Passada a euforia das listas de aprovados no ensino superior, chega o momento de formalizar a nova condição dos jovens que passaram no vestibular: fazer a matrícula, organizar os horários e pagar a faculdade. Se fazer 18 anos é o marco legal da entrada na vida adulta, enfrentar os carnês talvez represente a experiência mais palpável dessa nova fase. E o carnê da faculdade está entrando na vida de centenas de milhares de jovens brasileiros, já que a expansão das vagas no ensino superior se fez por meio das instituições privadas. 

A partir da década de 2000, um conjunto de políticas de acesso vem sendo implementado, com objetivo de enfrentar a exclusão dos mais pobres e das minorias marginalizadas e diminuir a desigualdade social. Destinados aos alunos das redes públicas de ensino, em todo o país, os programas mudaram as perspectivas de milhões de jovens cujas famílias jamais sonharam em ter seus filhos na universidade. 
 
O acesso às instituições públicas vem sendo possível por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).  Importante meio, já que abre a possibilidade aos jovens de qualquer lugar do país de se candidatarem a uma vaga nas instituições públicas que utilizam o Enem na seleção. Acaba sendo menos expressivo em termos numéricos, já que a expansão das vagas, no ensino superior público foi bem menor do que na esfera privada, como mostra o Censo da Educação Superior, INEP-2013. São 7.305.977 alunos matriculados neste segmento, dos quais 74% estudam em instituições privadas.
 
Os dois programas de financiamento de maior impacto na inclusão desses jovens são o ProUni [Programa Universidade para Todos] e o Fies [Programa de Financiamento Estudantil]. O primeiro, criado em 2004 possibilita o ingresso nas instituições privadas, por meio da concessão de bolsas integrais ou parciais. Alunos que comprovem renda bruta familiar por pessoa, de até 1,5 salários mínimos têm direito à bolsa integral, os que comprovarem renda de até três salários mínimos têm direito à bolsa de 50% do valor da mensalidade. A Instituição de Ensino Superior (IES) privada oferece vagas em troca da renúncia fiscal de parte dos impostos devidos ao Estado. É ele que banca os estudos dos alunos, assumindo integral ou parcialmente as mensalidades. 
 
Já o Fies, criado em 1999, não se trata de um programa de bolsas, mas de financiamento. Os valores concedidos aos alunos deverão ser restituídos após o término dos estudos. Este financiamento pode ser utilizado para pagar a parte restante do ProUni, nos casos de bolsas parciais, ou a íntegra do curso. 
 
A partir de 2015 algumas mudanças passaram a restringir o acesso ao financiamento. Foi proibido ao aluno fazer dois cursos concomitantemente usando o ProUni para bancar um deles e o Fies para pagar o outro. As mensalidades passaram a ter seus reajustes limitados e, pela primeira vez nos programas de inclusão, passou a ser exigida uma nota mínima no Enem para que o estudante possa se candidatar ao Fies.
 
Antes, somente a avaliação da instituição era considerada para o cadastro no programa. Podiam se cadastrar as instituições com boa avaliação no Sistema de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes). Agora, além da boa avaliação da instituição, é exigida também a boa avaliação do aluno: ele precisa ter tirado pelo menos 450 pontos na média geral e não ter recebido nota zero na redação do Enem.
 
Os primeiros a ir contra as mudanças foram as instituições privadas e seus investidores. As ações das empresas de educação superior caíram, até 40,8%, na Bovespa em janeiro de 2015, quando as medidas foram anunciadas. Sinal de que as novas regras atingiram o milionário negócio de entregar educação ao aluno e cobrar do governo. Além das regras que diminuíram os aumentos (muitos deles abusivos) e os repasses, a nota mínima também pesou no bolso, sobretudo das instituições que mantém faculdades nos estados em que as médias no Enem são menores.
 
Porém, a exigência de nota mínima é mais do que uma questão que impacta o valor das ações negociadas em bolsa. Ela é um divisor de águas nos programas de inclusão, já que a nota nunca impediu os alunos de se candidatarem aos programas. 
Os detratores da medida alegam que a nova regra excluirá os estudantes egressos das regiões com piores condições sociais e, necessariamente, com pior oferta de educação de qualidade. Contra eles é usado o argumento que foca os resultados do último Enem. Nele 68,3% (ou 4,2 milhões) dos alunos que fizeram o Exame em 2014 atingiram os 450 pontos ou mais e não zeraram a redação, o que os colocaria em condição de solicitar o financiamento. Porém, num país de todos, há que encontrar soluções que incluam todos. 
 
O corte de verbas atinge todos os Ministérios. Mesmo o da Educação, de nossa Pátria Educadora. Mas essa medida impacta os mais pobres, aqueles que precisam de financiamento para poder alcançar o ensino superior. Se o dinheiro economizado com a revisão das planilhas das universidades privadas, que fizeram aumentos abusivos contando com o dinheiro fácil do governo, pudesse ser aplicado justamente na melhoria das condições da educação básica, esse seria um alento e um marco importante: está na hora de gritar por mais qualidade e não somente por mais dinheiro. 
 
Assim, certamente isso diminuirá o número de jovens que receberão zero na redação ou nota abaixo de 450 nas futuras provas do Enem. Do contrário, para este grupo, o exame passa a ser um entrave e não a porta de entrada para o ensino superior.
 
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Autor Zilda Kessel

Zilda é educadora, mestre em Ciência da Informação pela ECA (USP) e doutoranda em Educação na PUC-SP. Professora da pós graduação do Senac, atua em projetos na área de difusão cultural e tecnologia educacional. Também, é assessora pedagógica do portal NET Educação.

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