No artigo O cinema de Disney vimos a importância de Walt Disney no mundo da animação. Além da qualidade, é inegável que a difusão do imaginário Disney tomou conta do mundo. A estética de seus desenhos passou a ser a referência maior para espectadores de todas as idades. Mas não se pode dizer que Walt Disney foi unanimidade. Entre educadores, as principais críticas, especialmente na década de 1970, dizem respeito à política de domínio cultural dos EUA sobre países subdesenvolvidos, especialmente os latino-americanos. O livro Para Ler o Pato Donald,  publicado no Chile, em 1971, por Armand Mattelart e Ariel Dorfman, tornou-se um clássico da denúncia do imperialismo norte-americano, a partir dos personagens de Disney. E, por mais que esse livro hoje tenha perdido a atualidade, ele evidencia o mercado que essa indústria cultural manipula ao lançar, junto com os filmes, mochilas, álbuns de figurinhas e toda sorte de produtos infantis com os personagens dos filmes.

A ideologia capitalista presente nos filmes de animação dos estúdios Disney tem a mesma lógica dos filmes de Western ou dos Musicais que, apesar da qualidade artística indiscutível, impuseram-se por meio do poderio econômico sobre toda a cinematografia mundial, o que nos passa a ideia de que cinema é sinônimo de Hollywood e de que animação é sinônimo de Disney. Mesmo nos Estados Unidos a  Disney se impõe também sobre concorrentes como os estúdios Blue Sky (A Era do Gelo, Robôs, Rio, Reino Escondido, entre outros) e DreamWorks (Shrek, A Fuga das Galinhas, Kung Fu Panda, Turbo, entre outros), cujo sucesso não é tão regular como foram os sucessos da Disney.

Na década de 1990, a Pixar, estúdio que produzia desenhos apenas para propaganda de hardware, aliou-se à Disney, que era sua cliente. A Pixar fez experimentações com animação digital e lançou Toy Store, em 1995, o primeiro longa de animação inteiramente digital. Na parceria coube à Disney a distribuição. Os filmes da Pixar obtiveram maior sucesso comercial que os da Disney, não apenas pela qualidade estética, mas por trazerem temas mais contemporâneos e uma maneira menos maniqueísta de contar histórias.  A marca Disney-Pixar lançou com sucesso comercial Vida de Inseto (1998), Toy Store 2 (1999), Monstros S.A (2001), Procurando Nemo (2003), Os Incríveis (2004), Carros (2006), Ratatouille (2007), Wall-E (2008), Up – Altas Aventuras (2009), Toy Store 3 (2010), Carros 2 (2011), Valente (2012) e agora, recentemente, Universidade Monstros (2013).

Em todo o mundo os lançamentos seguiram uma sequência clara: primeiro as salas de cinema, com intensa publicidade e muitos produtos licenciados (lápis de cor, mochilas, álbuns de figurinhas e games). Os filmes Disney-Pixar abordam questões muito interessantes para o trabalho pedagógico. Vamos falar um pouco sobre cada um dos filmes: 

• Ratatouille (Brad Bird, 2007) – o protagonista é Remy, um ratinho que adora cozinhar, o que é uma contradição em si, pois não existe nada mais indesejável na cultura humana, em termos de higiene, do que um rato na cozinha. O ídolo de Remy é Gusteau, um famoso chef francês cujo lema é “Qualquer um pode cozinhar”. Estudioso de suas receitas, Remy vai, pelo esgoto, parar em Paris, assumindo a tarefa de reabilitar o famoso restaurante de Gusteau, que está em decadência. Superação é o tema principal dessa divertida animação que trata de valores como dedicação, persistência e criatividade na busca pelos sonhos. Culinária e romantismo são os temperos da animação que diverte crianças e adultos. Um prato feito com legumes, comum entre camponeses, denominado Ratatouille é a salvação do restaurante. O filme pode ser um grande estímulo para crianças e adultos aprenderem a cozinhar e descobrir, na prática, a importância da criatividade.

Outros temas interessantes que o filme aborda são os cinco sentidos, com destaque para o olfato e o paladar, a gastronomia, mostrada como arte e  acessível a todas as pessoas, desde que se apure a sensibilidade. Um personagem muito curioso é o crítico de gastronomia, que problematiza a função dos críticos. Nos extras do DVD há um curta metragem sobre a história do rato e a sua relação com o homem.

• Wall-E: (2008, A. Stanton): o desenho consegue dar sentimento aos robôs Wall-E e Eve, os protagonistas da história. A história se passa daqui a aproximadamente 700 anos e o planeta se tornou inabitável, uma projeção sombria sobre o futuro da Terra. Esse é um grande mote para se pensar no que fazer para evitar as catástrofes (ecológicas, no caso). Wall-E (sigla para Waste Alocation Load Lifters – Earth Class – Empilhadeira de Detritos-Classe Terra) estava programado para arrumar o lixo deixado pelos antigos habitantes durante cinco anos, mas, aproveitando a energia solar, mantém sua tarefa por 700 anos. Wall-E é o único habitante da Terra e seu animal de estimação é uma baratinha de nome Hall (numa referência a 2001 – Uma Odisséia no Espaço). A chegada de uma nave espacial trazendo o robô-sonda Eve (abreviação para Extra-terrestrial Vegetations Evaluation), para avaliar a possibilidade de vida na Terra, dá início à paixão entre os robôs. Wall-E aprende a namorar assistindo repetidamente é o filme Hello, Dolly, um musical de 1969, largado no lixo. Além de brinquedos antigos, é curioso que Wall-E guarde consigo um filme (em VHS) que representa a herança cultural deixada pelo cinema. Na primeira parte do filme, não há diálogos, o que desafia o espectador a compreender e valorizar a linguagem audiovisual.

Na segunda parte do filme, os robôs vão para uma nave espacial onde estão os  habitantes da Terra que desistiram de equilibrar o ecossistema. Ali  predomina a obesidade, o sedentarismo, o consumismo e a passividade diante dos governantes. Os robozinhos mostram que ainda é possível reconstruir a vida em nosso planeta, o que causa uma grande confusão.

O filme traz excelentes oportunidades para discutir o que é uma vida sustentável, o consumismo,  a reciclagem de lixo e a cidadania. Na produção há e uma contradição com a própria da indústria cultural: a mesma produção que critica o american way of life, lança uma infinidade de produtos com a marca Wall-E.

• Up – Altas Aventuras (2009, Pete Docter) foi o filme de abertura do Festival de Cannes de 2009 (conhecido por valorizar o cinema europeu e desdenhar da indústria hollywoodiana) e surpreendeu os espectadores com sua complexidade e delicadeza. O desenho trata da solidão da velhice, da realização de velhos sonhos e da amizade inusitada entre um velho e um garoto.

Carl é o idoso protagonista que havia sonhado, com sua esposa, conhecer o Paraíso das Cachoeiras, na Venezuela. Porém, as dificuldades do dia a dia fazem com que o casal adie sempre esse sonho. Sua companheira Ellie morre, deixando Carl deprimido, sem ter com o que se ocupar. Mas a especulação imobiliária vem movimentar sua vida, pois quer forçá-lo a vender sua casa para a construção de prédios. A defesa intransigente de seus valores e sonhos faz com que Carl cometa uma loucura: muitos balões (sua especialidade) o levarão, junto com a casa, para o Paraíso das Cachoeiras. O inusitado acontece: quando ele se dá conta, Russell, um garoto escoteiro, está também na casa e Carl terá que se responsabilizar por ele. Muitas são as aventuras que exigirão dos dois personagens muita tolerância. Os sonhos de Carl, construídos ao longo da vida, alimentarão essa amizade e a construção de um futuro comum.

 

O conhecimento científico, especialmente de Física, está bastante presente nessa animação comovente. A capacidade de flutuação dos balões e a preservação de animais em extinção são temas bem trabalhados no filme. 

Os desenhos da Disney-Pixar, além da capacidade de agradar a todas as idades e de trazer temas contemporâneos, apresentam muitas cenas narradas apenas com a linguagem audiovisual, sem texto ou legenda, estimulando a percepção do espectador.

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Autor Cláudia Mogadouro

Cláudia é doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Graduada em História, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP.

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