Foi recebida com grande alegria a notícia da indicação da animação brasileira O Menino e o Mundo para a lista das cinco animações finalíssimas do Oscar 2016. Surpresa para muitos, já que o filme era desconhecido da maioria dos brasileiros, O Menino e o Mundo ficou sete meses em cartaz em São Paulo (SP), em 2014, foi exibido em várias capitais brasileiras, em mostras, conquistando pouco mais de 30 mil espectadores (o que é pouquíssimo!). O público brasileiro ignorava também que a belíssima animação de Alê Abreu ganhara 45 prêmios, quase todos internacionais, incluindo os prêmios da crítica e do público no 38º Festival de Cinema de Animação de Annecy (França), principal festival de animação do mundo. 

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Agora os brasileiros saberão mais sobre essa animação e terão a chance de vê-la, pois já está de volta aos cinemas. O diretor Alê Abreu, um jovem de 44 anos, que cresceu em Perus, região periférica de São Paulo, vai representar o Brasil na cerimônia de 28 de fevereiro de 2016, no Dolby Theater de Los Angeles (EUA), com audiência espetacular no mundo todo. 
 
Oscar é o apelido do Prêmio de Mérito da Academia (The Academy Awards of Merity), concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, fundada em Los Angeles, em 1927. O prêmio é uma estatueta de 35 centímetros, com 4 kg, feita de estanho e folheada a ouro, concebida pelo diretor de arte Cedric Gibbons e pelo escultor George Stanley. Há duas versões para o apelido do prêmio: uma diz que a secretária executiva da academia ao ver a estatueta achou que parecia com seu Tio Oscar. A outra versão é a de que Bete Davis teria dito que lembrava seu ex-marido Oscar. O fato é que o apelido se tornou tão popular que a academia o assumiu a partir de 1939. 
 
O valor simbólico do Oscar é incomensurável, não apenas para os vencedores, mas para todos os indicados. Trata-se da chancela da indústria do cinema norte-americano, o mais visto no mundo e, para muitos, o sinônimo de cinema. Mas é bom lembrar que se trata de um tipo de cinema, aquele que atende a algumas fórmulas, com expectativa de público amplo. Raramente as indicações contemplam o cinema autoral, isto é, os filmes em que o cineasta é mais independente, tanto na forma como nas temáticas abordadas. Muitas obras que não ganharam o Óscar de melhor filme – como Cidadão Kane, Rastros de Ódio ou Cantando na Chuva – estão em todas as listas de melhores filmes da história do cinema.
 
A única vez em que o Brasil, de alguma forma, foi considerado vitorioso no Oscar, foi em 1960, com a premiação do filme Orfeu Negro. Produção considerada francesa, na verdade era uma co-produção ítalo-franco-brasileira, com direção de Marcel Camus. O roteiro é uma adaptação da peça Orfeu da Conceição (1956), de Vinícius de Moraes. A obra ganhou vários prêmios, além do Oscar, e foi vista mundo afora, contribuindo, ao menos, para a difusão da música brasileira, particularmente a bossa nova presente na  trilha sonora, de autoria de Tom Jobim e Luís Bonfá. Para muitos, este filme é artificial e maniqueísta, mostrando o Rio de Janeiro e a favela carioca, do final dos anos 1950, totalmente estilizada, em situações inverossímeis para quem vivia no Rio de Janeiro da época, o que ajudou a vender a imagem de um país “exótico”. Consta que em uma sessão especial do filme no Palácio do Planalto, para o então Presidente Juscelino Kubitschek, Vinícius de Moraes ficou tão irritado com a deturpação que fizeram de sua peça, que saiu no meio da sessão, deixando o presidente sozinho. 
 
Mas os brasileiros já puderam torcer pela estatueta outras vezes. As indicações de filmes e profissionais brasileiros ao Oscar estão listadas no link. Os prêmios mais badalados são sempre os concedidos aos filmes longas-metragens denominados Live Action (filmes com atores), principalmente os direcionados ao público adulto. Em geral, há preconceito com filmes voltados para crianças ou público infanto-juvenil, que são considerados “menores”. Já no Brasil, O Menino e o Mundo foi ignorado pelo público por dois preconceitos acumulados: ser uma animação e ser nacional. 
 
Essa indicação ao Oscar de animação é surpreendente, porque nos parece paradoxal que um filme anti-indústria concorra ao prêmio da gigantesca indústria cinematográfica hollywoodiana. A temática, a narrativa, a estética e o processo de produção fogem totalmente ao que Holywood costuma pôr na tela. De qualquer forma, podem ser sinais de mudança, afinal, o mundo inteiro está olhando para a criatividade das animações brasileiras recentes. O Menino e o Mundo já se consagrou como obra prima mundial, independente de ganhar ou não este prêmio.
 
A temática do filme é forte (ainda assim é perfeitamente compreendida por crianças de todas as idades). Saindo de seu jardim colorido e poético, o menino conhece a realidade dos processos de trabalho capitalista em todas as suas etapas: plantações de algodão em larga escala, tecelagem, distribuição para o mercado consumidor, exportação e, por fim, a publicidade incitando ao consumismo. A chegada da tecnologia para os trabalhadores significa o desemprego e a exclusão. A história é narrada sem diálogos (um dos elementos que a torna universal e tão bem aceita em diversos países), apoiada na plasticidade dos desenhos e na música. A estética é completamente diferente dos grandes estúdios de animação. 
 
 
A animação de Alê Abreu foi feita artesanalmente. Primeiro ele desenhava as cenas, usando as técnicas mais variadas: canetinhas, lápis de cera, lápis de cor, tintas, colagens. Só depois é que ele levava os desenhos para o computador para ganharem movimento. Sua ousadia estética se dá inclusive no intenso uso do branco, em contraponto às paisagens que lembram Paul Klee ou Kandinsky.  Esse método artesanal consumiu três anos de trabalho e custou 500 mil dólares. 
 
O filme concorre, por exemplo, com Divertida Mente, da Disney/Pixar, que custou 175 milhões de dólares. Dá para se ter uma ideia da disparidade? E dá para avaliar o que significa essa obra ter chegado aos cinco finalistas do maior prêmio da indústria cinematográfica mundial? 
 
Se o público brasileiro ainda não tinha prestado atenção nessa obra, chegou a hora. Não importa se vai ganhar ou não a estatueta. Nós já somos vitoriosos com essa indicação.
 
Educadores, esse filme nos oferece muitas camadas de interpretação. Pode e deve ser apreciado por crianças de todas as idades, até porque o filme sensibiliza aquele menino que temos guardado em nós. Se estiverem interessados em trabalhar esse filme com seus alunos, o portal NET Educação traz dois planos de aula diferentes, para crianças menores e para pré-adolescentes ou jovens.

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Autor Cláudia Mogadouro

Cláudia é doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Graduada em História, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP.

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