A chegada da pandemia e a emergência de um ensino remoto acelerou um processo que já ocorria: o uso de redes sociais, de aplicativos de mensagens e de reuniões virtuais pelas escolas públicas – a chamada Plataformização da Educação. A problemática é que o uso comercial dos dados coletados são a base do modelo de negócio desses aplicativos.

Esse é um dos focos do primeiro de três estudos do Instituto Educadigital e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br). “Educação em um cenário de plataformização e de economia de dados: problemas e conceitos”, que foi lançado ontem (29/09).

“As plataformas oferecerem videoconferências para escolas como algo grátis e as instituições acreditam nisso porque não têm conhecimento da economia de dados. Nela, grátis não existe, tudo é pago com os nossos dados”, explica a educadora, pesquisadora e diretora do Instituto Educadigital Priscila Gonsales.

“Por mais que digam não usar dados de crianças e adolescentes, quando você se loga no e-mail ou no YouTube, essa transmissão já ocorre, não têm distinção”, complementa o conselheiro do CGI.br e coordenador do Grupo de Trabalho sobre Plataformas na Educação Remota, Rafael Evangelista.

Durante a apresentação do relatório, Gonsales reforçou o igual desconhecimento dos gestores públicos sobre o tema, assim como a falta de legislação. “Como há a ideia forte de parceria grátis e não há o pagamento em dinheiro efetivo, seu uso é aprovado pelos tribunais de contas. Além disso, há o desafio: como colocar a plataformização dentro das legislações que já existem?”, questiona Gonsales.

“É preciso pensar as consequências dessas empresas que vão usar os dados coletados nas escolas públicas para criação de publicidades e vendas de produtos. Ao produzirem conteúdos educacionais, eles também bagunçam essa relação entre professor, aluno e escola”, analisa Evangelista. “Elas são colocadas como grande inovação e as redes públicas não percebem que, ao final, estão promovendo o negócio dessas empresas”, pondera.

Criando dependências

A primeira parte do estudo usou levantamento de Bibliometria e revisão bibliográfica sobre a plataformização na educação, tema ainda pouco explorado na produção acadêmica. Foram selecionados 86 documentos, inclusive um relatório da Human Rights Watch que identificava 165 produtos para a educação à distância presentes em 49 países. No Brasil, foram apontados no levantamento do CGI.br 556 iniciativas que se apoiavam em plataformas, sendo que 70,6% destas ofereciam soluções para o ensino básico .“Elas usam as plataformas de grandes empresas internacionais , ou seja, poucas desenvolvem modelo de inteligência artificial autoral no país”, complementa Gonsales.

A pesquisadora também apontou como consequência a dependência das escolas e das redes públicas de educação dessas ferramentas.“Além da oferta, as empresas oferecem formação e treinamentos dos professores. Outro ponto é que, se um pai não quiser que seu filho se cadastre em tais plataformas, haveria alternativa a isso? Existe a possibilidade real de negá-las? Esses questionamentos mostram que seu uso é ditado pelas empresas de tecnologia e sem a participação da comunidade escolar”, pontua.

Ampliando o debate

O segundo estudo CGI.Br, ainda sem data de lançamento, pretende mapear os contratos oferecidos por essas plataformas a educadores, escolas e redes. Já o terceiro terá como foco a geopolítica e os fluxos internacionais de dados. Gonsales cita o caso da Dinamarca, que baniu o Google Educação: “Há debates acontecendo em outros países e que podem ajudar a pensar o que precisamos desenvolver dentro do Brasil, em termos de infraestrutura, para ter uma soberania de dados”.

“É possível desenvolver plataformas especificas para educação a partir de tecnologias livres cujos dados coletados não sejam a base do modelo de negócio e que protejam os direitos fundamentais dos alunos e professores envolvidos no processo?”, questiona a pesquisadora.

Ela também cita a necessidade de abandonar o discurso de “uso” da internet. “Quando falamos de tecnologia, há uma relação: ela também nos transforma. Pensar assim sai do lugar ferramental que historicamente a tecnologia se consolidou na educação”, finaliza.

Veja mais:

Maioria das escolas fez atividades com tecnologia na pandemia, mas falta de dispositivos foi entrave

Publicação do CETIC.br discute os impactos da publicidade infantil

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