A vida é cheia de paradoxos. Um dos mais curiosos é a situação em que a mudança parece necessária, mas por isso mesmo, com receio de piorar o que não se percebe como muito bom, nada muda. Aplicável a relacionamentos, negócios e tudo mais, é também o caso na educação.
 
A literatura documenta o otimismo que marcou, e ainda caracteriza, muitas vezes, a introdução de uma série de tecnologias na escola: o rádio, a TV e mais recentemente o computador, os dispositivos móveis e a internet. No entanto, com frequência os resultados parecem mais modestos dos que as expectativas. Uma explicação comum é que, se a adoção de tecnologias não modifica as práticas de ensino e aprendizagem, o que ocorre é geralmente mais do mesmo. Há uma animação bastante popular no YouTube (mais de 600 mil visualizações) que ilustra bem essa ideia.
 
Faço essas observações inspirado num pequeno texto, uma postagem do blog Everyday Literacies, dos pesquisadores Colin Lankshear e Michele Knobel, sobre os dispositivos móveis e a educação. O texto comenta a preocupação de uma mãe, Shelley Bridgeman, que é também colunista de um jornal, sobre possíveis riscos que as conexões sem fio poderiam ter à saúde dos estudantes, a partir de uma política de disseminação de tablets em escolas da Nova Zelândia.
 
A preocupação é justa, nota o texto do blog (e, para todos os efeitos, a investigação feita pela jornalista mostra que não há razões para receios), porém, Bridgeman talvez erre o ponto sobre o que é realmente importante com relação ao uso de tablets pelas escolas: a falta de imaginação.
 
Gestores, conselhos escolares, diretores, professores, consumidores de tecnologia interessados na “atualização” da escola, com frequência, pensam na tecnologia em termos de uma “conveniência” pouco refletida. Trata-se de seguir a onda do último vendedor de produtos e dar a entender que se está tentando fazer o melhor para a educação. No entanto, essa “melhora”, como observa a postagem do blog, tende a ser tão irrelevante que reflete ou se assemelha ao tipo de imaginação moribunda perceptível em grande parte da pesquisa educacional atual. “Epa, preciso de um projeto de pesquisa. O que posso fazer? Oh, eu poderia olhar para os iPads nas salas de aula… (e replicar todos os outros resultados que mostram que as crianças adoram usá-los, desfrutar dos aplicativos e…).”
 
Isso não tem nada a ver com o “uso inteligente, uma propensão à investigação e a olhar além do óbvio”, com respeito às tecnologias na educação, nota o texto. Porém, regressando ao início do texto, o uso pouco imaginativo das tecnologias está relacionado também a receios, que freiam a imaginação e a experimentação, relativos às complexas demandas feitas à escola e aos professores. No Brasil, a preocupação com a qualidade e a equidade na educação tem resultado no discurso de que é necessário aumentar os índices de aprendizagem dos estudantes, os conhecimentos deles, etc.
 
É difícil dizer que essa preocupação é inconsequente, mas ela pode ter como efeito colateral o conservadorismo. Inovar implica experimentar, e nem toda etapa de experimentação é curta ou bem sucedida. Aqui estamos num dilema que favorece o status quo quanto ao uso das tecnologias na escola, dificultando mudanças.

O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.

Autor Richard Romancini

Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.

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