Como se sabe, o ideograma chinês para a palavra “crise” consiste na junção dos caracteres equivalentes a “risco” e “oportunidade”. Duas reportagens recentes da Agência Brasil sobre a educação midiática remetem a essa interessante associação.
Na matéria “Educação midiática forma cidadão consciente, dizem especialistas”, profissionais brasileiros comentam a inserção de conteúdos de educação midiática na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino básico. Já em “Educação para a mídia nos EUA ganhou impulso após eleições de 2016”, educadores estadunidenses comentam o fortalecimento que os programas de educação midiática têm apresentado no país e também em outros contextos geográficos.
Assim como na reportagem sobre o Brasil, discute-se o quanto a ascensão das fake news (aspecto associado à eleição de Donald Trump) parece justificar o desenvolvimento de habilidades de exame crítico da informação. Isso, além de outros fatores contemporâneos – como o fato dos jovens terem se tornado grandes produtores da “autocomunicação de massa”, para usar o termo de Manuel Castells – renova a preocupação com determinados conteúdos da educação midiática.
Há, é claro, distância entre bases curriculares (que prescrevem expectativas de aprendizado) e os currículos efetivos. A maneira como o conteúdo pode ser abordado em escolas é diversa. De modo geral, existem três possibilidades mais comuns: criação de disciplina (ou abordagem de determinado conteúdo numa disciplina existente), trabalho transversal a várias disciplinas e introdução da temática de modo, por assim dizer, mais livre, em oficinas, laboratórios e outros formatos, por vezes, no contraturno escolar.
Qual é a forma mais adequada? Todas as maneiras mencionadas têm benefícios e também desvantagens. O trabalho estritamente disciplinar pode “engessar” o conteúdo, de modo que ele pareça desconectado de outros saberes. O trabalho transversal é enriquecedor, mas complexo e demanda boa articulação entre os docentes. E o trabalho em formatos mais flexíveis pode ficar muito à parte dos conteúdos conexos trabalhados numa escola.
Em poucas palavras, talvez a escolha mais sábia seja a que leve em conta as possibilidades escolares, as competências docentes e a capacidade da coordenação pedagógica colaborar na inserção do conteúdo e avaliar (junto com os professores) se os métodos são positivos, na prática.
Propositalmente, iniciei esse artigo com uma mentira. Embora seja uma estratégia retórica comum, o ideograma chinês para “crise” não possui a associação descrita (como explica esse bom artigo “Palavra ‘crise’ em chinês”, da Wikipédia). Por acaso, essa mentira inocente só tem valor argumentativo, pois serve para provocar a reflexão: nos dias de hoje, quantas vezes não lemos ou ouvimos mentiras e, pela ausência de educação para o consumo crítico da informação, não somos enganados?
Crédito da imagem: junce – iStock
O Instituto Claro abre espaço para seus colunistas expressarem livremente suas opiniões. O conteúdo de seus artigos não necessariamente reflete o posicionamento do Instituto Claro sobre os assuntos tratados.
Richard é doutor em Comunicação, pesquisador e professor do curso de pós-graduação lato-sensu em Educomunicação da ECA-USP.