“A educomunicação tem muito para contribuir no processo de participação do estudante nas aulas, e na forma de gestão escolar para envolver professores e estudantes, transformando o processo em algo democrático”, afirmou a jornalista e diretora executiva da Organização Não Governamental (ONG) Viração, em entrevista ao NET Educação, nesta terça-feira (4/12).

A especialista na área ainda explica que apenas colocar uma rádio na escola não necessariamente caracteriza um processo de educomunicação. “Se é feita pelos professores e diretores, e não facilita a voz dos estudantes, pode ser somente ferramentas de comunicação no ambiente escolar”, analisa.

Para auxiliar os educadores com as técnicas de educomunicação, a Viração elaborou um guia, disponível na internet. Acesse aqui e saiba mais sobre o assunto na entrevista completa abaixo.

NET Educação – Existem vários conceitos de educomunicação. Poderia falar um pouco sobre alguns deles?

Lilian Romão – Acho que em comum desses diversos conceitos é a ideia de que a educomunicação é uma forma de conhecer e compartilhar o conhecimento usando estratégias e produtos da comunicação. Quando alguém se comunica, o objetivo é o de tornar informação comum aos outros. A educomunicação fala do compartilhamento livre de informações, em que pessoas estão envolvidas no processo de construir comunicação, elas recebem conteúdo e criam também.

NET Educação – Quem pode fazer educomunicação?

Lilian – Qualquer pessoa. Mas desde que tenha alguns desses princípios que eu citei internalizados. Então, quando um grupo diverso vai falar sobre algum assunto de forma educomunicativa, deverá compartilhar o conhecimento, debater coletivamente e tomar a decisão em conjunto. O papel do educomunicador é de promover uma mediação que garanta que todos os envolvidos consigam se expressar livremente. Uma coisa a ser ressaltada é que o educomunicador não é apenas aquele que atua na comunicação ou educação.


Qualquer pessoa pode fazer educomunicação, diz Lilian Romão

 

NET Educação – Estabelecer um debate já torna o processo democrático, portanto educomunicativo?

Lilian – Às vezes temos a ideia de pensar que o simples fato de estar em grupo já é um processo democrático em si, mas não é. Se eu estiver em um grupo e sou autoritária, concentro a fala em mim, não necessariamente estou criando um processo de livre comunicação das pessoas, em que cada um tem um papel. Não estou facilitando a decisão coletiva.

NET Educação – Quais produtos e saberes podem resultar de um processo educomunicativo?

Lilian – Quando pensamos em produtos de comunicação, geralmente ligamos à tecnologia, pensamos em computador, internet e coisas que devem ser apropriadas, mas nem sempre estão relacionados apenas a isso. Tecnologia da comunicação pode estar relacionada ao contexto que estamos inseridos. Se chego em uma comunidade que precisa tratar violência entre jovens, e na escola não tem internet, como vou criar uma tecnologia capaz de comunicar dentro dessa realidade? Posso optar pelo formato do teatro, criar um fanzine, que é um jorna artesanal que precisa de colagem. Tenho utilizado muito oficinas de stencil, que é grafitar com um molde. Tudo isso são tecnologias da comunicação. Não necessariamente é algo high tech.

NET Educação – Usar tecnologias educacionais é fazer educomunicação?

Lilian – Com toda certeza, as coisas estão intrinsicamente relacionadas. Educação à distância é algo que está conectado com nosso tempo, por exemplo. Pensar as novas possibilidades do fazer que tragam novas perspectivas de construir comunicação de forma democrática, como o educador Paulo Freire fez, entra no viés de tecnologia da educação. De novas ferramentas que agregam no dia-a-dia.

NET Educação – Você tem visto o ensino formal utilizando educomomunicação?

Lilian – Tem algumas experiências bem bacanas no Brasil. Em São Paulo tem um programa inovador a Educom.rádio nas escolas públicas, que começou com ação em conjunto na USP e hoje é política pública. Também, o nível federal tem criado espaços para essas novas possibilidades. Experiências tem se multiplicado.

A educom tem muito para contribuir no processo de participação do estudante nas aulas, e na forma de gestão escolar para envolver professores e estudantes, transformando o processo em algo democrático. Isso tem sido um desafio quando chega na comunidade escolar, no sentido de não ser ferramenta usada só dentro da sala de aula, mas que mude o processo de pensar e construir conhecimento em gestão.

NET Educação – Ainda é mais comum em meios informais de aprendizados? Por quê?

Lilian – Acho que as organizações sociais têm um contexto de atuação que facilita muito mais a experimentação, porque elas nascem desse contexto. Por exemplo, na Viração, temos um espaço o tempo todo para experimentar educomunicação. Isso facilita multiplicar e sistematizar metodologias. Mas a educom se faz em qualquer lugar, no espaço corporativo, no da educação formal ou informal. É construída baseada nos conceitos essenciais de aprender fazendo, no sentido de mobilização e participação, respeito à diversidade e formas de fazer de acordo com realidade de cada contexto.

Agora, uma rádio na escola não necessariamente é um processo de educomunicação. Se é feita pelos professores e diretores e não facilita a voz dos estudantes, se eles não contribuem na construção, pode ser somente ferramentas de comunicação no ambiente escolar. Nem sempre o produto é o mais importante, mas sim o processo de construí-lo.

NET Educação – A educomunicação tem as suas raízes na América Latina e ganhou força na região. O que faz da nossa realidade ser um terreno para esta área de ação e de conhecimento?

Lilian – O histórico da educomunicação está relacionado com o momento do regime autoritário no Brasil e todo o debate e construção de teorias mais democráticas da área de educação. Vários países da América Latina tentaram criar possibilidades coletivas e democráticas de participação do cidadão e para isso, surgem outras formas de comunicar.

Ainda, Paulo Freire teve um papel quando propôs um novo formato de educação – tem o livro dele chamado “Extensão ou Comunicação?” – e a proposta de construir menos manipuladores favoreceu o desenvolvimento dessa prática no país.

A educomuncação também está relacionada com a concentração dos grandes meios de comunicação nas mãos de poucas famílias. Então, surgiram muitos profissionais que atuam com experimentação e pensam comunicação em outro paradigma. O comunicador não só produz comunicação, mas faz com que outras pessoas tenham domínio de informação e técnicas, e passem a fazer comunicação. Posso citar ainda o surgimento de jornais comunitários de associação de moradores e de revistas que passaram a pautar temáticas diferentes, como “O Pasquim”.

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