Afinal o que Platão, um discípulo de Sócrates, poderia nos dizer sobre o cinema comercial dos EUA? A pergunta pode parecer insólita, mas foi lendo a República de Platão que percebi que pode ser um erro apresentar certas produções cinematográficas aos nossos alunos, principalmente se escolhermos os musicais.  

É que, na educação do jovem grego, Platão colocava a imagem em segundo plano. Era à música que o filósofo atribuiu maior valor. Talvez a música fosse capaz de tocar a alma e ensinar os jovens sobre o sentido da elevação rumo à beleza. Para uma geração que vive com fones de ouvidos – com o perdão do trocadilho – Platão deveria ser música para seus ouvidos. Mas não parece ser assim com os filmes musicais.

A diferença é que, com a rapidez e a imensa quantidade de informações culturais que chegam aos jovens, os musicais perderam prestígio. Um exemplo de filme, que inclusive foca nos problemas da juventude, é “Amor, sublime amor” (1961). Sua narrativa traz Romeu e Julieta para o cenário da imigração de Nova York. O filme integra, com grande qualidade, a música (jazz) e a miscelânea de culturas (italianos e latinos) ao romantismo juvenil do amor proibido. Todo um universo está presente ali: cenários, passos de dança, relações afetivas entre os membros das gangues e críticas à marginalização dos imigrantes. E, ainda, a produção mostra a energia de uma juventude divertida, embora um pouco perdida. Mas a mensagem já parece desgastada e é pouco compreendida pelos meus alunos de hoje, seja porque conhecem versões mais poderosas dos conflitos ou por considerarem os protagonistas ingênuos. 

O mesmo pode se dizer de “Grease – nos tempos da brilhantina” (1978), um dos musicais mais cultuados do universo pop-cult, mesmo sem a envergadura de “Amor, sublime amor”. Ver trechos de “Grease” com os jovens é como entregar-lhes uma fatia de ridículo. As roupas, os trejeitos, as poses e a pouca utilização do corte e da angulação de câmera nas cenas de dança acabam por causar no jovem de hoje – fruto de uma geração pós-MTV – um sentimento de “vergonha alheia”. Algo que "High School Musical" (2006) também faz e que, em poucos anos, também será visto como ridículo pelos jovens de amanhã.  Num tempo em que a imagem é o símbolo máximo da contemporaneidade, os jovens recusam as imagens e as tramas desses filmes e nem a trilha sonora parece ser suficiente para seduzi-los. 

Mas, então, o que poderia “elevar” a alma jovem, considerando o contexto juvenil atual? O que pode fugir do óbvio e abrir espaço para a discussão sobre a cultura de hoje?  

Proponho dois filmes que possuem, sim, conteúdos mais significativos e temáticas que podem render ótimos debates nas aulas.  Falo de “Hair” (1979) e “Rent” (2005). Em Hair, a saída do jovem protagonista de sua cidade natal e rural em direção a uma Nova York tomada pelo movimento Hippie é impactante. Além disso, a música que acompanha a viagem (“Age of Aquarius”) inebria até os menos interessados ou que ignoram de forma absoluta quem foram os “The Mamas and the Papas”.

Já em “Rent” sugiro passar as duas primeiras músicas do filme na sequência, (“Season of Love” e “Rent”). Em um curto espaço de tempo as narrativas e os conflitos entre a doçura, o sonho, a arte e a realidade, o amor e a guitarra elétrica e uma força visual considerável encherão a sala de aula. 

Com algum cuidado na preparação dos alunos para as questões ali presentes (uma vez que as referências às drogas, ao sexo, ao preconceito e à desobediência civil são centrais), é possível a apreciação e o deslumbramento próximos do que Platão chamaria de elevação. Agora, porém, adaptadas ao universo do cinema jovem, no qual imagem e som têm a mesma grandeza.

Nesses filmes, a potência musical e a beleza estética não se separam, de forma que o estranhamento é muito menor. Ao contrário do que propôs o filósofo, som e imagem são potentes e sedutores. Um jovem hoje se sente muito mais próximo e disposto a compreender a beleza por conta daquilo que ouve (e menos pelo que vê). 

Nesse tipo de atividade se subverte, portanto, o que propõe o próprio filósofo, é verdade. Mas há que se pensar, também, que a análise cultural precisa de estímulos e que a leitura de textos clássicos não significa uma obediência cega. Se hoje discutimos o papel da escola e integramos a noção de um professor curador, como não nos permitirmos traçar caminhos que achamos mais ricos e estimulantes aos nossos alunos? O musical também pode ser uma saída de elevação.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Ricardo A. B. Lourenço

Ricardo Lourenço é bacharel em Direito, licenciado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Atua como professor de Educação para as Mídias e Filosofia para o ensino médio, e trabalha com a difusão de cineclubes em escolas.

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