano com uma portuguesa, nasceu na cidade de São Paulo, mas cresceu em Taubaté, no interior de São Paulo. Gostava muito de circo e desde cedo manifestou a vontade de atuar, contra a vontade de seu pai. Aos 14 anos, fugiu de casa para acompanhar um espetáculo ambulante. Suas maiores influências foram Genésio Arruda – ator, músico e produtor considerado um dos pioneiros da representação caipira – e Cornélio Pires – produtor e principal difusor da música caipira. 

Em 1940, criou sua própria companhia, que funcionava em um barracão ambulante, chamado de “Pavilhão Mazzaropi”. Em meados da década de 40, estreou no teatro. Este sucesso levou-o à rádio Tupi, onde começou um programa em 1945. Neste programa, ele entrevistava caipiras da grande cidade e alcançou grande popularidade. Com a chegada da televisão ao Brasil, em 1950, ele foi convidado a fazer o programa “Rancho Alegre”. Seu humor e carisma conquistavam o público de imediato. E foi o sucesso da TV, especialmente como ator cômico, que inspirou Abílio Pereira de Almeida, diretor da Companhia Vera Cruz, a convidá-lo para interpretar um papel no filme Sai da Frente, em 1952. 

A Companhia Vera Cruz foi uma importante produtora de cinema, que buscava a excelência técnica, tendo como modelo o cinema europeu. Bancada por grandes empresários, a companhia importou técnicos e diretores europeus, realizando 22 filmes, em apenas cinco anos de existência. 

Em 1953, a Vera Cruz, já em crise, criou linhas diferentes em sua produção. Uma delas, a comédia, contou com Mazzaropi. Ele representava papeis cômicos, ainda não o personagem caipira que ficou famoso tempos depois. Mazzaroppi ainda nos filmes Nadando em Dinheiro (1952) e Candinho (1954). Com a experiência acumulada do em circo, teatro, rádio e televisão, Mazzaropi, aos 40 anos, entendeu que o cinema era o seu melhor meio de expressão, ali  ele poderia se valer de todo o seu talento e dialogar com milhões de pessoas. 

Apesar do impulso inicial, tão importante para a indústria cinematográfica brasileira, a Vera Cruz  foi à falência em 1954. Depois do fechamento, Mazzaropi participou de mais cinco filmes em diversas produtoras, sendo talvez O Gato da Madame (1956) o mais famoso dessa fase. Em 1958, ele vendeu tudo o que tinha e montou a Produções Amácio Mazzaropi (PAM). A partir daí passa a produzir e distribuir todos os seus filmes. O primeiro filme dessa fase é Chofer de Praça. No ano seguinte ele adapta Monteiro Lobato e filma Jeca Tatu. Logo depois, As Aventuras de Pedro Malazartes.

Mazzaropi compreendeu como ninguém todo o processo de produção/distribuição e exibição do cinema. Sua empresa – a PAM – investiu na infraestrutura da indústria cinematográfica brasileira, adquiriu todos os equipamentos necessários, construindo um estúdio em sua fazenda, na cidade de Taubaté. Ele montou uma distribuidora com negociações com as salas exibidoras, sendo responsável por 20% da arrecadação dos filmes nacionais entre os anos 1970 e 1975. Sua marca costumava ser de três milhões de espectadores por filme. Ele ficou conhecido em todo o Brasil, mas seu maior sucesso era em São Paulo – capital e interior –, Minas Gerais e Paraná. 

Ao contrário de todos os outros cineastas nacionais, Mazzaropi tinha poder para escolher a data e a sala em que seus filmes estreavam (quase sempre no feriado do aniversário de São Paulo, 25 de janeiro). As pessoas já esperavam sua estreia anual, lotando as salas, com público muito superior aos grandes sucessos de Hollywood. 

Desde que montou sua produtora e seu estúdio, Mazzaropi realizou 24 filmes, praticamente um por ano, todos com sucesso incrível. Mas a crítica de cinema não compreendia seu sucesso, pois os filmes eram muito simples, baratos, com roteiro muito elementar. Sua popularidade era apoiada no humor ingênuo e autêntico da cultura caipira. Mazzaropi confunde-se com o personagem Jeca Tatu e seu imaginário do caipira. Mas vai além da ideia pejorativa da preguiça e inutilidade, defendida por Monteiro Lobato no seu livro Urupês (1918). O Jeca de Mazzaropi, que aparece em diversos filmes, era caricato, mas era mais irreverente e engraçado do que o original de Lobato. A identificação das classes populares com o caipira de Mazzaropi fez de seus filmes um fenômeno de massas.  

Na atualidade, muitos dos seus filmes são exibidos na TV com grande sucesso, inclusive entre  pessoas que nem eram nascidas quando ele morreu. Entre eles, vale citar Zé do Periquito (1960), Tristeza do Jeca (1961), Casinha Pequenina (1963), O Puritano da Rua Augusta (1965), O Corintiano (1966), O Jeca e a Freira (1968), Um Caipira em Bariloche (1973), O Jeca Macumbeiro (1974) e muitos outros. 
 
 
Dois filmes sobre Mazzaropi precisam ser destacados neste artigo. O primeiro é uma ficção chamada O Tapete Vermelho (2006), dirigida por Luiz Alberto Pereira. Nessa trama, o protagonista Quinzinho, interpretado por Matheus Nachtergaele, tem uma promessa a cumprir: levar seu filho à cidade para ver um filme do Mazzaropi. 
 
Já Celso Sabadin escreveu e dirigiu o excelente documentário Mazzaropi, em 2012, ano do centenário do artista, mostrando a importância de sua obra, com depoimentos muito ricos e controversos. As contradições sobre sua personalidade mostram a honestidade do documentário, sem nunca desmerecer sua importância no cinema e na cultura brasileira. A trilha sonora é de Renato Teixeira e Grupo Paranga. Trata-se de um documentário imprescindível para quem quer compreender melhor a cultura caipira e esse fenômeno que foi Mazzaropi. 
 
Termino este artigo com as informações que finalizam o documentário de Celso Sabadin: “entre 1952 e 1980, Amácio Mazzaropi escreveu 21 filmes, dirigiu 13, produziu 24, e atuou em todos os seus 32 longas. Estima-se que tenha vendido mais de 200 milhões de ingressos de cinema, numa época em que o Brasil tinha em torno de 70 milhões de habitantes”. Creio que esses dados já dizem tudo.
 

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Autor Cláudia Mogadouro

Cláudia é doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Graduada em História, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP.

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