Leonardo Valle

Como os diferentes movimentos sociais de São Paulo usam a tecnologia? Descobrir a resposta foi um dos objetivos da tese da pesquisadora pelo Programa de Saúde Global e Sustentabilidade, da Universidade de São Paulo (USP), Juliana Giaretta. Para isso, ela entrevistou e monitorou grupos de horta urbana, de mobilidade e que reivindicam a apropriação e uso dos espaços públicos.

“Apliquei o método bola de neve, em que um ativista me indicava o próximo nome que entrevistaria. Foram 27 entrevistados, de 22 coletivos. Acompanhei essas pessoas e seus comportamentos no Facebook durante quatro anos”, revela.

Ao final, Giaretta descobriu características importantes de quem se mobiliza para mudar a cidade e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. “A principal é atuar em rede e na rede. A primeira porque mobilizam os participantes dos seus grupos. A segunda porque, quando precisam, acionam quem atua em outras pautas também”, destaca.

Juliana Giaretta entrevistou ativistas de São Paulo e Roma para entender o papel das tecnologias nas mobilizações sociais. Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

 

Como a tecnologia é utilizada pelos ativistas na cidade?

Juliana Giaretta: O primeiro aspecto é seu uso como uma arquitetura da informação. São Paulo é uma cidade grande e superpovoada. No passado, os meios de comunicação não permitiam a troca, o compartilhamento de informações em larga escala, de forma veloz, horizontal e sem barreiras geográficas. Pelas redes sociais e pelos aplicativos de mensagem, esses militantes compartilham hoje comunicados, conteúdos e opiniões. Ajudam a inserir outros atores no debate e o ampliam na esfera pública. Ou seja, mesmo que uma pessoa não esteja no local da tomada de decisão, ela sabe que um outro membro do grupo estará lá a representando.

Qual diferencial a tecnologia trouxe?

Giaretta: O ativismo sempre existiu, mas a tecnologia proporcionou visibilidade. Por meio dela, pessoas que estavam soltas puderam se encontrar e colocar em prática uma mesma pauta. Além disso, ela ajuda a repensar o sentido de cidade e de democracia. As relações nos grupos são mais horizontais, e muitos dizem não ver sentido nessa estrutura em que uma pessoa no topo comanda. É colaborativo.

Quais são as características desse grupo?

Giaretta: Não se identificam com o atual modelo de gestão de cidade e a principal particularidade é atuar em rede e na rede. A primeira porque mobilizam os participantes dos seus grupos. A segunda porque, quando precisam, acionam quem atua em outras pautas também. Não fazem um uso pessoal das redes sociais, por exemplo. Poucos dos entrevistados tinham foto de rosto ou com a família no perfil do Facebook. Usam a tecnologia como facilitadora para mobilizar recursos, sejam eles materiais, de capital social, de informação ou humanos. Esses movimentos se desenvolvem em três cenários: globalização, crise do bem-estar e descrença política.

São movimentos que só ocorrem na internet?

Giaretta: Eles fazem um mix online e offline. Ou seja, articulam-se na rede, mas se encontram no físico. Eles dizem: se a web acabar no mundo, vamos continuar nos encontrando, porque temos a praça como ponto de encontro. A mesma coisa com os ciclistas. Eles pedalam juntos, não é apenas um ativismo virtual.

É possível traçar um perfil dos participantes?

Giaretta: Dentro do meu recorte, a figura que apareceu foi feminina, adulta, com renda econômica qualificada, graduada em universidade pública, de profissão autônoma e sem filhos.

O que os motivam?

Giaretta: Há essa característica de descrença com a política e com a gestão da cidade e uma vontade de mudança. Eles passam em frente das praças, incomodam-se e resolvem atuar.

Eles se veem como atores políticos?

Giaretta: Eles se dizem apolíticos, sem ideologia; mas usam a tecnologia para esses fins, ou seja, para convocar pessoas e divulgar informações. Agora, em tempo de eleições, estão se mobilizando em mandatos coletivos (um se candidata, mas nove irão atuar caso ganhem).  Assim, é importante dizer que é um movimento dinâmico, que muda toda hora. Não há algo pré-definido e eles agem via tentativa e erro. Isso inclui mudar de opinião. Além disso, alguns possuem cadeira no Conselho de Desenvolvimento Sustentável do Município, que é apenas de caráter consultivo (não possuem direito a voto). Com isso, fica claro que eles veem necessidade de ocupar essas estruturas, mesmo não acreditando nelas.

Você também entrevistou ativistas em Roma. É possível fazer comparações com São Paulo?

Giaretta: Como digo na tese, não é possível comparar as duas cidades porque fiz menos entrevistas na capital italiana, há o limite do idioma, entre outros. Contudo, há algumas diferenças. No Brasil, o ativismo urbano é realizado por pessoas mais jovens e a há um sentimento de descrença política acentuado. Em Roma, eles se mobilizam mais para dar o exemplo aos seus amigos e vizinhos. O perfil dos ativistas é mais velho, sendo a maioria de aposentados. E eles se mobilizam para preservar os patrimônios históricos da região, evitar pichações, entre outros, penso que por conta do turismo. Contudo, a forma de usar a tecnologia é semelhante.

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Atualizada em 24/8/18 às 9h55.
Crédito da imagem: Hilch – iStock

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