Uma característica ambivalente dos livros digitais é que não é possível, com eles, fazer aquelas pilhas de livros “a ler” que se tornam uma fonte de pó e culpa. Porém, a ausência dos volumes físicos pode fazer com que algumas obras que queremos conhecer se percam na memória e nos HDs. Foi isso que aconteceu comigo em relação ao livro Mídias sociais no Brasil emergente: como a internet afeta a mobilidade social, de Juliano Spyer, de que tive conhecimento há alguns meses.

Felizmente, a divulgação, numa postagem do Facebook, do lançamento do livro (agora, em formato convencional, editado pela EDUC-PUC/SP), a acontecer no próximo dia 6 de agosto, ofereceu uma oportunidade de relembrar esse trabalho. Meu interesse inicial decorria de saber que ele era um dos resultados da interessante iniciativa global de pesquisa Why We Post (“Por que postamos”, em português), liderada pelo antropólogo Daniel Miller. O site do projeto descreve aspectos do trabalho, realizado em oito países, preocupado em entender os usos e consequências da mídia social. É válido também notar outro produto dessa pesquisa: um curso online que dá a conhecer os resultados de maneira detalhada.

A obra de Spyer é justamente a parte brasileira do projeto, na qual um povoado costeiro da Bahia foi investigado, durante quinze meses, numa etnografia. No prefácio do livro, Daniel Miller observa que o estudo permite perceber que, em contextos em que há limitação de recursos financeiros e de educação formal, as pessoas “se esforçam para conseguir sua inclusão digital […]. Não é por elas estarem iludidas ou seduzidas pela publicidade para consumir produtos eletrônicos, mas porque elas percebem as mídias sociais como uma ferramenta que pode proporcionar educação, contato contínuo dentro de redes de cooperação e também novas oportunidades para elas conseguirem o que buscam” (p. 12).

A vantagem da abordagem etnográfica é que permite contextualizar o fenômeno de maneira abrangente, ou seja, a mídia social não é tomada como uma variável exclusiva de mudanças. Na verdade, ela relaciona-se a condições atuais e prévias (históricas) do grupo analisado. Desse modo, no capítulo mais voltado à educação (“Educação e trabalho: tensões em sala”), é valioso observar as transformações por que passou a educação pública no tipo de povoado do interior do Brasil analisado. Percebe-se um quadro de expressivas melhorias (particularmente de infraestrutura e quanto ao acesso), mas ainda notáveis fragilidades (como a questão da qualidade).

Os professores e funcionários de escola, mostra a pesquisa, consideram a mídia social um elemento perturbador da educação, representando uma dimensão da falta de disciplina dos estudantes. Os pais dos jovens também tendem achar que “o Zap Zap [a pronúncia popular de WhatsApp] é coisa do demônio” (ver esse vídeo), por seu caráter transformador de comportamentos. Porém, eles pouco podem fazer para mudar isso: o diabo é bastante charmoso.

De fato, essa realidade de uso da mídia social pelos jovens não irá se alterar facilmente. Por isso, do ponto de vista educativo, são tão interessantes as observações de Spyer em relação ao modo como a internet abriu espaço para a ampliação de conhecimentos e experiências pelas pessoas – inclusive as analfabetas, que utilizam vídeos do YouTube para aprender assuntos que têm interesse. De maneira similar, o autor também descreve como a mídia social tende a estimular uma motivação relacionada à comunicação textual que, talvez, possa se transferir ou ser aproveitada no contexto educativo formal. Mas, para tanto, como sempre, os professores precisam ter capacidade, discernimento e criatividade para aproveitar essa oportunidade.

Crédito da imagem: Varijanta/iStockphoto

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Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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