Como vimos na coluna anterior, há indicadores de que muitos jovens acham a escola entediante. Mas quando essa tendência começou (se é que podemos falar em tendência)? Um ponto de vista sobre a questão é que o aborrecimento escolar não tenha aumentado, mas sim que exista hoje maior chance dele ser expresso ou percebido. Além disso, a noção de que a escola deve ser agradável aos alunos talvez seja uma ideia mais recente do que pensamos. Foram os educadores modernos que salientaram a motivação e o envolvimento estudantil em relação à aprendizagem, porém, a noção de “bem-estar” do aluno se alargou sempre mais.
 
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Quem argumenta que não foi apenas o instrumento de medida que se alterou, mas sim as próprias condições aferidas, possui, entretanto, outros pontos da questão. O principal diz respeito aos sinais adicionais de desconforto nos ambientes educativos. Os alunos não apenas se entediam, mas abandonam a escola. As queixas dos professores sobre os salários ou a carreira ganham cada vez mais a companhia de reclamações sobre as dificuldades do cotidiano escolar. 
 
Pensar sobre a questão pode ser mais útil do que apenas vivê-la. É claro, a reflexão só é produtiva se tem como objetivo buscar alternativas para as situações de desconforto. Nesse sentido, dois livros publicados em anos recentes são relevantes: Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão (2012), de Paula Sibilia, pesquisadora argentina radicada no Brasil, e Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação (2011), do professor da ECA/USP Ismar de Oliveira Soares. Ambos fazem um diagnóstico similar sobre a “crise na escola”. As ênfases e alternativas apontadas são diferentes, embora possuam zonas de convergência.
 
O reflexivo ensaio de Sibilia se inicia com um pergunta instigante: “será que a escola se tornou obsoleta?”, explorada ao longo do texto. O argumento principal é que a instituição escolar é uma tecnologia (um artefato destinado a produzir algo) que se mostra inadequada aos dias atuais. A falta de sintonia decorre de a escola demandar um tipo de subjetividade incompatível com a das crianças e jovens dos dias de hoje. O ideal escolar nasceu de um projeto histórico moderno que parece “se dissolver em contato fluído com as lógicas do consumo e dos meios de comunicação”. Surge, assim, uma crise de significado na instituição. 
 
A autora nota que os dispositivos tecnológicos não são a única causa desse movimento histórico, porém fortalecem um ambiente que mina a autoridade escolar. Mas, sendo o fluxo social inevitável, ela defende que vale a pena explorar modos de incorporar a mídia e as redes à educação. No entanto, sem crença descabida na tecnologia, ressalta que essa operação só terá valor a partir do aprofundamento da reflexão sobre o papel da escola hoje. Uma tentativa de reinvenção desta, diz a autora, deveria ter o objetivo de, “contra o tédio e a dispersão, […] dar sentido à experiência, despertando entusiasmo e vontade de aprender”. Interessados em conhecer melhor as ideias de Sibilia podem ler este artigo ou esta entrevista da pesquisadora.
 
A preocupação com os sentidos da escola é também desenvolvida no trabalho de Soares que, analisando alguns estudos sobre a juventude atual e a educação, nota que “os jovens estão em busca de novas propostas para a sua formação […], desejam uma escola que responda a esses anseios e ofereça novos elementos ante suas realidades e vivências”.
 
Ao também observar o interesse dos jovens pela comunicação e pela cultura digital fora dos muros da escola, o autor defende a valorização do potencial comunicativo dos alunos nesta instituição. Destaca, por isso, experiências exitosas com o uso das mídias que ocorrem na educação não formal, e que poderiam inspirar práticas escolares. 
 
A partir da defesa de uma perspectiva relacionada com a educomunicação, que enfatiza um modo de comunicação mais aberto e democrático entre os indivíduos, o autor argumenta que a questão não é meramente tecnológica, mas ligada a uma preocupação de natureza ética, política e pedagógica. Trata-se de favorecer e enfatizar a participação dos jovens para compromissá-los com o seu aprendizado, idealmente voltado a conteúdos articulados com a vida cotidiana.
 
Nessa linha, Soares ressalta que a educomunicação pode estimular a interdisciplinaridade, uma vez que o estudante deve ser capaz de perceber para que serve o conjunto de conhecimentos de uma grade curricular, de modo, ainda, a aprender a atuar de maneira transformadora no mundo. Quando um jovem produz um programa de rádio, por exemplo, ao escrever o roteiro exercita e compreende a importância do uso adequado da língua e, conforme o tema abordado, pode recorrer aos saberes escolares para aprofundá-lo ou contextualizá-lo.
 
As ideias dos autores discutidos não fornecem um receituário pronto e acabado para reformas educativas, porém sugerem indicações importantes sobre o tema. Contra a angústia e o desalento que possamos sentir como educadores, a melhor alternativa é o ciclo reflexão/ação.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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