O sociólogo John B. Thompson, em A mídia e a modernidade (Zahar, 1995), argumentou que, para que compreendamos os meios de comunicação e seu impacto na sociedade, devemos analisá-los tendo em mente os tipos de ação e interação que eles tornam possíveis e criam. No recente artigo “Mediated Interaction in the Digital Age”, o autor revisita sua teoria, o que ele considera necessário devido à emergência da revolução digital. Nessa perspectiva, Thompson acrescenta o que chama de “interação mediada on-line” ao rol de interações. As formas anteriores criadas pela mídia ampliaram o leque de possibilidades comunicativas humanas, para além da modalidade face a face tradicional. As invenções técnicas ajudaram a moldar as sociedades modernas e a internet representa outra etapa, com novas características, oportunidades e riscos.

As ideias de Thompson são persuasivas, sobretudo, quando podemos usá-las para entender situações atuais. Assim, inicialmente, me surpreendi ao perceber que nunca tinha ouvido falar em Felipe Neto, um youtuber que possui nada menos que 8,5 milhões de seguidores no Twitter, além de estar presente em outras plataformas digitais. Tomei contato com esse empreendedor cultural ao conhecer as observações críticas feitas por ele ao projeto Escola Sem Partido (ESP), como a seguinte:

O que isso tem a ver com a teoria de Thompson é que a internet acentuou as características de fragmentação dos públicos em interação. Por isso, o meu desconhecimento de Felipe Neto não é surpreendente. O mesmo poderia ser dito de outros indivíduos que são (micro)celebridades em determinados círculos, bem como certos temas e assuntos.

Isso destaca a questão de que hoje – graças à internet – os indivíduos podem ter formas de interação com pessoas com as quais partilham gostos e opiniões, de maneira facilitada. Esse fenômeno pode ser positivo e enriquecedor no nível individual e social; basta pensar nas pessoas que possuem uma condição de saúde incomum e encontram na internet a solidariedade e o aconselhamento de pares distantes. Porém, conceitos recentes como os de “filtro bolha” ou “câmara de eco” remetem a aspectos negativos da separação dos públicos na interação digital mediada.

Em primeiro lugar, pois a aproximação entre os semelhantes pode resultar em distorções cognitivas – o que pode acontecer, por exemplo, quando o feed de notícias da rede social de um indivíduo ou o grupo de WhatsApp em que ele se encontra é saturado com notícias falsas com as quais determinado grupo (talvez extremista ou fanático de qualquer natureza) tenha afinidade. Em segundo lugar, pois essa proximidade entre os que pensam iguais pode, paradoxalmente, eliminar o diálogo com base em discussões mais elaboradas, já que estas envolvem argumentações que lidam com o contraditório, debatem com quem pensa diferente. Ora, se não há pessoas que pensam de modo diferente, temos a “câmara de eco” de opiniões que se reiteram e que não precisam ser argumentadas.

Numa pesquisa sobre os apoiadores do Escola Sem Partido no Twitter, penso ter encontrado características como as descritas. Mas havia também um importante tema latente na discussão: a ideia de que o estado atual da educação brasileira é ruim e que é preciso tomar medidas (como o projeto) para melhorá-la. Muitas iniciativas de acadêmicos e educadores têm sido feitas para desmontar esse discurso de “remédio” para a educação (como o movimento Escola Partida, ou manifestações de professores, como os da UFMG e da Faculdade de Educação da USP). Porém, suspeito que esse tipo de discurso pouco alcance a bolha de apoiadores do ESP.

Por isso, parece tão interessante a manifestação de pessoas como Felipe Neto, e os grupos que procuram contestar o ESP fariam bem em buscar alianças com comunicadores de nicho populares como ele. Além disso, a contraposição generalizada ao projeto é tão necessária quanto o reconhecimento de que, de fato, a educação brasileira possui problemas, mas o ESP é a resposta errada. É possível “ganhar” muitos de seus atuais apoiadores com um discurso respeitoso e uma argumentação que os atinja, apontando – por outro lado – alternativas efetivas para a construção de uma educação de mais qualidade.

Crédito da imagem: sebastianosecondi – iStock

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Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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