Tomo a liberdade de um pequeno registro de história pessoal. Faz alguns anos, ganhei de um aluno, ao final de um ano letivo, uma caixa que foi recebida com muita animação. Vindo de uma viagem aos Estados Unidos, ele me trouxe o box completo da série “Cosmos”:  7 gloriosos DVDs, contendo os 13 episódios lançados para a TV e vistos por mais de 700 milhões de pessoas. Com grande felicidade, dediquei  a primeira semana das minhas férias a cada um dos episódios.
Atualmente disponível  na internet e, algumas vezes, refilmado, “Cosmos” foi uma iniciativa magistral de uma pessoa extraordinária. Cientista e escritor consagrado, Carl Sagan foi, no meu ponto de vista, o maior divulgador da ciência na era da TV e um entusiasta dos meios de comunicação como ferramenta muito útil para a divulgação de conteúdo científico. Em um dos episódios, o próprio Sagan reflete sobre a importância de estimular crianças e jovens a fazerem perguntas para as quais não têm respostas, principalmente sobre o universo e o espaço sideral.
O seriado “Cosmos” não está em nada ultrapassado. Produzido nos anos 1980, antes, portanto, da década dos videoclipes, sua linguagem é um pouco mais arrastada para o padrão jovem atual. Os efeitos visuais também causam algum desconforto hoje, mas nada que demova do interesse geral de sua tão inteligente construção. É, portanto, um conjunto de filmes bastante acessível e interessante, embora não seja tão ‘contagiante’ para jovens do século XXI.
Todavia há muitas possibilidades de discutir a física por meio do cinema, tanto ficcional quanto documental. É interessante notar que o currículo atual de ciências e física (nos dois segmentos finais da educação básica), é avançado e amplo, fazendo com que professores tenham que se desdobrar e “correr” com o conteúdo por conta da quantidade de temáticas. Um momento de cineclube científico pode ajudar nessa empreitada.
Tomemos um filme baseado em um livro do próprio Carl Sagan: Contato (1997). A trama passa pela decodificação de um sinal vindo do espaço, captado por uma persistente cientista. A trama envolve a produção de um incrível maquinário cuja funcionalidade é mantida em constante suspense. Ali podem ser discutidas diversas temáticas relacionadas às ondas e suas frequências, à funcionalidade de radares e sonares e também à ciência aplicada à engenharia. Para não estragar a trama, só indico que há mais discussões sobre o espaço e o tempo ao final do filme.
Uma das séries de TV que também marcou época foi Star Trek, iniciada em 1966. A franquia foi tão significativa que ganhou não só um conjunto de outras séries relativas à original (os chamados spin-offs) e um conjunto de filmes baseados na série de TV, mas dois conjuntos de filmes, com atores diferentes para cada personagem. Não bastasse, o filme que iniciou a franquia do século XXI, Star Trek (2009), fez uma brincadeira ‘metarrefencial’ unindo os dois atores que interpretaram Spock nos dois conjuntos de audiovisuais, separados por quase meio século. Por uma daquelas ironias do destino, tal brincadeira restou na história como real tributo a Leonard Nimoy, que interpretou o primeiro Spock, mas que lamentavelmente veio a falecer em 2015.
Ainda brincando com o tempo, o filme de 2009 trabalha com a ideia de que em velocidade de ‘dobra espacial’ e atravessando um buraco negro, seria possível retornar no tempo ou avançar por ele. O tema não poderia ser mais ilustrativo aos professores que podem fazer das teses de Einstein o foco de sua análise.
Outro filme que vai por essa mesma temática de viagem espaço-temporal é Interestelar (2014). O filme acaba em uma grande viagem (em todos os sentidos) sobre os paralelismos dimensionais e, por esse caminho, discute exatamente os conceitos da física. Em uma referência clara ao problema da relatividade, quando os tripulantes estão em busca de planetas que ficam próximos a um buraco negro, acabam se deparando com as complexidades físicas do tempo. Logo no primeiro planeta visitado, a viagem dura pouco mais de três horas para dois dos tripulantes (que vão ao planeta) e uma boa vintena de anos para o outro (que ficou na nave espacial e não foi ao planeta). O reencontro da tripulação é um prato cheio para a discussão física.
Mas talvez os filmes que melhor tenham quebrado paradigmas foram Gravidade (2013) e Perdido em Marte (2015). Em Gravidade as cenas de ação no espaço não têm som! Sim, pois a ausência de matéria no vácuo impede a propagação do som. Assim, explosões espaciais não emitem ruído algum. O cinema, que não é obrigado a ter âncora na realidade, usou e abusou do recurso sonoro para dar dramaticidade a explosões espetaculares. Em Gravidade, por exemplo, as referências aos sons só se dão pelo que ouvem os astronautas em suas comunicações de rádio e pela beleza visual dos impactos mudos de satélites espatifando a fuselagem dos ônibus espaciais. O inaudível fala pela imagem – uma belíssima metáfora que mais nos coloca de volta na realidade do que nos tira dela. Podemos dizer que restabeleceram paradigmas.
Vejo, portanto, grandes possibilidades de se discutir a sério a física por meio de filmes de ficção científica. Mesmo que encontrando e apontando inconsistências, os professores podem fazer um uso tão rico e dinâmico desses filmes – e produzir exercícios e materiais tão bacanas – que indico a criação um cineclube especial, com a participação dos professores de ciências, para discutir tais filmes. Se o universo é tão vasto e belo, nada como um bom filme para espreita-lo de uma posição privilegiada e interdisciplinar.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Ricardo A. B. Lourenço

Ricardo Lourenço é bacharel em Direito, licenciado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Atua como professor de Educação para as Mídias e Filosofia para o ensino médio, e trabalha com a difusão de cineclubes em escolas.

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