Há um fato interessante a respeito do nome próprio, comum em países de língua anglo-saxã, Seymour. É que, dependendo da pronúncia, o som fica parecido com “see more”, alguém que vê mais, isto é, um profeta. Esta ideia vem a calhar a propósito do recente falecimento do matemático e educador Seymour Papert, pioneiro na defesa do uso dos computadores como instrumento de aprendizagem. (Mais informações biográficas sobre Papert podem ser vistas no informativo obituário do jornal The New York Times).
Quando ele escrevia, no final da década de 1970, o clássico “Mindstorms: childen, computers, and powerful ideas”, publicado originalmente em 1980 (e cinco anos depois no Brasil, pela editora Brasiliense, com o título de “LOGO: Computadores e Educação”), havia cerca de 200 mil computadores, no mundo todo. Já no início da década de 1990, 200 mil era o número de computadores produzidos numa única semana. Em 2015, só o Facebook tinha 1,5 bilhão de usuários em todo o planeta.
Papert foi um dos primeiros a reconhecer a dimensão transformadora assumida pela tecnologia na sociedade, capaz de alterar o modo como as pessoas pensam, trabalham, divertem-se e aprendem. Os dados mostrados há pouco, assim como o recente e estrondoso sucesso global do jogo que utiliza recursos de realidade aumentada Pokemón Go, não deixam dúvidas de que esta faceta da “visão” antecipatória de Papert cumpriu-se.
Desta crença de base sobre o papel da tecnologia na sociedade decorreu a ênfase de Papert no papel que o computador poderia ter na educação e o desenvolvimento da linguagem de programação voltada a crianças Logo. A proposta do autor marcou, então, uma ruptura com as concepções iniciais da “tecnologia educativa”, derivadas de Skinner, que viam o computador como uma “máquina de ensinar”. Neste caso, característico da abordagem behaviorista e instrucionista, o computador seria um auxiliar útil na transmissão de conteúdos disciplinares.
Papert, fundamentado na teoria de aprendizado do psicólogo suíço Jean Piaget (com quem estudara vários anos), desenvolveu uma concepção própria sobre a computação educacional, que via o estudante não como um indivíduo que devesse apenas responder a estímulos externos, mas sim como capaz de ativamente analisar e interpretar vivências em termos de ideias mais gerais, construindo o conhecimento. Por isso, o computador foi pensando como uma “ferramenta” ou recurso que o aluno utilizaria para realizar alguma coisa. Em linhas gerais, essa é a base do construcionismo proposto por ele.
As ideias de Papert também receberam críticas, particularmente quanto às expectativas excessivamente otimistas relacionados ao software (especialmente, o Logo) de oferecer o suporte necessário ao aprendiz. No livro “O culto da informação” (Brasiliense, 1988), Theodore Roszak faz várias ressalvas ao “modelo de mente como processadora de dados” que a abordagem de Papert termina sustentando, ainda que aprove o uso do computador para o ensino de habilidades básicas de programação. Aliás, as propostas mais atuais (como a do Scratch) de ensino de programação para crianças e jovens devem muito ao trabalho de Papert.
Outros dois méritos do autor foram: 1) ter se mantido afastado da apropriação comercialista (dos vendedores de produtos educacionais) de suas ideias, razão pela qual, na década de 1980, abandonou uma iniciativa acadêmica que passou a se preocupar em vender computadores a países africanos; 2) ter reconhecido, como observa John Sculley, no prefácio da segunda edição de “Mindstorms”, que a “tecnologia na educação só é efetiva se assentada num contexto mais amplo que combina professores bem preparados com serviços sociais integrados” (p. VII).
É justamente esse contexto mais geral que faz com que muitos planos de mudança educativa, com a utilização da tecnologia, tornem-se antes crenças, profecias utópicas e abstratas, do que realidades concretas.
Veja também:
– Campus Party: criatividade na educação é central para resolver problemas
– Plano de aula: criando animação com Scratch: O gato e morcego
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Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.