Como as escolas e as situações educativas são captadas e representadas, com o uso de tecnologias, ao longo do tempo? Para quem se interessa sobre as relações entre as mídias e a educação, a história dos registros escolares é relevante. Pode ser um subsídio para a história da educação (mostrando transformações em espaços e práticas escolares ao longo do tempo), ajudando na reflexão sobre como os indivíduos constroem relações entre si e com as instituições educativas. Ou, ainda, ao oferecer indícios a respeito dos modos de uso das tecnologias por professores e estudantes, entre outros aspectos.
Entretanto, em verdade, essa história, no Brasil, ainda não foi escrita com a sistematicidade que merece. Embora a trajetória histórica varie de país a país, uma estrutura hipotética geral para essa história, relacionada aos meios modernos, é detalhada a seguir.
Há uma fase inicial de registros (principalmente cinematográficos) de teor francamente ideológico, com imagens, produzidas por instituições governamentais geralmente, que louvam governos e suas políticas educativas, registram visitas de políticos a instituições educativas, etc. Num segundo momento, emergem as imagens e gravações (fotos e vídeos analógicos) produzidas pelas próprias instituições escolares (gestores, professores e profissionais contratados, mas também, em menor grau, por pais de estudantes), principalmente em momentos de celebrações (festas, formaturas, por exemplo) e, menos, do cotidiano escolar. A terceira fase, que vivemos hoje, é marcada pela popularização dos dispositivos (câmeras digitais e celulares) e plataformas (redes sociais) que impulsionaram fortemente a produção e a disseminação digitais de diferentes tipos de registros.
Essas fases relacionam-se a tecnologias específicas, mas também ao uso das mesmas em determinado período, a partir de práticas culturais ancoradas em convenções e lógicas que duram até mais do que as próprias tecnologias. Desse modo, expectativas ligadas às representações de cada um dos momentos convivem ainda hoje. Isso pode ser exemplificado pela proposta, agora defunta, do MEC para que as escolas gravassem situações de canto do hino nacional pelos estudantes.
Há nessa ideia o tom de patriotismo oficial e ordem encarnados em som e vídeo, bem como eventual uso político das imagens (razão de diversas críticas e posterior recuo do governo), a partir da sugestão de que fosse lida uma carta do ministro da Educação que termina com o slogan da campanha presidencial (e do atual governo) de Bolsonaro. Essa proposta remete ao momento inicial da história. Porém, mostrando a convivência entre as lógicas de representação, logo surgiu uma ideia bastante afeita ao momento atual: chamadas de campanhas para que fossem feitos vídeos mostrando as condições precárias de determinadas escolas, a serem enviados ao MEC.
Talvez seja possível pensar que o momento atual (mais horizontalizado) de produção de registros seja mais propício às práticas “transgressivas”, de protesto ou denúncia, do que às representações mais comportadas ou “oficiais” dos ambientes educativos. São casos notáveis, por exemplo, a campanha da menina inglesa, então com nove anos, que mostrava, em tom de crítica, fotos da merenda que era servida em sua escola, ou ainda a experiência brasileira da página de Facebook Diário de Classe, de uma estudante catarinense.
Uma lógica diferente das anteriores – que se coloca sobretudo como possibilidade de encontro produtivo entre a comunicação e a educação – relaciona-se ao uso das mídias, pelos estudantes orientados por professores, para a feitura de registros escolares envolvendo conhecimentos e habilidades que a escola almeje desenvolver. Os diferentes governos deveriam, acredito, tentar favorecer mais as ações desse tipo por meio de formações aos professores, promovendo a troca de experiências bem-sucedidas, e dando condições técnicas nos contextos em que isso não ocorre, do que estimular práticas antiquadas e tradicionais de uso dos dispositivos tecnológicos.
Crédito da imagem: elenabs – iStock
O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.
Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.