As duas grandes guerras mundiais marcaram o século XX. O cinema viu desde salas fechadas e a produção interrompida ou reduzida, como na Itália e na Alemanha, a filmes de exaltação ao nazi-fascismo. As guerras foram verdadeiros divisores de águas no desenvolvimento da linguagem e nas temáticas cinematográficas e marcaram as diferentes fases, tanto na Europa como nos Estados Unidos. 
 
Um primeiro momento (anterior à 1ª Guerra, 1914-1919), há a hegemonia do cinema francês. O período entre guerras (anos 1920-30) é caracterizado pelo reconhecimento do cinema como arte, com espaço para a pesquisa estética e para as vanguardas artísticas.  No período pós 2ª Guerra, em alguns países, o cinema é visto como instrumento civilizatório do reerguimento da identidade cultural europeia.  Surgem propostas muito diferentes do que se fazia em Hollywood, o que dá início ao Cinema Moderno.
 
Os artistas neorrealistas destacaram-se na resistência contra o fascismo e contra a ocupação nazista. A origem do movimento está nos documentaristas italianos da época do ditador Benito Mussolini – no poder de outubro de 1922 a julho de 1943 – e, nos anos 1943-45, durante a dominação de Adolf Hitler.  A resistência italiana foi formada por várias forças que se uniram contra a ocupação nazista: católicos, socialistas, comunistas, anarquistas, monarquistas e liberais. 
 
O movimento teve expoentes na literatura reunindo, entre outros, Ítalo Calvino, Alberto Moravia e Cesare Pavese, eram adeptos do “verismo” (de vero, verdadeiro), movimento do século XIX, que também fazia a crítica social do seu tempo.
 
O neorrealismo sucede, na Itália, um período marcado por produções de temática bíblica, filmes de exaltação da ideologia fascista ou melodramas em que se sobressaíam as divas. Estes eram chamados de “cinema de telefone branco”, porque feitos em estúdios que representavam residências chiques, com personagens fora da realidade italiana. Havia uma evidente tentativa de se copiar Hollywood. Os documentaristas quem tinham alguma liberdade de experimentação temática e artística, principalmente em curtas-metragens, o que chamava pouca atenção.
 
Curiosamente o filho do ditador Vittorio Mussollini gostava muito de cinema e tinha interesse em desenvolver um cinema italiano mais autêntico. Em 1938, ele criou a Revista Cinema, que abrigava vários intelectuais de esquerda, considerados bons documentaristas, como Giuseppe De Santis, Mario Alicata, Giovanni Puccini, Roberto Rossellini e Vitorio De Sica. Lucchino Visconti juntou-se a eles depois de ter sido assistente de direção de Jean Renoir, na França. 
 
Os documentários desse grupo mostravam gente do povo simples, trabalhadores das minas e da terra, desempregados das periferias urbanas. Esse olhar foi levado para os filmes de ficção, buscando denunciar a miséria das classes populares, acentuada, depois, pela guerra. Eram produções com poucos recursos, não havia estrutura de produção nem de distribuição dos filmes. 
 
A guerra contra a ocupação nazista, o desemprego e o subemprego urbano, o abandono dos jovens e idosos, a condição feminina, os problemas sociais do campo, a relação do homem com a religião eram temas recorrentes, sendo este último especialmente delicado, sobretudo na Itália, um país muito católico e com forte presença da Igreja como censora.
 
A linguagem do cinema neorrealista se caracterizou pelos enquadramentos em planos de conjunto e planos médios, sem muitos closes (a câmera não conduz o espectador, só registra as cenas); recusa de efeitos visuais (sem reflexos, deformações, imagens inclinadas);  filmagem em cenários reais (câmeras nas ruas); muitas improvisações em relação ao roteiro; utilização de não-atores; simplicidade dos diálogos e valorização dos dialetos; além de orçamentos baixo custo. 
 
Filmes e cineastas mais significativos do Neorrealismo italiano
Em 1943, portanto, ainda durante a guerra, foram realizados os filmes precursores desse movimento. São eles: O Coração Manda, de Alessandro Blasetti, A Culpa é dos Pais, de Vittorio De Sica e – o mais impactante de todos – Obsessão, de Luchino Visconti. Este é uma adaptação do romance de James I. Cain “O Destino Bate à sua Porta” (que teve depois duas adaptações no cinema dos EUA).  
 
 
O filme exigiu longa pesquisa de integração dos personagens com a paisagem. A trama que traz uma mulher e seu amante, que planejam o assassinato do marido para resgatar o dinheiro do seguro foi considerada uma afronta aos valores cristãos da família. Os fascistas detestaram e a Igreja censurou.  
 
Já o diretor Roberto Rosselini, que integrou a resistência italiana, filmou a cidade de Roma, em 1945, dois meses após a desocupação nazista. O projeto do filme foi apresentado por um jovem roteirista da época, que depois se tornaria um dos maiores cineastas do mundo: Federico Fellini. O filme Roma, Cidade Aberta, mostra os destroços da guerra, além de registrar a presença ainda forte dos soldados alemães (que entram como figurantes na trama). A narrativa traz a resistência ao nazi-fascismo, com cenas impactantes das torturas promovidas pela Gestapo, e de assassinatos. O ator mais conhecido do filme é Aldo Fabrizi, que interpreta Don Pietro Pellegrini, o padre das cenas de humor e de intensa dramaticidade. Os atores Anna Magnani e Marcelo Pagliero tornaram-se conhecidos nesta obra. A cena em que Pina (Anna Magnani) corre atrás do carro da polícia e é assassinada na frente do filho tornou-se antológica. Ela pode ser vista no link acompanhada dos comentários de um crítico de cinema.  Rejeitado pela crítica italiana, Roma, Cidade Aberta foi consagrada obra-prima no Festival de Cannes de 1946, o que valeu o prêmio máximo e a sua circulação mundial.  
 
Roberto Rossellini tornou-se um dos cineastas mais importantes da história do cinema, realizando uma vasta obra até o início dos anos 1970. Juntamente com Roma Cidade Aberta, compuseram a chamada Trilogia da Guerra: Paisá (1946), um conjunto de seis episódios, sobre situações da 2ª Guerra (uma opção para apresentar o Neorrealismo italiano aos alunos em sala de aula, porque os episódios são curtos, independentes e contundentes); e Alemanha Ano Zero (1948), uma triste e bela representação das ruínas da Alemanha no pós-guerra, que traz uma criança como protagonista.   
 
Outro diretor fundamental do movimento Neorrealista italiano é Vittorio De Sica, realizador de uma obra clássica no cinema. Além do já citado, A Culpa é dos Pais (1943), seus filmes mais importantes e conhecidos desse movimento são Vítimas da Tormenta (1946), Ladrões de Bicicleta (1948), Milagre em Milão (1951) e Umberto D (1951). Este último trata do drama dos idosos no pós-guerra, cuja aposentadoria não é suficiente para custear sua moradia. Seu único e maior bem é sua cachorrinha Flik. 
 
Há uma cena até engraçada, em que Umberto é internado em um hospital público e um dos doentes revela que insiste em ficar doente para ter a alimentação e teto do hospital. 
 
 
Provavelmente, o filme mais conhecido de De Sica é Ladrões de Bicicleta, obra que pode agradar inclusive às crianças e adolescentes, desde que sua realização seja contextualizada. O filme mostra a situação dos desempregados do pós-guerra e o drama de um pai de família que consegue um emprego de entregador, mas tem sua bicicleta roubada. Ele persegue o ladrão pelas ruas, ao lado de seu filho. Filme muito tocante, realizado com não atores.
 
 
O terceiro cineasta mais significativo do Neorrealismo italiano foi Luchino Visconti, de origem nobre (ele era o Conde de Lonato Pozzolo), mas comunista.  Chamado de “conde vermelho”, Visconti iniciou sua carreira com os filmes neorrealistas, como o já citado Obsessão (1943). Retratando a Itália do pós-guerra, realizou A Terra Treme (1948) e Belíssima (1951), este considerado o último filme bem característico do movimento. Depois, sempre aprimorando seu refinamento estético, ampliou as possibilidades temáticas de seus filmes, realizando grandes obras primas, já sem a marca do movimento do pós-guerra, como Noites Brancas (1957); Rocco e seus irmãos (1960); O Leopardo (1963); Os Deuses Malditos (1969); Morte em Veneza (1971); Ludwig (1973); Violência e Paixão (1974) e O Inocente (1976). 
 
A maioria dos movimentos artísticos tem curta duração. Os filmes apresentados neste artigo reúnem os principais elementos do Neorrealismo italiano que ganharam muita importância na história do cinema e também tiveram algum sucesso de público. A partir da segunda metade dos anos 1950, as produções italianas assumem outras facetas, especialmente com comédias de boa qualidade. Mas essa ruptura com o cinema hollywoodiano deixou marcas até a atualidade, o que influenciou o início do Cinema Moderno. Cineastas italianos seguiram com forte influência dessa época, construindo uma notável cinematografia com Federico Fellini, Michelangelo Antonioni (que já estavam atuando nos anos 1940), Ettore Scola, Irmãos Tavianni, Marco Bellochio, entre outros.
 
No Brasil, o Cinema Novo foi totalmente influenciado pelos neorrealistas, especialmente Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha. Dos cineastas contemporâneos brasileiros, podemos citar Eduardo Coutinho e Walter Salles como herdeiros dessa tradição. 

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Cláudia Mogadouro

Cláudia é doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Graduada em História, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP.

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