A frase “Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis.", atribuída ao  general Otto von Bismarck, me parece caber bem nos tempos em que vivemos e poderia ser acrescida de outros elementos, como os números da educação.
 
Isso porque, a cada novo índice publicado pela grande mídia, seguem as análises. Todos, instantaneamente, viram articulistas, analistas, especialistas em Educação. Uma turma vai olhar os números para concluir o que já pensava, ‘O Brasil não tem solução’, outros vão criar metáforas, rankings e pódios, outros ainda vão escolher os dados que vendem jornal e pintar suas manchetes.
 
No final de 2013, foram divulgados os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). E na sequência desta publicação, já li que o Brasil está atrás do Cazaquistão mas as escolas federais do Brasil empatam com as italianas, já soube que as particulares se igualam com Israel, que melhoramos em Matemática mas ainda somos sofríveis na matéria. Enfim, o papel aceita tudo, inclusive as comparações mais improváveis de dados, que a maioria nem sabe de onde vêm e os articulistas não parecem interessados em explicar.
 
Por isso, este artigo não vai propor nenhuma comparação nem chegar a nenhuma conclusão sobre a situação da Educação no Brasil. Prefiro partilhar com você, leitor, algumas reflexões sobre como compreender dados, inclusive os da educação. É preciso mais do que três comparações para entender e aproveitar os resultados de uma pesquisa, já que pesquisas dessa envergadura tomam tempo, custam caro e podem nos ajudar a compreender processos e iluminar projetos, ou não.
 
Dentre os questionamentos, é interessante entender o que é um índice, quem o produz, de que maneira, com qual finalidade. Faz diferença saber isso? Sim, faz toda a diferença. Pesquisas não são neutras nem aleatórias. Pare para pensar se há neutralidade na pesquisa sobre uma doença paga pelo laboratório que produz o remédio. Ou da relação entre câncer e cigarro bancada pela indústria do tabaco. 
 
O Pisa, por exemplo, é um instrumento de avaliação, promovido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada em 1960, por 18 países europeus além de Estados Unidos e Canadá, tendo como objetivo contribuir para o desenvolvimento global. Hoje são 34 países (o Brasil não está entre eles).  Inicialmente reunia os dados de alunos das escolas destes países, todos desenvolvidos.
 
E o Brasil, o que tem a ver com isso?  Em 2000, o então ministro da Educação Paulo Renato Souza, solicitou a participação do Brasil no Pisa por considerá-lo um instrumento de credibilidade em avaliação, que poderia nos mostrar condições e apontar caminhos para a Educação do país. Atitude corajosa do ministro, nossos resultados foram ruins, ninguém esperava que fosse diferente, face à diversidade do Brasil em relação aos demais participantes. 
 
Então, para que serviu e vem servindo esta participação? Certamente não é para comparar o Brasil com o Cazaquistão. Nem para fazer um grupo de gestores endinheirados inventarem viagens para ver as escolas na Finlândia (eles até podem ir lá, mas não é isso que está em jogo). Participar de processos avaliativos pode proporcionar a comparação mais interessante entre índices, que é a comparação do Brasil com o Brasil, naquilo que o país está interessado em comparar. Sim, pois na medida em que o Brasil ‘pega carona’ na realização da prova, talvez nem todas as informações sejam interessantes para o nosso contexto. Isso pode mudar a partir de agora, pois o Brasil passará a integrar o Conselho Diretor do Pisa podendo fazer sugestões sobre a prova.
 
Participar do Pisa permite, mais do que avaliar os alunos, avaliar as políticas e que vêm sendo empreendidas para enfrentar os nossos problemas. Algumas dizem respeito à educação, outras, como vimos nos resultados do PISA, são mudanças que dependem mais da melhoria das condições econômicas do que propriamente de mudanças nas políticas educacionais. 
 
Não vou dizer aqui se concordo com o ex-ministro da Educação, Aloísio Mercadante, que apresentou os resultados do Brasil no Pisa com a seguinte metáfora “a fotografia é ruim mas o filme é bom”.  Talvez ambos poderiam ser melhores ou piores, mas a metáfora é excelente, pois traz a importância da comparação entre os diferentes momentos, ‘com o mesmo elenco’ em ‘diferentes quadros do filme’. Possibilita (desde que não seja o único instrumento) analisar políticas implantadas, agentes, processos ou ‘o roteiro, os atores, as locações’. Enfim nos permite algumas análises, pode ajudar gestores a construir e implementar políticas. 
 
Portanto, da próxima vez que você ler o resultado de uma avaliação, como o Enem e o Pisa, entre muitos outros, procure entender o que é a prova, a quem e para que serve, quem promove e com quais finalidades. Procure comparações que mostrem o que mudou entre nós. Esqueça os rankings e os pódios. Eles servem à mídia, aos detratores da direita e da esquerda, ao marketing das escolas particulares, mas vão servir pouco aos que mais necessitam das políticas que os resultados podem ajudar a construir: os alunos brasileiros matriculados nas escolas públicas.

 

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Zilda Kessel

Zilda é educadora, mestre em Ciência da Informação pela ECA (USP) e doutoranda em Educação na PUC-SP. Professora da pós graduação do Senac, atua em projetos na área de difusão cultural e tecnologia educacional. Também, é assessora pedagógica do portal NET Educação.

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