Leonardo Valle

Um caminho que começou na cultura e terminou na sustentabilidade. Assim pode ser definida a trajetória do Instituto Favela da Paz, iniciativa que começou nos anos 80 com moradores do Jardim Ângela, bairro da periferia de São Paulo marcado pela violência e pela baixa expectativa de vida. Na ocasião, um grupo de adolescentes da região construíram instrumentos musicais com materiais reciclados e fundaram um grupo de samba: o Poesia Samba Soul.

“Era 1986 e a gente não tinha nem oportunidade nem recurso para comprar nada. Criamos os objetos com latas de goiabada. Tocávamos em garagem e, aos poucos, começamos a dar aula de músicas para crianças, a fazer festivais, a receber outras bandas, e construímos um estúdio “, relembra o co-fundador da entidade, Fábio Miranda.

A iniciativa cresceu e, nos anos 2000, o grupo foi convidado para uma turnê na Europa. Lá, conheceram uma ecovila em Portugal, onde permaneceram três meses. Voltaram cheios de ideia sobre alimentação saudável e tecnologias de energia renováveis, que começaram a implantar pelo bairro. Foi aí que, além do Poesia Samba Soul, o instituto passou a abrigar outros dois projetos em seu guarda-chuva: o Periferia Sustentável e o Vegearte.

Resíduos viram gás

No Periferia Sustentável, o Instituto Favela da Paz passou a ensinar os moradores a replicarem um sistema de gás natural aprendido em Portugal. “É um biodigestor que alimentamos com compostos orgânicos, como cascas de legumes. Controlando o pH, uma cadeia de bactérias digere o material e produz gás metano e um biofertilizante. Ao final, o biogás é utilizado para cozinhar alimentos”, explica Miranda.

Sistema de biogás é manipulado pelos próprios moradores, que utilizam a fonte de energia sustentável para cozinhar

 

Já o biofertilizante é usado em uma técnica chamada bioponia, similar a hidroponia, na qual morangos e hortaliças são cultivados sem a presença do solo. “Além do bairro, instalamos recentemente o sistema de biogás em uma comunidade ribeirinha na Amazônia”, orgulha-se.

O terceiro projeto é voltado para alimentação saudável e visa gerar renda aos moradores. Trata-se do Vegearte, que iniciou como um curso de culinária vegana. “Na ecovila que visitamos, percebemos que era possível se alimentar bem, a baixo custo e sem causar impactos ambientais. Quando voltamos, começamos a ensinar as crianças que participavam das aulas de música sobre o tema”, relata.

“Apresentávamos um alimento que eles não conheciam ou não gostavam, como rúcula, ensinávamos a preparar um prato, e eles levavam para a casa. Aos poucos, as famílias passaram a se envolver também”, destaca. Os adultos passaram a ser treinados na culinária vegana e a atividade virou uma fonte de renda. Atualmente, o projeto oferece refeições para empresas e eventos. “Este ano, fomos convidados a cozinhar para um evento social com 95 pessoas, cinco refeições por dia, em Santos (SP). Quem é escalado para o trabalho são os membros da própria comunidade, que são remunerados”, comemora Miranda.

Envolvimento de moradores

Elias Fonseca Domingos tinha 13 anos quando começou a frequentar as aulas de bateria gratuitas oferecidas pela iniciativa. Dez anos após esse primeiro contato, viu o anúncio de um curso de energia solar. Gostou e se inscreveu.

“Após as aulas, tive uma ideia: aliar a energia solar com a programação. Era possível automatizar o processo. Apresentei a solução e passamos a trabalhar juntos em um novo projeto”, relata.

Domingos instalou em sua casa e na de outros moradores um sistema que controla placas solares pelo celular. “Penso que se não tivesse o Instituto, a violência no bairro seria maior”, analisa.

Para Miranda, casos como o do jovem são um exemplo do envolvimento da comunidade no projeto. “Apenas na minha rua, duas mil pessoas são beneficiadas”, revela.

Aulas de percussão e cavaquinhos estão entre as atividades oferecidas pelo Instituto Favela da Paz aos moradores do bairro Jardim Ângela, em São Paulo (SP)

 

Apesar das frentes em sustentabilidade, o Favela da Paz nunca esqueceu a veia musical. Atualmente, oferece aulas de músicas para crianças, faz turnês com a banda Poesia Samba Soul e conta com um estúdio de oito salas, todo criado com técnicas sustentáveis. “Temos um sistema de circulação de ar cruzado, assim, não necessitamos de ar condicionado”, descreve.

Para o futuro, o co-fundador e seus parceiros aguardam a construção da nova sede, em um terreno de 650 m2. Atualmente, as atividades acontecem na casa dos próprios fundadores. “Por isso, chamamos de Instituto-Morada”, explica. O novo edifício terá certificado LEED (em português, Líder em Eficiência Energética e Desenvolvimento Sustentável), dado a prédios com estrutura e funcionamento 100% sustentáveis. “O objetivo é continuar abrindo novas frentes na comunidade”, finaliza.

Crédito das imagens: Fábio Miranda/acervo pessoal

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