A Comissão de Educação da Câmara aprovou, no início de maio deste ano, um substitutivo do Projeto de Lei 3010/11, com o objetivo de “disciplinar restrições ao uso de imagens pornográficas ou que incitem a violência em publicações escolares” (Artigo 1º da Proposta, link). O projeto original é de autoria de um membro da Frente Parlamentar Evangélica e o substitutivo é assinado pelo vice-presidente da Frente Parlamentar Católica. A mudança, se aprovada, envolverá a adição dos dois seguintes parágrafos ao Artigo 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

§1º. O material escolar destinado ao público mencionado no caput deste artigo não poderá conter ilustrações, imagens ou sinais de caráter erótico, pornográfico, obsceno, ou que estimule a violência: 
§2º. A classificação indicativa quanto a imagens de caráter erótico ou pornográfico deverá obedecer às seguintes definições: 
I- É vedado para menores de 12 anos quando existirem diálogos, narrações ou cartelas gráficas sobre sexo, em qualquer contexto. 
II- É vedado para menores de 14 anos quando existirem imagens, diálogos e contextos eróticos, sensuais ou sexualmente estimulantes. 
III- É vedado para menores de 18 anos quando a imagem contiver sexo com incesto, sexo grupal, fetiches violentos e pornografia em geral.
A iniciativa legal ainda pode ser detida, o que seria desejável, pois a proposta é ruim por dois motivos: o caráter redundante e o potencial de, a partir de interpretações enviesadas, causar prejuízos a professores, autores de materiais didáticos e ao próprio cotidiano de escolas.
A redação do projeto substituto mascara a redundância da proposta ao omitir o texto do Artigo 79 do ECA:
Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infantojuvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família. (destaques meus)
A lógica mais elementar dá a entender que o conteúdo pornográfico ou que estimule a violência já não é permitido. Mas também chama a atenção, em termos da inutilidade da proposta, a banalidade da justificativa do projeto original (que pode ser lida aqui), não se endereçando a um problema real e concreto, nos termos expressos pela iniciativa legal, da sociedade brasileira. Além disso, quem fará a “classificação indicativa” do material educativo, proposta no Parágrafo 2º do adendo, é aspecto indefinido.
Ninguém deseja, é claro, que conteúdos inadequados, incluindo os pornográficos, sejam disponibilizados a crianças e jovens, principalmente no âmbito escolar. No entanto, os livros que governo compra, por meio do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), passam por avaliação, que leva em conta aspectos desse tipo.
Por outro lado, caso a iniciativa siga adiante, é possível que trabalhos pedagógicos que envolvem uma série de conteúdos, como reprodução humana, arte ou literatura, sejam, a partir de visões estreitas, estigmatizados como “pornográficos”, fragilizando o trabalho pedagógico de escolas e professores.
Infelizmente, é possível suspeitar que o projeto tenha o objetivo oculto de restringir discussões, no contexto escolar, que envolvam a sexualidade, em mais um lance da ascensão conservadora na educação brasileira. Esse movimento é marcado também pela supressão do termo “orientação sexual” da base curricular (ver essa reportagem), sendo que anteriormente ele era uma temática transversal dos PCNs.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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