Fui recentemente provocada pelo autor Umberto Eco, conhecido por várias obras. Mesmo que desnecessário fazer referências, cito um dos consagrados títulos “O Nome da Rosa”, premiado com o Strega em 1981, e em 2015, ele lançou o livro: “Número Zéro”, do gênero ficção, tecido na década de 90, em Milão, na Itália. O livro realiza uma profunda crítica sobre a manipulação e a superficialidade do jornalismo sensacionalista, ao mesmo tempo, aponta a debilidade do Estado, a improbidade governamental e o mau caratismo dos políticos.

Essa combinação do mau jornalismo e da má governabilidade, quando exercidos por longas datas, desencadeia um efeito anestésico que permite condescendência frente à imoralidade, à ilegalidade, em outras palavras, à uma insensibilidade, ou melhor, à uma imobilidade diante ao caos, e o efeito dessa anestesia demora a passar e impede que se acorde para o amanhã e portanto, o amanhã deixa de existir, deixa de ser sonhado, deixa de ser almejado, pelo contrário, o futuro passa a ser um fardo, passa a ser temido, se pudesse seria evitado, o futuro passa a ser um grande constrangimento.

Para se acordar desse efeito deve-se aplicar um remédio de efeito contrário chamado Educação de Qualidade.

A leitura desse livro me foi indicada como terapêutica antiestresse durante o período das férias por uma atendente muito dedicada às novidades literárias de uma livraria na cidade de Campinas. Aliás a mesma cidade que foi envergonhada internacionalmente pela “Câmara de Vereadores” que aprovou, em final de outubro, uma moção de repúdio à filosofa “Simone de Beauvoir”. Retrocesso acadêmico, negação do conhecimento construído e reconhecido pela humanidade.

Mas voltando ao foco da surpresa da leitura do livro “Número Zéro” de Umberto Eco. Chegando nas páginas finais,  deparei com a descrição dada, por uma das personagens, sobre a América do Sul ou a América Central ser um berço de vários países onde é possível viver sem ser perseguido por conhecer um fato, porque nesses países nada é segredo, tudo acontece à luz do dia, como por exemplo, “os bancos vivem de lavagem de dinheiro”, “governo e delinquência coincidem por ditame constitucional”, ou ainda “a polícia afirma ser corrupta” e sendo assim, um endereço certeiro para os que precisam ser esquecidos pela justiça.

Essas afirmações revelam uma imagem, nada jovem, de um Brasil desgovernado desde sempre.

Não me contive e imediatamente pesquisei uma referência sobre como o Brasil era visto ou sentido na década de 90 e encontrei a matéria de Marta Góes, na revista Isto É, publicada em fevereiro do ano de 1999, o título do artigo é “Eu sei que vou te amar – O brasileiro percebe que sem autoestima e cidadania não vai vencer a crise e quer aprender a gostar do País”. Nesse artigo, a autora coleta várias opiniões sobre como o brasileiro avalia a condição de Ser Brasileiro.

Uma das entrevistadas foi da atriz Fernanda Montenegro que, na época, tinha uma ideia afirmativa sobre ser brasileiro e defendeu que "temos uma baita autoestima", e mais, que essa autoestima “transborda o orgulho da nossa cultura”. Naquele momento, a atriz havia sido indicada ao Oscar, em 1998, por sua brilhante atuação no filme “Central do Brasil”. Ela se definiu da seguinte forma: "não é ser uma vivandeira da alegria, mas vejo isso no País. Nós somos Ayrton Senna, somos Villa-Lobos, somos os irmãos Caruso, Clarice Lispector, Cora Coralina, somos o cantador de cordel, o homem que planta cactos no sertão quando não tem nada para comer". Para ela, a indicação ao Oscar foi reconhecimento e oportunidade para mostrar a imagem correta do Brasil. “Mostrar que não somos a Geni do mundo".

Quando o brasileiro pensa nas referências utilizadas por Fernanda Montenegro, o sentimento nacionalista se manifesta orgulhosamente, mas se as referências forem comparadas às utilizadas por Umberto Eco a sensação revelada é de uma pátria órfã, usurpada, destituída.

Um povo órfão e carente pode se apegar facilmente por qualquer relâmpago de glória, como afirmou Jorge Forbes, na entrevista de Marta Góes, que naquele momento, era presidente da Escola Brasileira de Psicanálise, que se faltasse amor próprio ao brasileiro, seríamos um povo deprimido e, no entanto, somos aqueles que sabem aproveitar a vida com pouco. Naquela época, final dos anos 90, o Brasil tinha acabado de sofrer a desvalorização do real, "mas o drama é compensado com Carnaval, futebol e, agora, o Oscar”.

Essa ideologia de que a alegria nacional se resume no carnaval, nos times de futebol, em escritores, artistas ou atletas famosos funciona no senso comum, mas a análise crítica da realidade resulta em vergonha da má distribuição de renda.

Ainda que tenhamos participado de eventos de transformação social, como superar a ditadura ou de chegarmos ao processo democrático de eleição, na década de 80, isso não basta, a depressão atingiu altos índices, inclusive ao povo do carnaval e do futebol.

Como nossa história se repete e os discursos continuam sendo conduzidos por uma ideologia dominante, o que temos hoje é cansaço diante da atuação dos maus políticos que não nos representam para utilizar nossos impostos para investir, por exemplo, e minimamente, em educação pública e de qualidade. Para educar o brasileiro para ressuscitar o nacionalismo e o patriotismo!

O historiador Jaime Pinsky, na entrevista de Marta Góes, disse que a raiz do nosso problema está no fato de o Brasil ter virado Estado antes de ser Nação. Quando se criou a monarquia ela só foi comemorada por um pequeno grupo político, e isso gerou um processo acéfalo no Brasil. "A culpa é sempre ‘deles’. Não conheço ninguém que diga ‘nós’ quando fala do governo".

O processo da democracia se polui quando a campanha política para eleição é mascarado, quando todos os partidos se aliam e para quê tantos partidos? Para dividir ainda mais opiniões, para separar ainda mais as pessoas? Haja resistência para engolir essa falsa democracia!

Na matéria da Isto É, “o brasileiro é muito vibrante e cada vitória ou derrota, é como se fosse sua", disse o tenista Guga Kuerten, que então tinha 22 anos quando a matéria foi publicada. Em 1988, Ayrton Senna venceu o Grande Prêmio de Detroit, um dia após a eliminação do Brasil na Copa do México, e para sacramentar a vitória, exibiu no final uma bandeira verde e amarela, um gesto que se tornaria um símbolo.

A autora Marta Góes, relembrou uma fala do Tostão, tricampeão mundial em 1970 compara: "o futebol é a vingança do brasileiro, seja ele jogador ou torcedor. Em época de Copa ele se sente parte do primeiro mundo", afirmou. O time da Alemanha, na Copa de 2014, no território brasileiro, mostrou que nem o futebol brasileiro é mais símbolo de supremacia. A corrupção tirou esse sonho da nação!

Sem futebol e cansados do carnaval!

Queremos um país sem corrupção nem dos antigos e nem dos novos políticos, empresários, sejam eles imperialistas, neoliberais, da direita ou da esquerda! Não nos envergonhem diante do mundo por omissão de fatos criminosos que envolvam acontecimentos, como o rompimento de barragens, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, que mata homens, arrasa cidade e destrói o meio ambiente, entre outros tantos escândalos, porque a notícia extravasa nossa fronteira!

Educação, comunicação e informação são três pilares de uma sociedade que se pretende justa e livre.

Planos de Governo se faz para e com o povo! Não se pode atender interesses que não sejam voltados para o crescimento de uma nação. E por nação entendemos todas as classes sociais.

Referências:

http://www.istoe.com.br/reportagens/28795_EU+SEI+QUE+VOU+TE+AMAR, acesso em 04/11/2015 às 22h05.

http://g1.globo.com/pop-arte/blog/maquina-de-escrever/post/no-romance-numero-zero-umberto-eco-reflete-sobre-os-rumos-do-jornalismo.html, acesso em 10/11/2015 às 22:44

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Autor Simone Marconatto

Simone é graduada em Biologia e Pedagogia. Pós-graduada em Sexualidade Humana, Fundamentos Teóricos e Práticos em Educação e Tecnologia e Educação, e mestre em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação, pela UNICAMP.

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