Jogos eletrônicos ou games são programas que têm o lúdico e o prazer como proposta, e demandam a interação do jogador com algum dispositivo eletrônico: computador, tablet, celular ou equipamentos construídos exclusivamente para o game, como os consoles. Há grande diversidade de interfaces e periféricos para a interação como teclado, mouse joystick e tela sensível (touch screen)
Todos os games têm uma programação, uma “lógica interna”. A programação, baseada em complexos algoritmos, é criada a partir de roteiros e do design de interação. Ela define as sequências, ações e interações com o jogador, podendo variar de comandos simples de estímulo-resposta a estruturas complexas com inúmeras variáveis, narrativas e possibilidade de tomada de decisão.
Mais do que programas, os games são produtos culturais e obras artísticas. Têm linguagem e estética próprias, assim como filmes e músicas, com gêneros e estilos diversos compondo uma tipologia. O foco deste artigo é justamente mergulhar nas tipologias, compreendê-las e discutir seu potencial educativo. Perceber as características dos jogos, as suas estruturas, e propor atividades que ajudem o aluno a ir além dos limites procedimentais do jogo é uma excelente oportunidade de mobilizá-lo e possibilitar a aprendizagem num contexto rico e sedutor. Não se trata de disfarçar o conteúdo formal, com cores e animações, mas utilizar características do prazer de jogar como elementos pedagógicos. O game deve ter sempre algum desafio divertido e pode também propor competições.
Vários são os componentes que caracterizam um jogo. Vamos analisar alguns deles:
Objetivo de produção: a maioria dos jogos, criada pela indústria do entretenimento, tem objetivos comerciais. Por vezes há outras intencionalidades na criação do produto: educativas, políticas, propaganda (advergames _ utilizados para apresentar e fidelizar clientes a marcas comercias). Se nem todos nascem como produto “didático”, a utilização pedagógica é possível se o educador propuser uma leitura crítica ou atividades criadas ou inventadas por meio do jogo.
Complexidade dos games: a primeira divisão possível, neste item, seriam os casuais (mais simples) e os complexos. Os casuais são aqueles que exigem menos tempo tanto para aprender a dinâmica como para jogar. Têm desafios imediatos, sendo a sua maioria abstratos, ou seja não trazem um contexto nem um cenário. Raramente têm narrativas e, quando há personagens, são apenas ícones que realizam ações muito simples. Muito diferentes dos jogos complexos, cuja jogabilidade (ação do jogador) é refinada com níveis de dificuldade crescentes, exigindo que aprenda comandos, desvende mistérios e desenvolva estratégias adequadas aos personagens e aos contextos.
Tanto jogos casuais como os complexos têm potencial educacional. Os casuais envolvem poucas variáveis na solução de problemas e demandam, do professor, a contextualização e a articulação com o conteúdo trabalhado em sala de aula. São usados pontualmente. Já os jogos complexos, demandam mais tempo e se encaixam melhor em projetos de longo prazo. Por envolverem diversas variáveis e solução de problemas propiciam discussão, formalização e contextualização, processos interessantes do ponto de vista pedagógico. Características como a violência e os valores negativos, presentes e alguns deles, podem ser elementos de discussão, assim como análise dos contextos em que se desenrolam verdadeiro convite a análise de elementos históricos e sociais (verossímeis ou não).
Exemplos Jogos Casuais: CasuaisTetris, campo minado, rush hour, drop a block, vira-fruta Jogos Complexos: Tríade, Black and White, CSI Hard Evidence, Assassin`s Creed.
“Ponto de vista” do jogador: outra forma de classificar os games é por meio do “ponto de vista” do jogador. Assim como nos textos narrativos, há jogos em primeira pessoa (first person), no qual o jogador é colocado para realizar ações – como jogos de tiro (shoot) – e jogos em terceira pessoa (third Person), em que o jogador controla um personagem. Há jogos em que o efeito gráfico faz o jogador ver e sentir como se estivesse realmente lutando contra inimigos, os famosos First person shooter como o counter strike. Mesmo nos jogos que não possuem personagens, o jogador realiza ações e isso determina a “pessoa” do jogo. Os jogos em que são possíveis escolher características físicas e até psicológicas, criando um avatar, têm um importante potencial projetivo – já que demandam a construção de um personagem: sentir-se na pele é altamente mobilizador como experimentação. O jogador externa características pessoais, conscientes, desejadas e também negadas o que pode ser explorado educacionalmente. Escolhas e caracterização do personagem, comportamentos e decisões ao longo do jogo são conteúdos passíveis de discussão e compreensão, no contexto educativo.
Número de participantes: games podem ser caracterizados pelo número de participantes. Nos games “single player” (jogador único) há apenas os desafios individuais, enquanto os multiplayers (vários jogadores) abrem a possibilidade de jogar contra outros ou articular os jogadores em torno de um objetivo comum. Pode haver atividade síncrona ou assíncrona, presença simultânea num mesmo espaço ou em espaços diversos. Competir ou cooperar no contexto do jogo são processos que podem alimentar discussões interessantes acerca de atitudes e interações entre alunos. É a oportunidade de trabalhar habilidades colaborativas, formação de grupos e estruturas sociais. Jogar remotamente e de forma assíncrona também é um ponto que pode facilitar a inclusão de jogos em cursos online.
Temática os conteúdos: jogos variam também em função de sua temática. Há jogos sobre animais, comida, luta, esporte, corrida, espaciais, medievais, etc. Eles podem ser realistas ou se construírem em torno de situações fantasiosas. Um jogo de contabilidade, por exemplo, pode se passar num escritório ou num universo mágico no qual o personagem deve administrar poderes e tesouros. O conteúdo é o mesmo, mas a estrutura simbólica é diferente, mais rica e dinâmica. Em jogos mais realistas é mais fácil o jogador perceber a relação do jogo com o conteúdo, ele deduz rapidamente o “comportamento esperado” e reage dentro de um padrão mais racionalizado e calculado. Em contrapartida, nos jogos “fantásticos” o jogador tende a ser mais espontâneo em suas respostas, porém é preciso um esforço maior do educador para contextualizar e comparar o contexto fantástico com as situações reais do cotidiano, decifrando valores s conceitos implícitos.
Jogabilidade diz respeito à ação demandada pelo jogo. Envolve a natureza dos desafios e da interação proposta aos participantes, o sistema de pontuação (score), o progresso do jogador e a movimentação necessária à evolução. Inclui ainda as interfaces jogador máquina, como teclado, joystick, mouse. Movimentar-se num labirinto para encontrar objetos ou fugir (jogos do tipo escape), ou numa sequência de plataformas (os Platform Games), explorar vários ambientes trabalhando tanto a percepção como a ação investigativa de procura de pistas e “idas e vindas” são características que mudam muito a interação e o tipo de jogador. Jogos mais populares têm o movimento da esquerda para a direita, no formato de leitura ocidental, jogos de exploração (como do tipo Adventure) demandam que o jogador atue em vários espaços diferentes a procura de desafios e pistas. A própria escolha de um ou de outro tipo aponta características interessantes. Há pessoas que precisam de mapas e indicações objetivas sobre o que deve ser feito no jogo e indicações competitivas. Esse é um ponto interessante de discutir educacionalmente: como desenvolver atitudes contemplativas e exploratórias que são muito importantes, tanto para o conhecimento científico, como para ampliar a sensibilidade sobre a leitura do mundo. Os jogos complexos de simulação e estratégia têm outro ganho, além da exploração: trabalhar com a complexidade das variáveis envolvidas e experimentar hipóteses. Para aproveitar o potencial educacional desses jogos é fundamental, depois da experiência do “jogar”, ter um momento de resgatar todas as variáveis trabalhadas e as hipóteses testadas, para que os alunos evoluam da tentiva e erro, para um pensamento científico organizado. O ato de jogar sozinho não desenvolve tais habilidades cientificas, é preciso do educador para ajudar o aluno a perceber as variáveis, registrar, recuperar e sistematizar os processos.
Expressividade: Há games nos quais o jogador pode se expressar tanto esteticamente como conceitualmente (desenhando ou escolhendo objetos para solucionar problemas)
Essa expressão pode ser mais simples e acontecer apenas na criação ou personalização de ambientes, objetos, avatares, etc. Jogos de estilo Dress up são atividades, muito populares em sites do público jovem feminino no qual se “veste” e personaliza as características físicas de personagens, que podem ser conhecidos ou não. Esse tipo de atividade só é considerado jogo quando há desafio ou concursos ou se utiliza os avatares produzidos para algum desafio maior. Há outros games e jogos em que se desenha e se sugere objetos de um banco de dados, que pode solucionar desafios como o Scribblenaut, Magic pen e Gravity Master. Esses jogos estimulam a criatividade e podem ajudar muito no desenvolvimento de habilidades de solução de problemas.
Atividades de criação e expressão podem a ser propostas pelo educador, mesmo quando o jogo não tem esta proposta. Os múltiplos estímulos sensoriais dos games podem ser elementos de trabalho. Mesmo os games abstratos, sem contexto, estimulam a percepção e podem ser o ponte de partida para a proposição de atividades expressivas em outros suportes e para o trabalho com foco nas sensações provocadas. Já jogos com narrativas e contextos podem gerar a produção de outras narrativas, em linguagens diversas.
Gêneros: diz respeito a lógica de apresentação do conteúdo. Assim como há textos narrativos, poéticos e musicais, argumentativos e persuasivos, também há jogos com foco na sensação como (Samarost), considerado um jogo poético. Há jogos com foco na narrativa (quando propõe histórias de pesonagens a serem seguidas) e também aqueles que pretendem “vender” uma ideia, uma posição política, como o Jogo Diferenciado e o Against All Odds. Esses jogos possibilitam construir, com alunos, uma “leitura” crítica acerca das características, ideias e posições explícitas ou implícitas do jogo. Discussões e visões podem ser explicitadas por meio de outras linguagens. Jogos como o Samarost abrem possibilidades de discutir a experimentação estética, ampliar a sensibilidade, a discussão e os registros dessas experiências em outros suportes.
Finalmente, temos os Role Playing Games que, por conta de sua complexidade e variedade, serão objeto de outro artigo.
Ter clareza sobre as características e as potencialidades de cada jogo é ponto de partida para o professor fazer boas escolhas com foco nos objetivos de trabalho que tem para seus alunos e nas experiências que pretende promover, lembrando que propor, jogar, discutir e contextualizar a experiência do jogar são sempre fundamentais.
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