Falar sobre a produção nacional de cinema para um público globalizado parece coisa do passado. Para nossos alunos, que não viveram as batalhas nacionalistas dos anos 30 e 40 ou a clara bipolarização dos anos 60 a 80 do século passado, a produção nacional parece ser parte de um universo geral chamado cultura do cinema. O consumo, contudo, continua bastante desigual quando pensamos que grande parte dos filmes vistos no Brasil é produto da indústria de Hollywood. Daí é que se deve continuar a debater com nossos alunos o papel do Poder Público na produção, distribuição e exibição cinematográfica.

Devemos ou não obrigar os cinemas a reproduzirem conteúdo nacional? Em qual proporção em relação à produção estrangeira? Devemos ou não facilitar a distribuição de filmes nacionais ou de participação nacional? Devemos ou não colocar dinheiro de impostos nas produções cinematográficas nacionais? Essas são questões dignas de um debate organizado em sala de aula.
É sempre importante apontar os marcos históricos das intervenções do Estado no setor do cinema. Se na época de Getúlio Vargas o controle se deu na exibição (com a determinação para que os cinemas passassem certa cota de filmes nacionais) e nos anos 70 houve o avanço da Embrafilme na distribuição e produção do cinema nacional, atualmente existe a Lei do Audiovisual que permite a captação de recursos da iniciativa privada, cujos valores serão abatidos do imposto de renda devido pelas empresas. Em outras palavras, as empresas remetem à produção uma parte do dinheiro que pagariam ao Estado em forma de impostos.
Recentemente, tivemos também o investimento de dinheiro público na implantação do polo cinematográfico de Paulínia (cidade do interior de São Paulo) que chegou a abrigar festivais, produtoras e escolas especializadas em produção audiovisual.  O local foi chamado de Hollywood brasileira e produziu, em pouco mais de dois anos, filmes como “Ensaio sobre a Cegueira”, “Budapeste”, “Jean Charles”, “O Palhaço” e até mesmo filmes de ampla aceitação popular como “De Pernas para o Ar”. Infelizmente, o polo não vingou nos anos seguintes, o investimento público foi interrompido e seu principal festival, cancelado. Hoje o projeto se encontra em estado de lamentável abandono. Recentemente o atual prefeito de Paulínia veio a público para buscar parcerias na tentativa de reativar a produção local.
Há claros argumentos contrários ao financiamento público do cinema. Alguns deles podem ser resumidos assim: o controle ideológico que o poder público pode exercer na produção cultural; a existência de outras prioridades para a aplicação do dinheiro público; a redução da autonomia da iniciativa privada na produção fílmica; os usos indevidos do dinheiro público na produção de filmes considerados “ruins” ou por produtores que não necessitariam de dinheiro público para produzirem seus filmes; o baixo risco dos produtores que, com o filme pago desde a produção, não se importariam em realizar um produto que fosse lucrativo.
Para contrapor esses argumentos vale lembrar os pontos positivos das políticas de financiamento público: o estímulo ao aprendizado de cineastas e produtores; a possibilidade de produtos nacionais tornarem-se tão interessantes ou significativos quanto produtos estrangeiros; o aquecimento do setor cinematográfico e a geração de empregos e renda; a ampliação do mercado consumidor de produtos nacionais; o financiamento de obras que não tenham apelo comercial, mas grande valor estético-cultural.
Os dilemas são vários e complexos. O mercado brasileiro de audiovisual foi ampliado nos últimos anos, mas o número de salas exibidoras não cresceu e a presença dos filmes estrangeiros continuou forte como sempre. Se de um lado a tecnologia foi barateada e simplificada, de outro os filmes da indústria estrangeira tornaram-se cada vez mais complexos (roteiros melhores, efeitos visuais mais impactantes, locações deslumbrantes etc.). Nossos jovens têm perspectivas cada vez mais amplas de carreiras culturais com o aumento de cursos de cinema, rádio e TV e produção audiovisual, mas têm tido uma formação bastante calcada nos filmes norte-americanos. São dilemas da formação da sociedade brasileira que continuam muito vivos.
Nesse sentido,  precisamos pensar, com nossos jovens, alternativas e caminhos para a produção de filmes. A ampliação da formação na cultura do cinema, desde o Ensino Médio, e a divulgação de produtos culturais que não sejam unicamente provenientes do mercado parecem ser medidas bastante interessantes para a formação cultural de nossos jovens. Cursos experimentais de produção audiovisual e análises de roteiros também podem auxiliar nesse aprendizado contínuo.
Contudo, não podemos nos furtar de debater o papel do poder no financiamento da produção. Dedicar uma parte do tempo escolar para refletir e participar do debate sobre o investimento público na cultura é, acima de tudo, formar uma geração mais crítica, consciente e capaz de transformar o cinema brasileiro.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Ricardo A. B. Lourenço

Ricardo Lourenço é bacharel em Direito, licenciado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Atua como professor de Educação para as Mídias e Filosofia para o ensino médio, e trabalha com a difusão de cineclubes em escolas.

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