Os chamados “filmes históricos” são, de longe, os mais utilizados por professores. A forte aproximação dos campos História e Cinema revela que a indústria do cinema encontra boa acolhida do público com produções que narram épocas passadas. Professores de História veem nos filmes um instrumento poderoso e atraente para as aulas. Na sua formação inicial o cinema está mais presente, tanto como recurso didático como em cineclubes. Nas outras licenciaturas de Humanidades (Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Letras e Pedagogia) o cinema aparece com menor intensidade. Outro dado curioso é que o cinema mobiliza estudantes e os influencia na escolha.. Por meio dele muitos jovens se decidem pelo curso superior em História. Temos, portanto, uma relação forte entre Cinema e História, que se reflete no cotidiano escolar. 

É preciso, porém, refletir sobre a forma de uso desses filmes. Há uma tendência, tanto da parte dos alunos como dos professores, considerar o filme como “túnel do tempo”, isto é olhar para a narrativa como se fosse verdadeira, como se fosse fiel aos acontecimentos passados. Acabamos, inclusive por imaginar os personagens históricos com as feições dos atores de cinema que os interpretam. Cristóvão Colombo, por exemplo, com as feições do ator Gérard Depardieu por conta do filme 1492 – A Conquista do Paraíso, Cleópatra com as feições de Elizabeth Taylor e assim por diante. 

O professor precisa se dedicar a um trabalho de mediação e problematização para que os alunos não confundam fatos históricos com a representação dos mesmos, no cinema. Filmes, assim como livros e demais produtos culturais, mostram um determinado ponto de vista, são discursos construídos. O cinema tem uma peculiaridade, é uma arte coletiva. O roteiro, as opções de enquadramentos, a ênfase num ou noutro personagem, os diálogos e a fotografia podem mostrar a mesma história por diferentes ângulos. A análise do filme é uma boa estratégia para se mostrar a construção desse discurso, identificar o ponto de vista que prevalece. Por exemplo, pensando quem é o narrador ou qual o segmento social está sendo melhor retratado. Avançando ainda mais nessa estratégia, o professor pode exibir filmes (ou trechos de filmes) com diferentes abordagens para o mesmo fato histórico.

Um exemplo de filme bastante usado não apenas em escolas de ensino fundamental e médio, mas também nos cursos de Pedagogia, é a produção britânica A Missão (1986), dirigido por Roland Joffé. Este é um típico filme histórico que trata da presença dos jesuítas na região das missões da América colonial.  Se sua produção muito cuidadosa é de reconhecida qualidade artística, sua visão é bastante discutível, já que apresenta uma visão eurocêntrica que coloca o indígena como uma etnia frágil e inferior. Outro filme, Desmundo (2003), de Alain Fresnot representa o jesuíta de outra forma, como alguém que se beneficia da exploração portuguesa, no início da colonização. A contraposição dos dois filmes auxilia não apenas para a discussão do conteúdo de História, mas também para a leitura crítica da linguagem cinematográfica. 

Uma das questões mais comuns na discussão do filme histórico é o anacronismo, isto é, a utilização de conceitos e práticas fora do tempo cronológico. Por exemplo, o aparecimento de um modelo de carro moderno em um filme que é passado nos anos 1960 seria um erro, um anacronismo. A pesquisa histórica nas produções dos filmes costuma ser rigorosa e cabe à direção de arte a reconstrução de uma época nos cenários e figurinos. Nem sempre a produção consegue o figurino que corresponda à época exata. Como saber, por exemplo, como se vestia uma simples dona de casa do século XV, se nem em retratos elas apareciam?  A produção cinematográfica se preocupa também com o público e o rendimento da bilheteria. Uma linda atriz contemporânea deve parecer bonita para os nossos padrões atuais, portanto, várias alterações, “licenças poéticas”, são cometidas, em nome do sucesso do filme. Se as pessoas tomavam pouco banho na Idade Média, como mostrar uma estrela de cinema parecendo suja?

Hábitos também deixam marcas no tempo. É comum assistirmos a filmes e mesmo séries de TV em que os atores fumavam dentro de ambientes fechados. Essas cenas, hoje, nos saltam aos olhos e evidenciam a mudança do hábito do fumo na sociedade. 

Mas os hábitos, roupas e cenários são dados objetivos. Mais difícil de ser detectado é o anacronismo de conceitos, isto é, a maioria dos filmes se vale de um olhar contemporâneo (o cinema é uma arte do século XX) para uma época passada. 

Por tudo isso, o papel do professor é fundamental e ele pode contar com extensa  bibliografia para orientá-lo no uso de filmes históricos. As obras também trazem listas de filmes interessantes. Eis aqui algumas boas sugestões: 

  • BERNARDET, J.C e RAMOS, Cinema e História do Brasil. São Paulo: Contexto/USP. 1988.
  • CAPELATO, M.H, MORETTIN, E., NAPOLITANO, M e SALIBA, E.T História e Cinema – Dimensões Históricas do Audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007.
  • NAPOLITANO, Marcos Como usar o Cinema em Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2009.
  • SOARES, M.C e FERREIRA J. (org) A História vai ao Cinema. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Assim como os filmes, os livros de História são narrativas construídas pelo autor, a partir de suas pesquisas e visões, ou de uma proposta editorial. Eles também não podem ser vistos como  verdade absoluta. O próprio currículo de História atende a uma hierarquia de temas que estão de acordo com o momento que o país vive, representados na política educacional. No período da ditadura militar, por exemplo, eram enfatizados os heróis individuais e não os movimentos coletivos. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que vigoram atualmente, são valorizadas as culturas regionais e histórias locais. 

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Cláudia Mogadouro

Cláudia é doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Graduada em História, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da USP.

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